Caminho das pedras | Domingos da Mota

O chão que pisas, chão de terra
Dura, saibro, seixos, pedras, erva
Seca, tojo e urtigas,
E a secura das pernas
A correr Ceca e Meca,
E as pegadas visíveis dos sapatos
E o rasto das sandálias e dos pés
E os espinhos dos cactos e dos cardos:

E se um veio da fonte de Castália
Transvazasse da nascente de água
Pura e jorrasse entre as dunas
Do deserto, oásis no meio da secura,
Da aridez de quem trilha ou chega perto
Do caminho das pedras e calhaus –
Farto de serpentes
E lacraus?

Domingos da Mota

[inédito]

TEAR | Soledade Martinho Costa

Sobre o corpo das areias
Pelas marés
Lavadas
As pedras
Na solidão dos passos
Gravam
Indecifráveis sulcos.

Rente
Perpassa
Sobre si dobrado
O horizonte
Aspirando à falésia
Aromas de cicuta.

Tinge-o
Do sepulcro das algas
O manto verde e adivinho
Fino de gume
Corpo de cisne
Ao Sol sacrificado.

Sem trono
Ceptro
Nem grinaldas
Vem e escuta:

Nas grutas
Buriladas
Nas arribas
É que se tece
O silêncio
Como o linho.

Soledade Martinho Costa

Do livro «Do Sol e da Cal»

Editorial Presença

Femme | auteur inconnu , texte qui traîne sur le net | Mur de Fadette Aiache

Femme, j’ai tant de choses à te dire,
Qu’il me faudrait un livre pour l’écrire.
Une vie ne suffit pas, et encore plus de temps,
Car tu portes en toi tout ce que je ressens.
Femme tendresse, femme douceur,
Femme tempête, femme douleur,
Il me faudrait tout le dictionnaire
Pour parler de toi, en rimes et en vers.
.
Tu es le commencement et la fin.
Tu es l’aboutissement, soir et matin.
Tu es l’émotion, la finesse, la vie.
Tu es tout ce que je ne suis pas, je t’envie.
Tu es l’avenir de l’humanité,
Car tu portes en toi l’éternité.
.
Femme d’amour, tu donnes la vie.
Femme de cœur, tu donnes l’amour.
Femme sensible, fragile, forte,
J’attends tout de toi, ouvres-moi ta porte.
Fais-moi une place dans ton cœur.
Offre-moi tout de toi et plus encore.
Femme battue, maltraitée,
.
Femme outragée, mal aimée,
J’aimerais tant te protéger,
Pour pouvoir tout te donner.
Femme courage, tu es admirable.
Femme aimable, tu es remarquable.
.
Tu es, parfois, imprévisible, charmante,
Tellement troublante, émouvante.
Femme au regard si doux, si profond,
Je me plonge dans tes yeux jusqu’au fond,
Recherchant l’insondable, l’innommable.
S’il t’arrive de pleurer, je me sens minable.
Femme, ces colères que je redoute
Lorsque tes yeux lancent des éclairs,
.
J’apprécie pourtant, lorsque tu doutes,
Ton émotion, quoi qu’il t’en coute.
Femme, du fond de ma solitude,
J’ai besoin de ta sollicitude,
.
De ta douceur, de tes caresses,
De ton affection et de ta tendresse.
Femme heureuse, complice de mes bonheurs,
Femme amoureuse, tu supportes mes humeurs.
Et lorsque surviennent orage et malheur,
Tu gémis, tu souffres… pire tu pleures.
.
Femme tu me désarmes,
Alors je rends les armes.
Sans toi je l’avoue, je ne suis rien.
Tu le sais, de toi j’ai tant besoin.
Dis-moi encore qui es-tu ?
( auteur inconnu , texte qui traîne sur le net)

Récupéré du Facebook | Mur de Fadette Aiache

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Um romance de viés histórico de Adelto Gonçalves | Wil Prado

            Um dos mais representativos e importantes romances do “jornalismo literário” no País — premiado e com grande repercussão na época do lançamento, mas há anos esgotado nas livrarias—, Os Vira-Latas da Madrugada retorna em segunda edição com ilustrações e um belo acabamento gráfico.  E podemos constatar que, infelizmente, essa lacuna de tempo não desatualizou o seu cenário e enredo: mais de três décadas depois ainda deambulam pelas praças, ruas e cais das nossas grandes metrópoles os mesmos vira-latas que Adelto Gonçalves, autor do livro, com refinada sensibilidade e aguda observaç ;ão, pinçou da realidade e os colocou em movimento nas densas páginas que iriam emocionar toda uma geração.

            Mas, para que os leitores possam se situar e compreender o drama, é importante que falemos um pouco sobre o seu contexto geográfico e social.  E, naturalmente, sobre o seu autor, que viu de perto e até podemos dizer que sentiu na pele tudo que narrou.

            O romance se desenrola no bairro Paquetá, mais precisamente no cais e nas zonas de prostituição do Centro de Santos, onde hotéis, boates e cabarés exibem pomposos nomes de cidades e países europeus, como Old KopenhagenSweden e Oslo Bar, talvez para atrair os marítimos estrangeiros aportados. Área pobre e decadente, habitada na sua maioria por operários, comerciários e demais classes economicamente menos favorecidas, e ainda atraindo todos os deserdados do entorno, “mendigos, engraxates, prostitutas e jovens aprendizes de todo tipo de sobrevivência”, a região portuária, palco de grandes embates sindicais, promovidas pelo depo sto governo Jango e, com o desfecho do golpe militar, seria, consequentemente, uma das regiões mais visadas pelo novo regime, com a caça e prisões desses elementos. E muitos comporiam o elenco do romance. Contudo, não se comprometeu. Seu compromisso não é com partidos políticos ou com ideologias. Seu compromisso maior é com a condição humana. E somente.

            Através dos dados bibliográficos, sabemos que Adelto bebeu direto da fonte, e não através de relatos de terceiros. Ele não apenas ouviu falar ou leu sobre o que narrou. Não, não foi um mero expectador dos acontecimentos: testemunhou tudo “in loco”, entre o espanto e a indignação. Em artigo de jornal intitulado “O golpe visto da janela da minha casa”, escrito décadas depois, ele contaria que, com 12 anos de idade, presenciaria um dos episódios mais importantes e dramáticos, pois morava de frente  para o prédio do Sindicato dos Operários Portuários de Santos.  Menino, sem entender direito o que estava se pas sando, ele assistiria, atônito, aos soldados de fardas azuis da Polícia Marítima cercarem o sindicato, enquanto seus membros, acuados, apenas espiavam lá de dentro, esperando uma contrarreação que nunca viria.

            De repente, muitos gritos e a fumaça — talvez de uma bomba incendiária jogada lá dentro — subiu no ar. Minutos depois os soldados invadiriam o prédio, e os líderes sindicais, rendidos, deixariam as instalações em fila indiana, hostilizados por tapas e insultos de “comunistas de merda!”.  E, aqueles homens que decidiam os rumos da classe, tratados agora como meros bandidos, teriam que passar por um “corredor polonês”, esbofeteados até entrarem nas viaturas que os levaria direto para o navio-prisão atracado ali no estuário.

            Revoltado com o que via da janela, e, sobretudo, por conhecer alguns daqueles homens que estavam sendo espancados — ele estudava em escola mantida pelo Sindicato dos Operários Portuários de Santos —, como se não acreditasse no que estava vendo, sairia de casa para conferir de perto. Talvez por isso, anos depois, narraria esses episódios com tanta verve e propriedade, com cenas e imagens tão fortes como essa que não resistimos em reproduzir: “No cais, os homens agora trabalhavam em silêncio e ninguém mais levantava a voz para reclamar algo. Aceitavam tudo passivamente: como uma forca no centro da praça principal de uma pequena cidade, aquele navio estava ali no mei o do estuário a lembrar aos mais afoitos e aos incrédulos que os tempos haviam mudado”.

             Na esteira de grandes autores humanistas, via Vitor Hugo, Dostoievsky, Dickens e— por que não? — o próprio Jorge Amado, como eles Adelto deixa vazar em cada página sua grande compaixão pelos excluídos, esses seres em carne e osso, dores e dúvidas, que arrastam suas misérias e paixões pelas ruas, beco e puteiros, sempre em busca de uma resposta para suas dores físicas e espirituais. A cada página é como se o autor suasse, sofresse e chorasse junto, acompanhando as desditas de cada um dos seus personagens. Como se arrancasse o asséptico leitor da sua cômoda cadeira e o arrastasse até o sujo — de lodo, fumaça e ó leo  — cais, e o fizesse sentir no lombo a brisa gélida do mar, o cheiro da maresia, o suor, a inhaca de cada personagem — estivadores, sindicalista, cafetinas, putas ou meros vagabundos —,  toda essa gama dos malditos viradores de madrugadas.

            No meio da arraia-miúda, no entanto, um vulto se destaca pela sua coragem e lucidez: é Marambaia, um marítimo que, sempre reivindicando direitos e melhores condições de trabalho, liderou no seu passado heróico doze motins, e agora, aposentado, ainda frequenta o Sindicato dos Portuários.  E mesmo como contraventor (apontador de jogo do bicho) é admirado e respeitado por colegas e vizinhos, tornando-se uma espécie de conselheiro na região. Contudo, numa roda de amigos, ao comentarem o destino dessa última geração, constatavam que todos viviam de subempregos, quando não, resvalando para a contravenção.  Só Cariri, que virou jogador de futebol profissional, conseguira vencer. Então, entre a galhofa e a indignação, Marambaia desabafa: “Êta país de merda! Pobre pra subir na vida só sendo jogador de futebol…” Poderíamos hoje acrescentar que, com a inversão de valores da mídia mistificadora, alguns falsos artistas e cantores sertanejos também aí poderiam ser incluídos como vitoriosos. O que, claro, em nada contribuiria para a melhoria dos nossos dias.

UM PRECUSOR NA DENÚNCIA AO REGIME MILITAR

            Senão por tantas outras virtudes, o livro já teria o seu lugar ao sol pelo simples fato de ter sido, talvez, o primeiro romance-denúncia contra a ditadura militar, numa época em que todos nós ainda guardávamos, cuidadosos, certo distanciamento crítico, para abordar tão polémico tema. Adelto, estudante de vinte e poucos anos, não deu bolas para a voz da prudência e, tocado pela indignação e a intrepidez da juventude — talvez duas das maiores virtudes dessa bela fase da vida —, saiu na frente! Mas não fez panfletagem, como se poderia perfeitamente esperar de um jovem açodado e inexperiente. Esqueceu a pouca idade e fez romance de gente grande.

            Tomou, sim, o lado dos mais fracos, os deserdados, segundo as suas convicções, mas sem pregação político-partidária. O que, contudo, não evitou que alguém o taxasse de maniqueísta: colocando sempre os oprimidos como bons e os opressores como maus. Amado, Dostoievski e Zola também receberam tal pecha e isso em nada diminuiu o valor das suas obras. Homem de origem humilde (filho de pequeno comerciante), é perfeitamente natural, a nosso ver, a sua simpatia pelos “humilhados e ofendidos”, para usar uma expressão do grande mestre russo já citado a cima.

            Ainda que não se pretenda um romance histórico — não se prende a datas nem fatos sequenciais —, de certa forma, não deixa de sê-lo, na medida em que retrata episódios reais da História recente do País e, enlouquecendo a cronologia, nos remete a um passado remoto, como as andanças da lendária Coluna Prestes, na qual Marambaia, que podemos considerar o protagonista do romance, teria militado; atravessa o governo Vargas, com as perseguições políticas do Estado Novo, onde o protagonista também amargaria detenções; passando pelo governo de João Goulart, e entrando pelos primeiros anos da ditadura militar de 64.

 MAS NEM TUDO SÃO FLORES

            Para não dizer que tudo são flores, faremos aqui duas restrições. A primeira diz respeito aos parágrafos iniciais da segunda parte do livro, denominada “Segunda confissão”. O autor tenta fazer um levantamento histórico sobre a origem do nome Paquetá. E esse relato frio e pedagógico, tão fracionado, diferente do clima denso e fluido do livro, soa como um apêndice. Podia ser perfeitamente evitado.  Felizmente, ele pouco se estende, reconhecendo que é tarefa para um historiador, e não para um romancista. E o romance retoma seu inquieto e intenso fluxo.

     Segunda restrição. Pareceu-nos que, vez por outra, o autor põe na boca e na mente dos seus personagens palavras e reflexões não totalmente condizentes com, digamos, seu nível cultural. Como seria o caso do personagem Quirino, meio vagabundo, meio cafetão, às vezes travestido de sindicalista.  Preso em flagrante numa operação em que transportava armas clandestinas, em seu interrogatório, desabafa aos inquisidores:  “Nunca acreditei na espécie. É o homem que não presta. Ideologia nenhuma vai mudar isso. Seria preciso começar tudo de novo”.

            Para completar, poderíamos ainda citar suas filosóficas reflexões de delatar em relação ao amigo delatado: “(…) o velho tinha um passado de revolucionário, mas, agora, com mais de sessenta anos, não queria saber de mais nada — nem podia. Era bicheiro, contraventor, explorava a esperança do povo — que fim mais triste poderia ter um revolucionário? Para Quirino, já bastava a pena de vê-lo torturado por sua consciência”.  Reflexões de cunho existencialista como essas  não seriam estranhas ao delatado,  o velho Marambaia,  pensador que, nas horas vagas, é dado a anotações e discursos qu e deixaria para a posteridade. Mas não para o oportunista Quirino, homem prático e rústico, boa vida, preocupado apenas com a sobrevivência imediata.

                 Fechado o livro, o sentimento primeiro que nos vem é de alívio: não teremos mais qualquer responsabilidade sobre os caminhos e descaminhos dessa gente desamparada.  Mas logo, como um remorso, nos bate a frustração: não poderemos mais acompanhar o velho João de Angola a se arrastar pelas ruas do Paquetá, carregando sua sacola cheia de esculturas entalhadas em madeira; não mais poderemos conferir a aparição da bela prostituta Sula a exibir sua lascívia e inocência entre homens famélicos e frustrados;  não mais ouviremos  as predições do  velho Marambaia,  visionário anarqu ista que já visitou portos em Stalingrado, na Rússia, ou em Hamburgo, na Alemanha, e agora se esconde num canto do Estrela da Manhã, apontando para o jogo do bicho;  Peremateu, o  mágico argentino, alquimista e charlatão, que, para seduzir mocinhas indefesas e trapacear homens poderosos, desfia toda a sua gama de astúcia; Plínio, o eterno vagabundo — uma espécie de Carlitos patropi — e sua companheira Rosa, a mudinha angustiada que suspira pelo filho perdido para o mar; os três moleques — Pingola, Cariri e Gabriel — que, enquanto jogam porrinha na praça, tramam o assalto ao bazar da esquina; Teodorico, o velho profeta desvairado que carrega sempre um caixote debaixo do braço e, encontrando o primeiro ajuntamento de trabalhadores, já sobe no caixote para proferir seu intermináveis discursos…

               Bom, meus amigos: bem ou mal, o recado está dado. Se você quer um livro forte e comovente, por vezes terno, mas por vezes amargo, desses que uma vez lidos nunca mais será esquecido — vá até a livraria mais próxima, adquira ou encomende este romance. Agora, se você quer apenas um ligeiro entretenimento, uma coisa mais doce — e não pode tomar um copo de água com açúcar porque é diabético —, então compre qualquer um desses tons mais ou menos desbotados que andam aí pelas bancas…

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Os Vira-Latas da Madrugada, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Marcos Faerman, apresentação de Ademir Demarchi, posfácio de Maria Angélica Guimarães Lopes e ilustrações e capa de Enio Squeff. Taubaté-SP: Associação Cultural Letra Selvagem, 216 págs., 2015, R$  35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br Site: www.letraselvagem.com.br

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(*) Wil Prado, jornalista, romancista, contista e crítico literário, é autor do romance Sob as Sombras da Agonia (Lisboa, Chiado Editora, 2016).

XV Parlamento Nacional de Escritores da Colombia abre inscrições | Valdeck Almeida de Jesus

Está aberta até às 18hs do dia 16 de junho de 2017, a convocatória para escritores e escritoras de qualquer parte do mundo participar do XV Parlamento Internacional de Escritores da Colômbia ou do III Parlamento Jovem, organizados pela Associação de Escritores da Costa. O encontro acontece em Cartagena das Índias, de 23 a 26 de agosto de 2017, com vasta programação que inclui lançamentos de livros, recitais poéticos, leituras de trabalhos literários, bate papos, debates, além de almoços regados a muita alegria, poesia e literatura. Na edição 2017 a presidência honorária do parlamento está sob os cuidados da escritora Miriam Castillo Mendonza.

Autores que desejam participar do evento devem apresentar uma proposta de ensaio sobre obras literárias de um dos seguintes escritores: José Eusebio Caro Ibáñez, Juan Rulfo, Gerónimo Osiris, Régulo Ahumada Surbarán e Nelson Castillo Pérez.

Brasileiros podem apresentar trabalhos sobre a literatura do Brasil, obedecidas as regras de tamanho do texto contidas na ficha de inscrição, que será enviada a quem requerer, através do e-mail e/ou blog abaixo informados. Os selecionados pagam taxa de 223.000 pesos colombianos, ou o equivalente em dólares, em conta a ser informada por e-mail. Em contrapartida têm direito a hospedagem e alimentação gratuitos durante todo o parlamento. Passagens de avião são por conta de cada escritor.

Para maiores detalhes, entrar em contato com o Cônsul do Parlamento no Brasil: Valdeck Almeida de Jesus (pelo e-mail poeta.baiano@gmail.com).

Os textos devem ser enviados de acordo com as regras contidas no formulário contido no link: http://parlamentodeescritores.blogspot.com

O XV Parlamento Internacional de Escritores da Colômbia atualmente tem delegados por toda a Colômbia e diversos países, e é o evento acadêmico e literário de maior qualidade, maior atração entre os intelectuais do país e que realiza a maior projeção de Cartagena para o mundo. Declarado como de “Interesse Cultural” pelo Conselho de Cultura do Distrito de Cartagena, é cofinanciado pelo Instituto de Patrimônio e Cultura de Cartagena, Ministério da Cultura, Câmara de Comércio de Montería, Corporação Universitária do Caribe (CECAR), Instituição Tecnológica “Colégio Mayor de Bolívar”, Teatro Adolfo Mejía, assessoria da Cara de Cultura de Cartagena, Restaurante Las Indias Boutique Gormet, Casa Museo “Rafael Nuñez”, dentre outros.

Fonte: https://galinhapulando.blogspot.com.br/2017/03/xv-parlamento-nacional-de-escritores-da.html

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Homenagem ao filósofo José Maurício de Carvalho | Adelto Gonçalves

                                                          I

Se não é o principal filósofo brasileiro hoje, José Maurício de Carvalho (1957), sem dúvida, está entre os mais respeitados não só no Brasil como em Portugal. Por isso, a homenagem que os professores Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz, Adelmo José da silva e Paulo Roberto Andrade de Almeida lhe fizeram, ao organizar o livro Uma Filosofia da Cultura: escritos em homenagem a José  Maurício de Carvalho (Universidade Federal de São João del Rei-UFSJ, 2016), é mais do que justa. A obra reúne ensaios sobre aspectos de sua extensa obra, além de textos do próprio homenageado e recensões de seus livros.

Filósofo, psicólogo, pedagogo, pesquisador e articulista, José Maurício de Carvalho, nascido em São João del-Rei-MG, tem se destacado por sua disposição de tornar pública a reflexão filosófica no Brasil, o que o levou naturalmente a se enveredar pelo pensamento filosófico de Portugal. Por isso, seus escritos encontraram sempre grande receptividade na imprensa portuguesa, especialmente no suplemento semanal Das Artes Das Letras, do diário O Primeiro de Janeiro, do Porto, que, extinto em 2008, teria continuidade em maio de 2009 com o quinzenário As Artes entre as Letras, igualmente sob a direção da jornalista Nassalete Miranda.

Mestre e doutor em Filosofia, com estágio de pós-doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Nova de Lisboa, Carvalho aposentou-se recentemente como professor titular de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da UFSJ. Atualmente, é professor do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves (Iptan), membro do Instituto Brasileiro de Filosofia, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Mantiqueira de Letras. Publicou 30 livros e capítulos em outras l5 obras, além de mais de uma centena de artigos em revistas e jornais.

                                               II

Um dos mais instigantes ensaios deste livro é “Sampaio Bruno e o Brasil mental”, do próprio homenageado, redigido para o congresso A Obra e o Pensamento de Sampaio Bruno, realizado na Universidade Católica Portuguesa, no Porto, entre os dias 4 e 6 de novembro de 2015. Nesse texto, Carvalho lembra que o filósofo portuense Sampaio Bruno (1857-1915), considerado o fundador da Filosofia portuguesa, autor do livro O Brasil Mental (1898), apesar de seu esforço na tentativa de reaproximar a intelectualidade portuguesa da brasileira, não “enxergou as novidades nem viu valor nas considerações filosóficas da Escola do Recife que ele avaliou com o mesmo desdém com que condenou a ignorância de seus compatriotas do quadro intelectual brasileiro”.

Para Carvalho, as críticas de Bruno a Tobias Barreto (1839-1899) e aos seus continuadores da Escola do Recife acabaram não sendo exatas, porque Bruno parece entender as posições de Silvio Romero (1851-1914) como uma continuação de Tobias, sem notar a inflexão que o culturalismo sociológico de Romero representou em relação à herança do mestre. Segundo Carvalho, havia na Escola do Recife outros pensadores importantes como José Soriano de Souza (1833-1895) e João Mendes Júnior (1856-1922), que não foram contemplados nas análises de Bruno.

O volume traz também o ensaio “Sampaio Bruno e o Brasil culto”, do professor doutor António Braz Teixeira, da Universidade Autônoma de Lisboa, que, a exemplo do trabalho de Carvalho, foi escrito para o congresso em homenagem a Sampaio Bruno, o que significa que, ao tempo, cada autor desconhecia o texto do outro e, portanto, não constitui uma contestação ao que o filósofo brasileiro escreveu.

Neste trabalho, Braz Teixeira preferiu destacar a preocupação de Bruno em chamar a atenção da “gente culta de Portugal para as obras literárias, filosóficas, históricas, políticas de nossos irmãos brasileiros”. E para a benevolência do filósofo portuense em relação à extensa crítica com que Euclides da Cunha (1866-1909) reagiu ao livro O Brasil Mental em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, nos dias 10, 11 e 12 de julho de 1898, pois, um decênio mais tarde, não se recusaria a prefaciar a penúltima obra do autor de Os Sertões (1902), o volume de ensaios Contrastes e confrontos, publicado por uma editora portuguesa em 1907, dois anos antes da morte do escritor brasileiro.

Já o professor doutor José Esteves Pereira, da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, em “José Maurício de Carvalho e os caminhos da moral moderna: notas breves”, reconhece que homenageado é hoje “um dos mais lúcidos intérpretes da realidade político-cultural luso-brasileira”, observando que suas reflexões sobre o tradicionalismo, tomando como referência Pascoal José de Melo Freire (1738-1798) e José da Gama e Castro (1795-1873) ou ainda o mineiro José Severiano de Resende (1871-1931), vieram a abrir novos campos de pesquisa sobre o tema.

                                               III

Na impossibilidade de se referir aos demais ensaios sobre a obra do filósofo mineiro – de autoria de Antônio Paim, Ricardo Vélez Rodríguez, Paulo Roberto Andrade de Almeida, Adelmo José da Silva, Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz e Selvino Antônio Malfatti –, ressalte-se o texto “José Maurício de Carvalho e a pesquisa do pensamento luso-brasileiro”, de Anna Maria Moog Rodrigues, da Academia Brasileira de Filosofia e do Instituto Luso-brasileiro de Filosofia, que acompanha a trajetória do homenageado desde os idos da década de 1980, quando este se apresentou como candidato ao curso de doutoramento no Departamento de Filosofia da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. Na abertura desse texto, diz a professora Anna Maria que “inteligente, diligente, determinado, eficiente e objetivo são características que se podem atribuir sem exageros a José Mau ricio de Carvalho enquanto estudioso e pesquisador das ideias”.

Diz ainda a filósofa que Carvalho foi introduzido no estudo do pensamento português pela obra do historiador de ideias Joaquim de Carvalho (1892-1958), sobre o qual escreveu o livro História da Filosofia e Tradições Culturais: um Diálogo com Joaquim de Carvalho (Porto Alegre, ediPUCRS, 2001). De Joaquim de Carvalho, o filósofo disse que foi quem o ajudou “a perceber o filosofar como um diálogo com o passado”.

Delfim Santos (1907-1966) foi outro pensador que se tornou um guia para Carvalho no estudo do pensamento português. Foi tema de sua tese para o concurso de professor titular, que resultou no livro A Filosofia da Cultura: Delfim Santos e o Pensamento Contemporâneo (Porto Alegre, ediPUCRS, 1999).

Conhecendo profundamente a trajetória do pensamento português, através da leitura das obras dos escritores moralistas portugueses da chamada Segunda Escolástica, Carvalho, segundo Anna Maria, pôde entender a contribuição da Contra-Reforma católica na cultura luso-brasileira para, a partir daí, elaborar um novo esquema interpretativo do desenvolvimento temático da moralidade luso-brasileira desde a Renascença até o século XVIII.

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Uma Filosofia da Cultura: escritos em homenagem a José Maurício de Carvalho, de Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz, Adelmo José da Silva e Paulo Roberto Andrade de Almeida (organizadores). São João del-Rei-MG: Universidade Federal de São João del-Rei, 312 págs., 2016. E-mail: segra@ufsj.edu.br Site: www.efsj.edu.br

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 (*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga(Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Nas praias de lá | Maria Isabel Fidalgo

Quem dera fosse possível
um dia, já libertada do pó,
do pus, do pecado,
da fétida carne,
dos excrementos,
das excrescências do corpo,
a alma flutuasse etérea
entre outras almas,
brancas como as areias
de outras praias de lá,
onde pudesse gozar
a pureza pulcra do belo
e da verdade.
Quem dera fosse possível
às almas que se amaram
que um reencontro as unisse
numa comunhão sideral
para se amarem sem grades
em banquete universal.

Maria Isabel Fidalgo

José Eduardo Agualusa vence International Dublin Literary Award

José Eduardo Agualusa acaba de vencer o International DUBLIN Literary Award, anunciado hoje na capital irlandesa. O prémio distingue o escritor angolano e o seu romance Teoria Geral do Esquecimento – numa edição particularmente forte, em que a shortlist final incluía obras de Mia Couto, Orhan Pamuk, Viet Thanh Nguyen e Anne Enright.

O International DUBLIN Literary Award tem o valor de 100 mil euros, sendo o maior do género para uma obra de ficção publicada em Inglês. Desde 1996 já distinguiu autores como Orhan Pamuk, Javier Marías, Michel Houellebecq, Colm Tóibin, Colum McCann, Jim Crace ou David Maalouf e Herta Müller. Ao longo das suas 21 edições, esta é a nona vez que o vencedor é um livro traduzido, e a primeira que elege um livro originalmente escrito em português.

Os candidatos a este prémio são nomeados por bibliotecas públicas selecionadas em todo o mundo, tornando esta distinção única na sua cobertura e alcance. Este ano, bibliotecas da Áustria, Bélgica, Brasil, Croácia, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Irlanda, Polónia, Portugal, Rússia, Escócia, Suécia e Estados Unidos da América, participaram na selecção inicial, assim como na votação da shortlist de dez títulos, celebrando a excelência da literatura de hoje.

No caso de o livro vencedor ser uma tradução, o prémio monetário distingue o autor com 75 mil € e o seu tradutor com os restantes 25 mil €. O prémio é patrocinado pelo Dublin City Council e este ano a shortlist incluía livros de José Eduardo Agualusa (VENCEDOR/Angola), Mia Couto (Moçambique), Anne Enright (Irlanda), Kim Leine (Dinamarca/Noruega), Valeria Luiselli (México), Viet Thanh Nguyen (Vietname/EUA), Chinelo Okparanta (Nigéria/EUA), Orhan Pamuk (Turquia), Robert Seethaler (Áustria), Hanya Yanagihara (EUA).

José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, Angola, a 13 de dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura. Viveu em Lisboa, Luanda, Rio de Janeiro e Berlim. Os seus livros têm sido distinguidos com os mais prestigiados prémios nacionais e estrangeiros, como, por exemplo, o Grande Prémio de Literatura RTP (atribuído a Nação Crioula, 1998), o Grande Prémio de Conto da APE e o Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian, ou o Independent Foreign Fiction Prize (para O Vendedor de Passados, 2004). Em 2016, o romance Teoria Geral do Esquecimento foi finalista do Man Booker Internacional.

Desde 2013 que a sua obra começou a ser publicada pela Quetzal. Depois de A Vida no Céu seguiram-se Um Estranho em Goa(2013), A Rainha Ginga (2014), O Livro dos Camaleões (2015) e, no início deste mês, o seu mais recente romance, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, em paralelo com os seus livros anteriores – agora em novíssimas edições revistas de Estação das Chuvas, As Mulheres do Meu Pai, Nação Crioula, O Vendedor de Passados ou A Conjura, entre outros.

Miguel Real, filósofo: “a nossa elite é canina na obediência e macacóide face ao estrangeiro” | In jornal de Leiria

Ensaísta, romancista e escritor preconiza teorias sobre as maleitas que nos afligem e o caminho para a lucidez. “Somos um povo que acredita que, sem a cunha, sem o Euromilhões e sem Fátima não consegue passar da mediania”, afirma

Costuma dizer que uma das coisas que o aborrecem é a falta de cuidado de alguns escritores ao escrever romances históricos. Por contraste, para os seus livros, admite fazer sempre trabalhos de preparação e pesquisa exaustivos…

Um romance histórico exige uma grande investigação. Se for passado no Brasil, que é o caso do meu livro A Guerra dos Mascates [2011], implica uma ida lá e não basta “apanhar as frutas no Pão de Açúcar”, que é o que vejo que muitos fazem. Tem de se ir ao Pernambuco, à Bahia ou, no caso de se escrever sobre o padre António Vieira, a Belém do Pará, ou ao Maranhão. Tem de se investigar nos arquivos históricos de lá, porque há sempre uma série de circunstâncias que os livros de história dos investigadores não têm. Tem de se contactar com a população e apanhar o léxico da zona, com todos os lindíssimos aspectos semânticos do Pernambuco ou Maranhão. Aborrece-me imenso ler um romance histórico e ver erros clamorosos por, justamente, não ter sido feita a investigação. Um dos últimos que vi está num romance passado em São Tomé, onde um escravo negro diz ao seu senhor que “ficou gelado” quando viu a sua ama a fazer determinada coisa. Ficou… “gelado”. Isto passa-se no século XVI em São Tomé! Ficar “gelado” é absolutamente impossível. O leitor nem se apercebe porque o gelo é uma realidade dos século XX e XXI e tem gelo em casa todos os dias e não acha desconforme, mas quem é crítico literário e também autor, vê que há ali algo oco. Noutro romance que li há pouco, Vasco da Gama chega à Índia e o samorim de Calecute “oferece-lhe” uma cadeira para se sentar. Não havia cadeiras, na Índia do século XVI. Há tronos onde só o samorim se senta e as restantes pessoas sentam-se no chão, sentam-se em escanos – pequenos banquinhos -, sentam-se em almofadas, mas não há cadeiras. Ninguém vai dar cadeiras a Vasco da Gama para se sentar… ele teria, obrigatoriamente, de falar de pé, em frente ao samorim. Isto acontece não por falta de qualidade dos romancistas, mas por preguiça mental, falta de tempo e de dinheiro para ir aos locais. O autor tem de ser como um investigador da universidade. A ausência de investigação é, muitas vezes, compensada pela retórica. Muitas vezes, os autores são professores e escrevem bem, mas isso não chega para fazer um bom romance.

No seu livro o Último Europeu: 2284, faz uma série de previsões futuristas. Também fez um trabalho de pesquisa, mas virado para o futuro. Onde se inspirou para prever materiais e novos modos de interacção interpessoal?
Tinha escrito um romance sobre o terramoto de 1755 [A Voz da Terra] e constatei que tudo o que havia em Lisboa, nesse ano, hoje não existe, a não ser a pedra e restantes elementos da natureza. Não existia plástico, nem as formas de comunicação actuais – estradas e caminho- de-ferro -, electricidade, telefonia, televisão, etc. Daqui a 250 anos, no meu livro, não há carros, as estradas são uma espécie de tapetes rolantes e as pessoas já não comunicam oralmente, mas mentalmente, usando um cérebro novo, que se chama hipercórtex. Desenho uma sociedade com base em ciência que não existe hoje e que torna o Homem feliz. Mas isto acontece apenas numa parte da Europa onde vive apenas uma minoria de 100 milhões. No resto, onde vivem 400 milhões, vive-se o caos. É um cenário de utopia que vive, lado-a-lado, com a distopia.

Pelo que vemos da actualidade, qual é o cenário futuro que lhe parece mais provável?
Nunca se conseguiu prever o futuro a longo prazo. No final da Idade Média, tudo o que foi previsto não sucedeu. Tudo o que Orwell previu não sucedeu, embora algumas das críticas a Estaline e ao sistema soviético já se verificassem. Todas as grandes utopias, a de Marx, a dos falanstérios [pequena unidade social abrangendo entre 1200 e 2000 pessoas] de Louis Blanc, as comunidades anarco-sindicalistas, nada disso existiu. Por outro lado, as previsões feitas por Malthus, no século XIX, de que o Homem progrediria tanto que, de um posto de vista geral, não haveria comida para todos, e haveria epidemias de fome e doença, também não se tem cumprido. No Biafra, na Eritreia e em mais alguns pontos do Globo isso cumpriu-se, mas ele falava num cenário generalizado na Europa. Nem se cumpriram as profecias de Marx, de que o operariado tomaria o poder e que o comunismo seria eterno… de certa maneira, o operariado tomou o poder na Rússia, mas perdeu-o de seguida. Não consigo prever o futuro. Fazê-lo é um exercício puro de imaginação. Contudo, posso fazer votos para que a ciência domine a sociedade e que o Homem viva com conforto, saúde e qualidade de vida, mas não posso dizer que será assim. Provavelmente, será a distopia a tomar conta da realidade. No meu livro, exagerei a distopia, para realçar aquele cenário, onde mais de 200 clãs dominam territórios e a população vive para trabalhar e recebe comida e roupas em função do seu trabalho. É uma Europa catastrófica… 2016 vai ser um ano muito belo, quando comparado com 2284.

Recentemente, no Festival Literário de Fátima, afirmou que “pensar é a mais perigosa das vocações” e que para pensar “só há cais de partida, nunca cais de chegada”… Pensar custa e as pessoas evitam fazê-lo?
Sim, porque pensar traz inquietação. E as pessoas evitam pensar no futuro e sobre a vida. Mas devia- -se pensar nesta sociedade que está formatada. Hoje, não há coisas novas, só há novidades e elas aparecem todos os dias na televisão, nos jornais, em lojas, nas roupas, em carros… Mas não é nada de novo. É apenas a mera “novidade”. Não aparecem carros absolutamente novos que alterem a relação entre o automóvel e o Homem. Aparecem uns que consomem mais, outros que consomem menos, uns mais bonitos, outros mais feios. Pensar é sair fora da estrada e desta informatização e formatação que a sociedade faz através da escola e da família: vestimos os mesmos casacos, temos os mesmos carros, vamos aos mesmos hospitais, escolas e cafés e jantamos e almoçamos à mesma hora. Não critico totalmente a informatização, o que critico é a formatação básica dos cérebros a todos os níveis. Por exemplo, os jornais nacionais dizem todos o mesmo, com uma ou outra excepção. Tanto faz comprar o Público, o DN ou o JN. Trazem as mesmas notícias… apenas há um ou outro artigo que pode valer o jornal. Por exemplo, o Público sublinha muito a ciência. Depois as televisões repetem as notícias que estavam nos jornais. Isto não satisfaz um cidadão do século XXI e percebo que a maior parte dos jovens deixem de ler jornais. Também faço um esforço para os comprar e, muitas vezes, folheio-os para perceber se vale a pena. É que aquilo que o jornal me está a dizer eu já ouvi às 7 horas na rádio, quando vou a caminho do trabalho.

E é perigoso pensar de outra maneira?
É. Ao pensar de outra maneira que não aquilo que a formatação da sociedade diz, pomo-nos à parte. Somos a formiga que não vai no carreiro, como dizia Zeca Afonso. Isso faz-nos sentir tristes porque estamos sozinhos, porque pensamos de uma maneira diferente da dos outros. Traz inquietação nocturna. Despertamos para o mundo do pensamento, que nos pergunta se vale a pena viver, se vale a pena entrar todos os dias às 9 horas e sair às 17 ou 18 horas. Temos 70 anos de vida, 40 dos quais são passados a cumprir horários. Nos outros 20 crescemos e, verdadeiramente, só nos restam dez anos para nós. Pensar faz-nos pôr em causa… Vale a pena ser bancário e emprestar dinheiro a quem já o tem e não emprestar a quem precisa dele? Se se começa a pensar isso, tem de se sair do banco. É mau quando os dirigentes políticos não têm um pensamento original… e o primeiro-ministro e o Presidente da República se limitam a dizer o que leram nos jornais estrangeiros e a aplicar os mesmos orçamentos que vêem na Inglaterra e na Alemanha, as mesmas medidas sociais ou de saúde. Quando começamos a pensar, nunca sabemos para onde vamos. Há cais de partida, mas não há de chegada, nem sabemos o caminho. Um dos maiores pensadores europeus, Emil Cioran, que era um refugiado romeno, quando chegou a Paris começou a pensar e a escrever e pôs em causa toda a civilização. Viveu como um marginal por questionar. Era quase um pensador maldito. Cuidado, pensar é a coisa mais bela, mas o caminho a que nos leva é difícil.

O filósofo político holandês Rob Riemen referiu numa entrevista ao JORNAL DE LEIRIA que vivemos numa sociedade onde tudo é smart (esperto) – smartphones, smarttv – e que não há espaço para a sabedoria (wisdom)…
Sim! Não há espaço para a lucidez! É um problema que não é actual e que não é apenas português. É da Europa e da história. A primeira coisa que o Homem tinha de fazer era sobreviver às carências: da comida, da bebida, da roupa, da saúde. O que acontece é que, no Ocidente, já conquistámos essa sobrevivência e muito mais: há escolas, universidades, cemitérios, estradas. Suprimos as carências que tínhamos como animais e, inclusivamente, adiámos a morte com comprimidos e operações. Como diz Onésimo Teotónio Almeida, “a diferença entre um norte-americano, um europeu e um africano é que, aos 50 anos, este último tem um ataque de coração e morre, enquanto os ocidentais têm um ataque de coração e andam mais 20 anos a tomar comprimidos e injecções”. Em conclusão, ao suprir as carências, acomodámo- nos. Ficámos encostados ao que a civilização conseguiu. Tornámo- nos moles, preguiçosos e perdemos a lucidez. Para um pai de família, ao sábado de manhã, é mais importante lavar e encerar o carro do que pensar e fazer milhões de coisas para o corpo ou melhorar o pensamento. Não o faz, porque o que lhe interessa é a utilidade e as coisas pragmáticas em vez da sabedoria e da lucidez.

“As elites são as culpadas de Portugal ser como é”
“Temos de ser anti-sebastianistas”
No livro Nova Teoria do Sebastianismo aborda uma nova ideia do mito messiânico que Portugal adaptou para si. O que é hoje ser-se sebastianista? Ainda é esperar pelas brumas que trarão o salvador da Pátria?

É acreditar em algo que nos ajudará por milagre: no partido, na cunha, no Euromilhões, em ir a Fátima de joelhos… Quem deu uma resposta perfeita a essa questão foi Joel Serrão: há sebastianismo quando o povo se conserva serviçal e não livre. A formatação social faz com que a população esteja sempre à espera de alguém exterior que venha transformar a nossa vida. Não ser sebastianista é considerar que cada um consegue criar o seu próprio destino e transformar a sua vida num destino. Talvez o melhor exemplo actual de não sebastianismo seja Cristiano Ronaldo. Foi pequenino para Lisboa, para longe dos pais e sobretudo da mãe, teve uma doença no coração, treinou e treina além daquilo que o treinador lhe pede… não espera que o treinador o meta no campo, treina e faz exercícios dificílimos muito além do que lhe pedem. Ambiciona ultrapassar os prémios que já tem e alcançar novos galardões e, porventura, não será exagerado dizer que é um homem que não está à espera de clubes, de treinadores, de sorte, de acaso ou destino. Está à espera do seu próprio corpo, da sua inteligência ou dos seus pés. Cristiano Ronaldo é o exemplo perfeito do anti-sebastianismo, como poderá ser qualquer português que crie e transforme a sua vida… um empresário como Belmiro de Azevedo é mais um exemplo de anti-sebastianismo. São pessoas que criam a sua própria vida, por vezes contra a sociedade e a formatação do pensamento. Se sou melhor a história, mas o constrangimento social diz- -me que devo escolher uma profissão na engenharia que me dará mais dinheiro e seguir o que os pais, amigos, rankings, me dizem é ser sebastianista. É estar à espera que a sociedade dite a minha vida. Mas se for para história, mesmo a ganhar menos, posso fazer algo de que gosto… investigar, realizandome, em paz de alma. Quem segue a escolha sebastianista, sempre que há penumbra, embora a ganhar mais, terá sempre frustração e trauma. É por isso que, na reforma, os bancários começam a escrever, os médicos e os jornalistas a pintar e os operários a viajar. Tentamos fazer nos dez anos de vida o que os 40 anos de trabalho e os 20 anos de estudo não permitiram.

O facto de sermos sebastianistas significa que somos um povo infeliz?
Não somos um povo 100% infeliz, mas estamos habituados a fracassos. Não nascemos biologicamente vocacionados para o fracasso, mas tivemos sempre elites que nos conduziram a ele. Desde o final dos Descobrimentos, desde D. Sebastião, que a nossa elite política, económica e financeira amealha, entesoura, vive para si, absorve todas riquezas do País. É uma elite que, historicamente, é simbolizada num Portugal governado por D. João V, o Magnânimo, sem estradas, sem escolas, sem indústria e sem hospitais. Ele mandou construir o convento de Mafra e, só nos carrilhões, gasta dois anos do erário régio em ouro do Brasil. Era o retrato de uma elite que deitava migalhas à população mas nunca pensava que o operário e o camponês tinham filhos que queriam estudar. Mas como podiam eles pôr os filhos a estudar? Precisavam deles para trabalhar os campos. Somos um povo que percebe que, sem a cunha, sem o Euromilhões, sem Fátima não consegue passar da mediania. A partir de D. Manuel, o rei tinha o monopólio do comércio com a Índia, os lucros não ficavam em Portugal, iam para Bruges e depois eram distribuídos pelo resto da Europa. Quem lucrava eram o rei e a Corte. Claro que o marinheiro que ia à Índia tinha o seu soldo e um espacinho no porão onde podia trazer o que quisesse para depois vender e fazer fortuna. Anos depois, em Amesterdão e Roterdão, os holandeses criaram a Companhia das Índias Orientais e Ocidentais e ninguém tinha o monopólio. Eram feitos leilões onde a Câmara participava com dinheiro e comprava acções e onde os sapateiros, lavradores, operários, rabis, sacerdotes ou camponeses também as podiam comprar… faziam seguros para o empreendimento para o caso de haver naufrágios. Assim o prejuízo era distribuído por todos e a perda era pequena. Na Holanda, os descobrimentos ultramarinos foram democratizados e partilhados por uma população que se tornou rica. Em Portugal apenas o rei e a Corte recebem a riqueza. Isto faz com que, nos Países Baixos, o sebastianismo não faça sentido. Resumindo, as elites são as culpadas de Portugal ser como é. Os efeitos da interrupção do processo de modernização europeia de Portugal é a reflexão que sugere no livro Portugal: Um País Parado no meio do Caminho (2000- 2015). O que faz o País atrasar-se em relação aos parceiros europeus? A seguir a 1640, quando Portugal se tornou novamente independente, os espanhóis tinham levado todo o dinheiro dos cofres, e em 1641, havia apenas 60 cavalos para defender todo o Alentejo. Mas, em 1690, foi descoberto ouro em Minas Gerais, no Brasil. O ouro começou a chegar àquela Corte pobre, que admira a Inglaterra e a França e despreza Espanha, devido à guerra pela independência. Em 1705, quando D. João V toma o poder, o conde da Ericeira tinha criado um conselho para desenvolver ao máximo as artes mecânicas em Portugal, ou seja a industrialização. Mas descobre-se o ouro e o rei D. João V diz uma coisa que marca a história de Portugal: “há povos para os quais Deus destinou as artes mecânicas e têm de trabalhar todos os dias, e há povos para os quais Deus destinou a evangelização”. O monarca acha que Deus – e cá está a questão das elites – destinou Portugal a evangelizar a Índia, o Brasil e a África, com o ouro brasileiro. É um dos reis mais supersticiosos de Portugal. O ouro não foi destinado ao engrandecimento da população, mas a grandes obras que exprimiam a religião cristã, como o convento de Mafra, a patriarcal, a Ópera do Tejo, destruída pelo terramoto, mas tudo sem uma política de enriquecimento da população. Até os famosos coches do Museu do Coche vinham de Paris. Não se dava trabalho e emprego aos portugueses. Os vidros vinham de Veneza, as loiças de Limoges, as sedas de Lyon. Vamos perdendo oportunidades, e mesmo no século XXI. A nossa elite é canina na obediência e macacóide face ao estrangeiro. Isso continua hoje nos partidos, tirando talvez o PCP, mas mesmo esse era canino e macacóide face à URSS. Não há um único pensamento português económico ou político explícito. Seguimos o que está na moda na Europa e América. Até agora, era o neoliberalismo e fomos todos neoliberais. Quando ele falhou e o BCE fez empréstimos a juros negativos para espevitar a economia, passámos a ser keynesianos e intervencionistas.

Como se resolve esta situação?
Como diz António Guterres: com a educação. Pessoas mais instruídas não deviam permitir que esta situação continuasse…. Não deviam, mas permitiram com Passos Coelho. O Presidente da República que deveria ser a grande almofada para a humanização das medidas do Governo – era essa a sua grande tarefa -, defende um neoliberalismo mais profundo do que o do antigo primeiro-ministro. Um dia, com uma boa educação científica, espero que deixemos de ser sebastianistas.

Num mundo tão globalizado, como é possível tanta dificuldade em compreender o outro?
A primeira razão é o narcisismo. Há também uma luta e desigualdades sociais e geográficas muito grandes. Em França, isto vai à raiz do Homem europeu. É um Estado rico, com uma das melhores qualidades de vida do mundo, que contrasta com populações árabes, completamente arredadas de qualquer possibilidade de futuro. Se as nossas elites são más, as elites árabes, ébrias com o petróleo, não lhes ficam atrás. No Próximo e Médio Oriente, isto é uma constante. As populações paupérrimas vêem passar os oleodutos canalizados para Ocidente. Há um ressentimento entre árabes e cristãos. Estive em Lyon, França, numa universidade a dar um seminário e fiquei admirado com o número de mulheres árabes a estudar que usam o véu islâmico. Os E U A. não têm qualquer problema com os emigrantes. Se somos irlandeses podemos vestir à irlandesa, se somos escoceses vestimos à escocesa, vamos à igreja escocesa, se sou muçulmano vou à mesquita. Mas nós, os europeus, temos uma grande dificuldade em entender o outro. Somos muito narcisistas e os portugueses também o são. Gostamos de humilhar o outro. Até agora, os muçulmanos que vinham para a Europa, em especial para França, eram humilhados. Eram enviados para bairros específicos para eles. Foi a pior coisa que se podia fazer. Meteram- nos em guetos! E foram mais longe. Fizeram concursos especiais para professores, para se certificarem que eram de origem árabe. Em vez de haver partilha, difusão e comunicação ou colocar uma professora perante jovens que viam a mulher árabe ser humilhada pelo homem para entenderem que não o deviam fazer, apostou-se no erro. Hoje, o terrorismo, já ultrapassa a questão da educação. É a expressão de uma sociedade bloqueada e desesperada que não tem saídas. “Há 100 anos que nos exploram e a única solução que vemos é a violência.” O Estado Islâmico é a condensação desse mundo completamente destruído, de convicções muçulmanas. Querem um regresso ao passado.

Que principais desafios se vão colocar aos portugueses?
O principal será serem felizes, depois de quase cinco anos totalmente infelizes. Têm de o ser com pouco, com verdadeiros valores europeus, como a lealdade, a honestidade, a humildade – no sentido de não serem, no seu delírio, egotistas e narcisistas -, não cair no consumismo desenfreado… No tempo de Sócrates, havia quase um milhão de portugueses que mudava de carro todos os anos! Era fundamental ostentar o último modelo. Terão o desafio de serem felizes com o peito aberto ao vizinho, ao amigo, ao próximo e não fugirem dos problemas. Vai ser um ano difícil… será o ano em que se verá se o desemprego realmente desce, se os níveis de inteligência na escola sobem, se a economia cresce… Temos de ter a humildade de não querer ser os melhores do mundo, mas não nos considerarmos os piores. Não podemos estar sempre a chorar por não conseguirmos chegar no pelotão da frente. Se conseguirmos uma posição intermédia, subiremos vários níveis na nossa aproximação à média europeia. Temos de ser anti-sebastianistas!

Homem é finito
A inteligência humana advém da caça

No livro Manifesto em Defesa de uma Morte Livre fala do fim voluntário da vida… A morte apoquenta-o?
Apoquenta-me imenso. As grandes descobertas do pensamento no século XX foram que tudo é finito, tudo é relativo… e não há verdade absoluta. Mesmo que Deus exista, está além do nosso entendimento e imaginação. Não se nega que Deus possa existir tal como não se nega que não possa existir. Mesmo existindo, devemos ter a humildade de não nos considerarmos tão superiores ou infinitos que Deus se preocupa connosco. A imagem da idolatria máxima e repugnância é ver um jogador de futebol entrar em campo e benzer-se. Como se Nossa Senhora, os santos, Cristo e Deus fossem defender o Benfica contra o Sporting. Não é devoção, é mesquinhez mental, ignorância, narcisismo e superstição, alguém acreditar que, ao fazer aquele gesto, os santos e os espíritos o vão beneficiar e privilegiar face ao adversário. No século XX, descobrimos que o Homem é finito, isto é, é um animal especial, mas não deixa de ser um animal, num planeta, rodeado de animais a quem está a fazer mal há bastante tempo, num sistema solar onde, um dia, será dono e senhor, num universo onde é insignificante. Tem uma inteligência que resulta de um neocórtex desenvolvido para a caça, e que veio da capacidade de ritmar os músculos do braço com o olho, para que a seta atinja a gazela em movimento. Foi daí que nasceu o hemisfério esquerdo.

A inteligência vem da caça?
Toda a inteligência humana advém desse acto sanguinolento! Esta é uma visão. A outra é a de que Deus fez o neocórtex esquerdo do cérebro do Homem. Essa parte do cérebro que diz-nos que o Homem é finito e relativo. O absoluto, o eterno e a perfeição estão fora dele, embora o Homem fale sempre como se tivesse a verdade na mão. Eu próprio o faço. É quase impossível não o fazer. Não perceber que a Nossa Senhora é a expressão sentimental de uma necessidade de sagrado é pensar que, de facto, existe uma Nossa Senhora que está atrás das nuvens a olhar por nós e que existe um demónio a tentar-nos, para fazermos coisas más. Isso é superstição, ignorância e idolatria. No século XX, os pensadores acreditavam que iríamos afastar esses conceitos e impor outros como a liberdade, a tolerância e a equidade.

Perfil
“Sou professor, falo muito e, quando falo, o cérebro embala”

Miguel Real é o pseudónimo literário de Luís Martins. Nascido em 1953, este escritor, ensaísta e professor de filosofia adora explicar tudo ao mais ínfimo pormenor, dando exemplos que nos prendem a atenção e têm o condão de nos pôr a imaginar. “Sou professor, falo muito e, quando falo, parece que estou a dar uma aula. Isto cá no cérebro está programado e embala”, brinca. É autor de numerosas obras sobre Eduardo Lourenço ou António Vieira, é romancista e dramaturgo, tendo recebido o Prémio Revelação de Ficção da APE/IPLB, em 1979, com O Outro e o Mesmo. Em 2006, conquistou o Prémio Literário Fernando Namora com o romance A Voz da Terra. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Lisboa e é Mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo Lourenço. É actualmente colaborador do Jornal de Letras, Artes e Ideias onde faz crítica literária. Colaborou no programa de rádio Um Certo Olhar, da Antena 2, apresentado por Luís Caetano, com nomes como Maria João Seixas, Luísa Schmidt e Carla Hilário Quevedo.

Jacinto Silva Duro
REDACÇÃO Jacinto Silva Duro 

Paris uma vez | Maria Isabel Fidalgo

No centro do coração estava Paris
Paris das boulevards apetecíveis
em cada esquina, em cada rua, em cada centro
por acaso, no Centro Pompidou, foi bom
olhando ao acaso as acrobacias dos que por alí buscavam
o prazer do ócio parisiense em bancos de chão. 
Mas o melhor no centro foi o museu de cera animada
e Vitor Hugo à entrada, vivo de apetecer
Ah, les misérables!
e depois o Louvre e depois Montmartre
onde me entretive regalada
a ressuscitar
artistas e intelectuais libertários.
Ah! Dégas, Cézanne, Monet, Van Gogh, Renoir Toulouse-Lautrec .
Vi Paris pelos meus olhos
pelos meus olhos entrava a cidade princesa
faiscante de luz .
À noite, vi o Sena iluminado de vento
com um mortalha fria ao luar
e lembrei-me do poeta:
“Éramos vinte ou trinta nas margens do Sena.
E os olhos iam com as águas….”
Eu vi Paris no centro do coração com o coração a doer
o coração quase um rio
e os meus olhos iam com as águas.

Paris,1983

MERCADO NEGRO: Feira da ressignificação comemora 1 ano de OCUPA PRETO | Valdeck Almeida de Jesus

Em parceria com o SLAM da Quadra, o Ocupa Pret@, inicia seu projeto “Mercado Negro” – Feira da ressignificação, que busca dialogar com empreendedores negros e negras, por meio de uma feira multicultural, onde se debaterá estratégias de driblar o racismo e as diversas identidades.

O evento acontecerá na quadra do São Caetano, dia 25 de maio (quinta-feira), a partir das 14 horas, em Salvador-BA.

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A partir de uma nova forma de se fazer o discurso, através das diferentes narrativas, o Ocupa Pret@, busca trazer desfiles plus-size,oficinas, rodas de conversas e as artes, através de um sarau da quadra.

Segundo Ícaro Jorge, diretor do Ocupa Preto, a ideia surgiu a partir de uma pesquisa do Data Favela que diz que negros cada vez mais estão empreendendo. “Eu como empreendedor, militante e movimentador, não posso deixar de dizer que feiras como essas são formas de fazer o nosso dinheiro rodar entre os nossos.” disse.

Além disso, a feira da ressignificação, tem a perspectiva de comemorar 1 ano do Ocupa Preto que se iniciou em 20 de maio de 2016 e desde então vem fazendo diversos trabalhos, como os #OCUPAECONVERSAs, o Aulão de redação A favela Vive, o Luau Empretou e o canal do Youtube que é um sucesso, considerado influenciador pelo jornal A Tarde.

Atualmente, o Ocupa Preto é parceiro do cursinho pré vestibular pré ENEM Vilma Reis que busca, através de um quilombo educacional, dialogar sobre novas narrativas para a educação brasileira.

Subitamente | Maria Isabel Fidalgo

Estava virada para os teus olhos
não foi preciso pedires que ficasse dentro deles
já tinha caído antes de os ver
e sempre deixou de ser um advérbio
para ser este verbo na(morar) na soleira
do dia em que o a luz rompeu
subitamente
no bulício do sol e maresia.

DEDICATÓRIA | Soledade Martinho Costa

Que mais posso fazer por ti, agora
A não ser compor este poema
E dedicar-to?

 

Escrever estas palavras que me imponho
E queria fossem belas
Como o canto do vento
Nas searas breves?

 

Sim, eu sei
É tarde.

 

Tarde para estender para ti
O meu regaço
Materno de acudir ao teu cansaço
Feito da espera dos dias sem resposta.

 

Tarde de mais, eu sei
Para qualquer gesto.

 

Por isso
No silêncio que me trouxe
O ciciar amaro do teu nome
Em ti recuso a flor e o luto
O rito pelos mortos.

 

Tua lembrança
Em carne viva está e permanece

És tu, ainda
A chama
A força
O grito.

 

Obstinadamente
A voz que se não esquece.

 

Soledade Martinho Costa

CONHEÇO-TE | Soledade Martinho Costa

Apetecia-me dizer-te
Que penso em ti demasiadas vezes
Embora
Não as vezes necessárias.

 

A distância que nos separa
Deixou de ter qualquer significado;
Sempre que desejo
Corro a ver-te.

 

Conheço-te
Desconhecendo a cor dos teus olhos
Entendo as tuas palavras
Sem falar a tua fala
A tua angústia
Corre nas minhas veias
Os passos que escutas nos teus ouvidos
Soam atrás da minha porta.

 

A tua solidão
É a minha solidão inundada de Sol
No meio de risos
Os teus temores
Os meus temores nas alvoradas
Dos dias sem história
Os teus sonhos
Os meus sonhos sem freio
Esclarecidos.

 

As tuas chagas
Os teus gritos
A minha impotência
A minha ânsia
De poder dizer-te:
Estou contigo.

 

Sim, contigo
Olhando pela mesma janela
A mesma nesga de segredo
Contigo
A comer a mesma côdea de pão
Que mata a tua fome.

 

A dormir o mesmo receio
Nas horas que deslizam
Orladas de suor
Pela sujidade engordurada das paredes.

 

Contigo
A tecer as mesmas madrugadas prisioneiras
Abraçada ao mesmo destemor
E ao mesmo perigo.

 

Apetecia-me dizer-te
Que penso em ti demasiadas vezes
Embora
Não as vezes necessárias.


Soledade Martinho Costa

Tela: Luís Ralha

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Machado de Assis é maior que Dickens, Balzac e Eça de Queiroz | Antonio Maura

Antonio Maura  fará conferência no Egito para falar do brasileiro. Sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, ele diz que o autor ainda é ‘um grande desconhecido’.

Escritor e crítico espanhol, Antonio Maura acredita que Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), o grande gênio da literatura brasileira, não foi devidamente valorizado pela crítica e mereceria ser reconhecido como um dos melhores escritores do século XIX.

“Acho que Machado é um dos grandes nomes do século XIX. Não acredito que se compare nem a [Charles] Dickens, [Honoré de] Balzac, Eça de Queiroz ou ao nosso [Benito Pérez] Galdós. São grandes escritores, mas estão abaixo nos quesitos riqueza, crítica e análise da sociedade e versatilidade. Não chegam aos pés”, diz.

Sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, Maura está no Cairo para a conferência “El autor y sus máscaras: Una aproximación a Cervantes y Machado de Assis” (“O autor e suas máscaras: Uma aproximação de Cervantes e Machado de Assis)”, no Instituto Cervantes local.

Ele afirma que, fora de suas fronteiras, o escritor brasileiro “é um grande desconhecido”. Em sua opinião, até mesmo no Brasil os estudos sobre Machado de Assis “não refletiram bem” sua faceta de grande crítico do sistema de sua época e da escravidão.

Para Maura, o cronista e poeta teve que recorrer à ironia para falar “na surdina” de um tema que não podia ser encarado abertamente por ele ser neto de escravos.

Um exemplo disso é “Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881). De acordo com Maura, a verdadeira intenção do autor é “colocar o dedo na ferida” da sociedade e para isso se serve de uma sutil alegoria para denunciar que o morto é o próprio Brasil.

A escolha do nome do protagonista, que coincide com o início do nome do país, “não é à toa” para alguém tão “inteligente e cuidadoso com a linguagem” quanto era Machado de Assis. Para Maura, “a crítica brasileira foge” desta interpretação porque “não é fácil aceitar que seu país é um país morto ou esteve morto”.

O crítico espanhol defende que as obras que o romancista e dramaturgo escreveu depois de “Memórias póstumas”, como “Dom Casmurro” ou “Quincas Borba”, são dos livros “mais importantes de sua geração, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo”.

Segundo ele, alguns autores de língua espanhola, como Jorge Edwards, Julián Ríos e Carlos Fuentes, destacaram a importância de Machado de Assis, mas o mestre brasileiro ainda carece do merecido reconhecimento mundial.

Fonte: Agência EFE | O Globo

II Festival de Arte e Cultura do Sarau da Onça | Valdeck Almeida de Jesus

É isso mesmo. Começa hoje, 06 de maio de 2017, a partir das 19 horas, o II Festival de Arte e Cultura do Sarau da Onça, no CENPAH – Centro de Pastoral Afro Padre Heitor, localizado na Rua Albino Fernandes, 59-C, Novo Horizonte (Sussuarana), Salvado-BA.

O Festival foi contemplado edital de Literatura 2016 da Fundação Cultural do Estado da Bahia, patrocinado pela Secretaria da Fazenda, Secretaria de Cultura e Governo do Estado.

A festa não tem hora pra parar. Hoje (06/05) tem a abertura, mas o mês de maio está repleto de atividades: dia 13, lançamento do livro “O Diferencial da Favela: poesias e contos de quebrada”, com 50 poetas, resultado de concurso realizado pelo Sarau da Onça. Dia 20 de maio, o já tradicional Slam da Onça selecionará mais um campeão ou campeã da batalha de poemas. E dia 28 o mês de aniversário do coletivo é comemorado com uma verdadeira festa na qual vai ter poesia, dança, artes de todos os cantos, envolvendo o público, os poetas, vizinhança e quem mais desejar aparecer…

Mais informações:

Segundo o site oficial do coletivo, o grupo Sarau da Onça atua em Sussuarana (Novo Horizonte) há mais de seis (6) anos, nas dependências do Espaço CENPAH – Centro de Pastoral Afro – pertencente à Paróquia São Daniel Comboni. Vale salientar que o bairro se localiza numa região periférica de Salvador, onde os bens culturais nem sempre são acessíveis, devido à distância dos principais centros culturais, bem como pela baixa renda de seus moradores.

O Coletivo Sarau da Onça, nessa perspectiva, ocupa um lugar de importância ímpar, atraindo jovens e adolescentes para atividades culturais, o que lhes pode livrar de serem cooptados por atividades destrutivas à cidadania. O Sarau da Onça desempenha suas atividades com o apoio da CENPAH, cedendo o espaço físico e equipamentos de som etc. O grupo de jovens e adolescentes que organiza o evento o faz voluntariamente e sem recursos financeiros, buscando parcerias na comunidade onde mora e fora dela, sempre que possível. 

O coletivo Sarau da Onça atua, também, contribuindo em outras ações como Festival de Hip Hop na Onça, Seminário de Padre Heitor, Noite da Beleza Negra, Caminhada da Consciência Negra e Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra, todas as ações em Sussuarana, o que demonstra a sua importância na conscientização da juventude do bairro para os direitos humanos e atuação política cidadã.

As ricas manifestações artísticas dos jovens da comunidade de Sussuarana eram pouco conhecidas e valorizadas. O Sarau da Onça é fruto da iniciativa de jovens da comunidade de Sussuarana, que, insatisfeitos com a situação de violência vivida pelos jovens negros, pobres e periféricos, resolveram atuar como fortes aliados no resgate de valores e na construção de uma sociedade mais igualitária, através da música, dança, teatro e poesia. O Sarau é hoje um dos polos de maior quantidade de atividades ininterruptas de cultura e educação para os moradores do bairro e adjacências.

As ações do Sarau da Onça ocorrem quinzenalmente na comunidade de Sussuarana e integram uma rede de ações afirmativas, uma agenda cultural que, fundada nas questões sociais, promove um diálogo na cidade que integra jovens pertencentes a diferentes territórios, entretanto vivenciam experiências comuns na sua relação com a cidade. Realizado por Jovens do bairro de Sussuarana, o Sarau da Onça potencializa debates qualificados sobre as condições de vida dos jovens de periferia e de demais moradores, tendo na centralidade a poesia.

SERVIÇO

O quê: SARAU DA ONÇA – Lançamento do II Festival de Arte e Cultura

Quando: 06.05.2017, a partir das 19hs

Onde: Cenpah – Centro de Pastoral Afro. Rua Albino Fernandes 59-C, Novo Horizonte (Sussuarana) – Salvador-BA

Quanto: ENTRADA GRATUITA – Microfone Aberto

Informações: 71 99331-5781 (Sandro Sussuarana)

Fontes:

ITEIA

Difundir

Jornal do Brasil

Elegia de Amor| Maria Isabel Fidalgo

pediste-nos no leito da sombra
para rezar por ti. já mal falavas.
mas ainda rezaste baixinho
um padre nosso com as tuas filhas
na véspera de todos os adeuses.
eu rezo, mãe, mas só tenho a tua fé
e o terço tem as contas do nosso amor
que construímos com arrelias e beijos
durante muito tempo. mas rezo.
e cheia de graça me vens tu
e o teu rosto de maria da terra
e do meu céu onde a toda hora
te falo enquanto à noite deito as lágrimas
na travesseira para acudir à saudade que rói
e me agasta. estou aqui ao pé do teu dia
que tanto prezavas para te dizer
que abençoada és tu entre as mulheres
e se o teu fruto sou eu vindo de ti
seja eu a pálida latitude dos teus gestos.

Museu de Arte da Bahia | FELISQUIÉ em Salvador

Felisquié tem evento de divulgação no Museu de Arte da Bahia

Cidinha da Silva, Sandro Sussuarana, Domingos Ailton e convidados fazem palestras e sarau de poesia

Salvador recebe convidados em evento de divulgação da Festa Literária Internacional do Sertão de Jequié – Felisquié, no dia 06 de maio de 2017, com atividades das 14 às 18:30hs, no Museu de Arte da Bahia, na Avenida Sete de Setembro, 2440, Corredor da Vitória. O evento é gratuito e não há necessidade de inscrição prévia.

A Felisqué conta financiamento do Fundo Estadual de Cultura, através do Edital de Literatura da Funceb, Secretaria de Cultura e Estado da Bahia, e pretende ampliar as parcerias. O curador Domingos Ailton já procurou a Empresa e Editora Gráfica da Bahia, a Uesb, as secretarias municipais de Cultura e Turismo  e de Educação de Jequié, o Nucleo 22 de Educação, o Sesc e    nos próximos deve ter audiência com a direção da Bahiatursa, para que a ampla programação que está sendo planejada possa ser concretizada, o que deve atrair um grande número de pessoas para Jequié de diversas regiões da Bahia e do Brasil.

Confira a Programação do Lançamento da FELISQUIÉ em Salvador

14h – Abertura – A III Edição da Felisquié

Apresentação – Domingos Ailton – Escritor, jornalista, professor e curador da Felisquié

Mesa Redonda – Da literatura popular à literatura acadêmica

14h30 – “Literatura ficcional e consciência”

Palestrante – Maribel Barreto – Pós-doutorado em Consciência, Transdisciplinaridade e Educação pela Universidade Católica de Brasília/Brasil, e Criatividade e Educação e Doutora em Educação pela Universidade de Brasília/UNB/Brasil, membro da Academia de Letras de Jequié.

15h30 – “Aspectos culturais da crise brasileira atual”.

Palestrante – Luciano Santos – Professor de Filosofia credenciado no Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEDUC) da UNEB e Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

16h30 – “Cordel na Bahia: literatura popular multifacetada”.

Palestrante – Luciano Ferreira – Licenciado em Letras com Língua Espanhola (UEFS), especialista em Metodologia do ensino da língua espanhola (Uninter), especialista e mestre em Estudos Literários (UEFS).

17h30 – Mesa Redonda – “Vivencias e produções literárias”.

Palestrantes:

Cidinha da Silva  – Prosadora, dramaturga e doutoranda no Programa Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento da Universidade Federal da Bahia.

Sandro Sussuarana – Escritor, poeta, graduando em Serviço Social pela Faculdade Visconde de Cairu, é um dos organizadores do Sarau da Onça, Slam da Onça e Slam Deixa Acontecer, que acontecem em Sussuarana

18h30 – Sarau poético-musical com Fábio Haendel e convidadxs.

SERVIÇO

O quê: Lançamento da FELISQUIÉ em Salvador

Quando: 06 de maio de 2017, das 14 às 18:30hs

Onde: Museu de Arte da Bahia – Avenida Sete de Setembro, 2440 – Corredor da Vitória – Salvador-BA

Quanto: Gratuito, sem necessidade de prévia inscrição

Contatos: 71 99345 5255 (Valdeck), 71 99272 0745 (Ligia), 73 99116 7119

Ascom da Felisquié.

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Machado de Assis em Linguagem de Paulo Coelho | Silas Correa Leite

“Não se aprende a ler Machado de Assis lendo menos do que Machado de Assis”
Sidney Chalhoub – Professor da UNCAMP
Autor de ‘Machado de Assis Historiador’ (Companhia das Letras)

O Brasil é o pais da piada pronta, dá para acreditar nisso? O bom e velho (e saudoso) ‘síndico’ artista Tim Maia dizia que, lamentavelmente o nosso país era um lugar em que pobre era de direita, mulher de programa tinha prazer, cafetão tinha ciúme e traficante era viciado… Muito recentemente, o jornalista e livre pensador humorista Zé Simão, da Folha de São Paulo, vem dizendo que o nossa nação emergente no mundo, o Brasil, é agora também o país da piada pronta, pois querem derrubar um… ex-presidente… Pois é, o medo do Lula criou monstros e criticozinhos de ocasião, os rotulados Coxinhas-daslu, depois do Temer os coxinhas Hipoglós. Assim, poderia ser vergonhoso e trágico, se não fosse, por assim dizer, tragicômico, e vergonhoso mesmo, o país querer agora que o seu maior escritor, Machado de Assim, seja um Paulo Coelho da vida. Já pensou, que disparate, caras pálidas, um gênio até então, de repente, ser tachado de Machado Coelho, ou Paulo de Assis? Ninguém merece.
Por essas e outras, juro que não acreditei quando li que o nosso MEC-Ministério de Educação e Cultura agregou valores de altas verbas públicas para que um investimento de peso financeiro viesse a produzir lítero-editorialmente trezentos mil exemplares de uma “edição reformatada” (curto e grosso, prosa pra boi dormir) do grande livro “Alienista” de Machado de Assis, ideia, obra, de uma, ponhamos, escritora (escritora quem mesmo?) jovem e contemporânea. Não acredito. Sabe aquele mote de um engraçado burrinho popularesco da mídia de humor dizendo/repetindo “Não Acredito/Não Acredito?” Pois me senti assim… o próprio. Não se aprende a ler Machado de Assis lendo Paulo Coelho, lendo ou sendo apenas leitor de apenas Paulo Coelho… para dizer o mínimo…
Machado de Assis é o melhor escritor brasileiro de todos os tempos. A qualidade literária, a lucidez fora de série e o talento foram confirmados com o passar dos anos. Ler Machado de Assis é ter orgulho de ser brasileiro. De origem humilde, paulatinamente foi criando o seu magnífico mundo letral espetacular, fundou a Academia de Letras, marcou a arte lítero-cultural brasileiríssima com a sua essência de vida e também com o próprio registro magistral de sua época, de seu tempo, incluindo as agruras socioculturais do período. Escrevia como quem punha a alma do Brasil para madurar, dando testemunho de si nos despojos, registrando com sapiência em tantos livros importantes o seu valor, a sua cultura, fazendo com que, cem anos depois, ainda o estejamos estudando, tenhamos orgulho dele, pois nunca mais haverá outro como Machado de Assis, se assim podemos dizer, o Número Um. No Brasil é lido entusiasticamente como nunca, seus textos caem em provas e vestibulares oficiais de renome, jovens universitários de gabarito descobrem e estudam a sua maestria com as palavras, a construção dos quadros narrativos, o estilo todo peculiar e inconfundível. Fora do Brasil é tido como um gênio, a altura dos grandes nomes da literatura mundial, até mesmo muitas vezes sendo cobrado porque não teria sido indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Romances que passam a limpo as mudanças que vivia o Brasil; tons irônicos, enfoques humanitários, sempre recuperando situações nodais, moldando palavras e criticando os contrastes sociais de sua época e outras, império, escravatura, sociedade. Documentou, historiou, humorizou, decodificou o meio hipócrita e mostrou toda a sua verve e o depuro no oficio do qual era mestre. Técnica narrativa cativadora, surpreendente linguagem e abstração portentosa que fundava ali, a graceza cultural emergente no seu mais alto estilo e qualidade, revelando a tez chão de sua carreira até hoje inquestionável. A importância de Machado de Assis cem anos depois de sua morte é a própria prova de que ele foi muito além de seu tempo, apesar das agruras do que a vida lhe impôs, e que talvez por isso mesmo também em seu caráter fizeram-no forte, valorando sua ética como registro de um povo, de um tempo, de um lugar. Sem ele, a literatura brasileira não seria a mesma. A sua importância até hoje é o testemunho do que ele foi pioneiro na qualidade histórica de sua área, insubstituível e o próprio tempo, como juiz soberano o valora sobremaneira, colocando-o no patamar dos melhores do mundo. Marco histórico, portanto, Machado de Assis tornou-se referencial para autores que o sucederam no ramo literário, criou linhagem qualitativa, fez escola, é comparado e está acima de todos, sendo citado com probidade e garbo, servindo como acervo de pesquisas históricas acadêmicas até, pertinente ao seu momento literal (costumes, figurinos, crendices, visões do império, da escravatura, da abolição, da república), além de dar sustentação para teses sociológicas e ainda ser considerado o fundador do melhor quilate da arte narrativa brasileira. Quando queremos citar um cidadão humilde que brilhantemente venceu na vida com arrojo, o primeiro nome lembrado é Machado de Assis. A sua importância é que seus livros vendem, sua técnica narrativa densa atrai, os seus personagens cativam (como Capitu e Bentinho, por exemplo) e ainda, com profundidade, permite múltiplos entendimentos, fazendo-no um personagem de si mesmo, um mito, portanto.
Pois agora, acredite se quiser, a ideia de jerico, por assim dizer, desde logo contestando-a, nasceu depois que programa Ler é Fundamental, criado pela escritora Patrícia Engel Secco (quem mesmo?), aventou de querer romper a tal barreira que separa as pessoas do maior escritor brasileiro. Separa? “Muita gente nunca ouvir falar dele. O que é uma lástima. Esperamos que, com esse projeto, mas pessoas se disponham a ler o original”. Além de ser distribuído gratuitamente em versão impressa, é possível baixar a versão adaptada pela internet. Onde já se viu isso? Baixaria. Para matar o berne do boi vamos matar o boi? Sejamos lúcidos. Não atentemos contra o nosso maior patrimônio.
Para facilitar a leitura… ora, vejamos, teríamos que investir mais em educação, cultura, bibliotecas, meios de comunicação com nível superior, e não uma mídia abutre, não suplementos de cultura ter mais modismos ou link fashion do que arte propriamente dita. O Brasil tem mais igrejas, shoppings e farmácias do que tem bibliotecas públicas. Isso quer dizer alguma coisa? Tem mais novela chinfrim de baixarias anti-famílias do que investimento pesado de obras clássicas de nossa literatura no teatro, no cinema, na televisão. Tem mais canais de tevês propagando o ódio do que transparência e ética humanitária. É como querer que o leitor de língua inglesa compreenda Shakespeare a partir de resumos popularescos e água-com-açúcar de sua grande obra. Já pensou? O bruxo do Cosme Velho, certamente que regurgita no túmulo. Onde já se viu isso, tem cabimento? Melhor estar morto do que saber uma asneira historial dessas. Memórias Póstumas de Machado de Assis a parte…
Pois, alegam, os que não têm nada para fazer/pensar,  que a linguagem é antiga, desusada (linguagem culta) etc. e tal, as desculpas do arco da velha. Ora, se mal ou bem comparando, Jose Saramago é, no melhor estilo e do nível de Machado de Assis, sendo culto e denso, por assim dizer, e compreendido, valorado e atual, Nobel, porque seria diferente com o autor de O Alienista, Dom Casmurro, etc? Foi a mesma historia quando começaram a fazer historias em quadrinhos ilustrando textos consagrados e historiais de clássicos brasileiros, a imagem que o autor criava em sua cabeça, de acordo com a sua cultura, tendo em vista os textos subjetivos dos autores ilustrados, e não funcionou a tal ótima ideia, porque na pratica não casou o texto com a narrativa, com as belas imagens, não chegou, o projeto, portanto, a levar mais gente a ler nossos clássicos, de Jose de Alencar a Machado de Assis mesmo, em suas contações.
Por essas e outras, querer que o leitor seja cativado para admirar, ler e gostar de Machado de Assis, a partir de linguagem comum adaptada ao modo de dizer atual, estilo “paulocoelhando”, é um chiste, é chulo, de mau gosto, um abuso, inadmissível, quase um inderoco público. Claro, se não podemos fazer Paulo Coelho ser de alto nível litero-cultural como Machado de Assis, vamos criar fieis leitores de Sidney Shelton e olhe lá. Mas Machado de Assis no estilo de Paulo Coelho é uma vergonha, um acinte. Vou sistematicamente criticar o MEC e protestar contra o alienado (ou, no caso, a alienada) que quer adaptar o Alienista. Vão ler Shapeskeare adaptado ao estilo Sidney Shelton? Pois é. “’Entendo por que os jovens não gostam de Machado de Assis’, diz a escritora Patrícia Secco. ‘Os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso.’ Você acredita no que está lendo, isso? Não acredito… não acredito… não acredito…
Rildo Polycarpo Oliveira no Facebook diz: “É preciso lembrar que um texto literário não se reduz à sua forma e que o todo que apenas metodologicamente discernimos como forma e conteúdo não é dissociável, de modo que transgredir a forma é no melhor dos casos criar uma outra obra, mas nesse caso implica numa adulteração, numa falsificação. Desde onde vejo, não vale muito a intenção de dar um feitio atual e juvenil à obra de Machado, porque é antes importante que os leitores se liberem do fetiche do presente, até mesmo do fetiche da própria juventude.”
Lendo e comparando Machado de Assis e José Saramago, obras datadas, de alto nível, entre as melhores do mundo, de todos os tempos, medidas as proporções, ainda estão no mais alto conceito litero-cultural e que o leitor que, se quer se inteirar, se quer sabê-los, que leia devagar, aos poucos, curtindo, pesquisando palavras, consultando dicionários se for o caso, aprendendo, evoluindo, pensando, crescendo, tentando paulatinamente entrar de cabeça na obra e estilo de um e de outro, não querendo papagaiar uma linguagem boba e jeca para destronar nossos melhores autores, mitos, que não são meros best-sellers.  Regras do mercado? Machado de Assis mutilado? Tentativa de tornar infanto-juvenil o nosso maior escritor? O país da piada pronta poderia muito bem passar sem essa. Agora sim, temos motivo e razão para irmos para a rua passatear contra essa barbaridade. “Fora Machado de Assim Adaptado Para os subcretinos, os Sem Cérebro!”
Silas Correa Leite – Escritor, Professor, Jornalista Comunitário, Pós-graduado em Literatura na Comunicação, ECA-USP)
Contatos: E-mail: poesilas@terra.com.br
Blog premiado: www.portas-lapsos.zip.net
Autor de GOTO, A Lenda do Reino do Barqueiro Noturno do Rio Itararé, Editorawww.clubedeautores.com.br

Poetas de 30: a geração dourada | Adelto Gonçalves

I

 

Contista e cronista, o mineiro Joanyr de Oliveira (1933-2009) destacou-se principalmente como poeta, deixando obras em que se constatam não só um estilo apurado como o domínio das técnicas da poesia, que, como se sabe, não é feita apenas de emoção. Outra atividade em que se destacou numa carreira literária que passou além da marca de meio século foi a de antologista: foram oito as coletâneas que organizou, das quais pelo menos seis reúnem poemas dedicados a sua cidade de adoção afetiva, Brasília. Para homenagear a sua geração, organizou Poetas dos Anos 30 (Brasília, Thesaurus Editora, 2016), que sai agora em edição póstuma por empenho da Associação Nacional de Escritores (ANE), entidade da qual Joanyr de Oliveira foi presidente de 2007 a 2009.

Se não chegou a reunir a totalidade dos poetas nascidos no Brasil na década de 1930, pelo menos chegou perto, ao juntar seis dezenas entre aqueles que mais se destacaram. É claro que uma antologia invariavelmente deixa algum nome importante de fora, até porque a seleção depende também da aquiescência do próprio poeta ou de familiares (no caso daqueles que já se foram).

De antemão, como o próprio organizador reconheceu, constata-se a falta de alguns nomes de peso como o paulista Mário Chamie (1933-2011), o pernambucano Sebastião Uchoa Leite (1935-2003), a carioca Lélia Coelho Frota (1938-2010), a mineira Adélia Prado (1935) e o maranhense José Sarney (1930), cuja carreira política acabou por ofuscar a sua própria obra literária.

Como Joanyr de Oliveira deixou claro na introdução, nunca houve por parte do organizador a pretensão de constituir uma antologia perfeita. Até porque seria tarefa impossível. Mas, seja como for, há nomes de todas as regiões do Brasil. E, se não discriminamos aqui os 60 escolhidos, é por falta de espaço. Mas não se pode deixar de citar alguns, como Olga Savary (1933) e Astrid Cabral (1936), da região Norte; Ferreira Gullar (1930-2016), Cyro de Mattos (1939), Everaldo Moreira Veras (1937-2011) e Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935), do Nordeste; os irmãos Gilberto Mendonça Teles (1931) e José Mendonça Teles (1936) e Miguel Jorge (1933), do Centro-Oeste; Affonso Romano de Sant´Anna (1937), Alberto da Costa e Silva (1931), Anderson Braga Horta (1934), Fernando Py (1935), Guido Bilharinho (1938), Hilda Hist (1930-2004), Ivan Junqueira (1934-2014), José Jeronymo Rivera (1933), Paschoal Motta (1936), Maria José de Queiroz (1934) e Marly de Oliveira (1935-2007), do Sudeste; e Carlos Nejar (1939), Maria Carpi (1939) e Walmir Ayala (1933-1991), do Sul.                                                                                                          II

Uma das vozes mais representativas dessa geração é, sem dúvida, Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal, Colômbia e Paraguai e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), que faz parte da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo jornalista e poeta José Nêumanne Pinto (São Paulo, Editora Italo Moriconi, 2001), e de outras tantas antologias de poesia brasileira publicadas em Portugal, Estados Unidos, Uruguai, Alemanha, Espanha (Galiza) e Itália. Eis os trechos iniciais e finais do poema “O amor aos sessenta”, que integra a coletânea de Joanyr de Oliveira:

Isto que é o amor (como se o amor não fosse

            esperar o relâmpago clarear o degredo):

            ir-se por tempo abaixo como grama em colina,

            preso a cada torrão de minuto e desejo.

 

            (…) Ser assim quase eterno como o sonho e a roda

            que se fecha no espaço deste sol às estrelas

 

            e amar-te, sabendo que a velhice descobre

            a mais bela beleza no teu rosto de jovem.

Outro poeta dessa geração dourada é Anderson Braga Horta, que tem poemas em mais de 70 antologias organizadas no Brasil e no exterior. Um dos poemas recolhidos na antologia é “Sétima sinfonia”, dedicado a Joanyr de Oliveira, em que o poeta diz:

(…) Um deus que se refaz ou que se perde e

reencontra-se em relâmpagos.

            Brandura e crispação, renúncia e glória.

            Sol cortado por lâmina de pedra.

 

            Deus recolhe os fragmentos de si mesmo.

III

Naturalmente, uma antologia de poetas da geração de 30 não podia deixar de trazer versos de Ivan Junqueira, também crítico literário, tradutor, ensaísta e ex-membro da ABL, autor de ensaios memoráveis sobre as obras de Manuel Bandeira (1886-1968) e José Lins do Rego (1901-1957). De Junqueira, são estes versos (“De onde me vem, amor…”):

(…) De onde é que aflora, tão fugaz e impressentida,

            essa lembrança que de ti vou avivando

            e que, sem que o descubra nem por que nem quando,

            sabe-me ao texto de uma página já lida? (…)

Tampouco poderia ficar de fora Carlos Nejar, também ensaísta, tradutor e membro da ABL, além de romancista inventivo e reconhecido como o poeta da “condição humana” pelo crítico português Jacinto do Prado Coelho (1920-1984), como assinalou Joanyr de Oliveira. De Nejar está incluído na antologia o poema “O exílio”:

O exílio não é o longe,

            mas o cerco.

 

            O exílio, campo exposto,

            onde pasta  o pensamento,

            boi que trabalho no amanho.

 

            O exílio é um deus amargo.

Entre as poetas, destaca-se a manauara Astrid Cabral, também contista, ensaísta e tradutora, que se destacou como professora de Literatura Brasileira na Universidade de Brasília (UnB), onde integrou a primeira turma de docentes. De Astrid, Joanyr de Oliveira recolheu, entre outros poemas, “Sendas de rugas”, que segue abaixo:

A insônia e o sono

            habitam o rosto dessas mulheres

            de sorrisos maculados de metais.

            Elas caminham para a morte

            pelas sendas de suas rugas

            e cobrem os seios lassos

            não de tecidos grossos

            mas de restos de sonhos.

            Da memória de outros dias

            elas se nutrem e não

            das carnes que temperam

            com cebolas.

Obviamente, os cinco poetas dos quais foram recolhidos poemas (e excertos de poemas) para esta resenha não ficam em qualidade acima dos outros 55 que constam da coletânea de Joanyr de Oliveira, mas, com certeza, estão entre os melhores do Brasil, um país dotado de infindável número de poetas, e servem, portanto, não só como lídimos representantes da geração de 30 como para atrair o distraído leitor para que se interesse por conhecê-los bem como os demais.

IV

O organizador Joanyr de Oliveira nasceu em Aimorés-MG e desde cedo militou na literatura e no jornalismo. Publicou seus primeiros versos em 1945 no Jornal do Povo, de Belo Horizonte. Com a transferência da família para Vitória-ES em 1949, começou a publicar artigos sobre folclore e literatura na imprensa local. Chegou a Brasília em 1960, depois de aprovado em concurso público para revisor do Departamento de Imprensa Nacional. Manteve colunas literárias no DC-Brasília (edição brasiliense do extinto Diário Carioca) e no Correio Braziliense.

Cursou Direito na Universidade do Distrito Federal (UDF) e deixou inconcluso o curso de Letras na UnB. Em 1963, ingressou na Câmara dos Deputados por concurso e aposentou-se em 1988, quando se transferiu para os Estados Unidos. Voltou a Brasília em 1994, cidade em que se destacou como diretor de várias entidades culturais. Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia e participou de antologias publicadas no Brasil, Portugal, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Espanha, França, Índia e Itália. Foi pastor evangélico e organizou a Antologia da nova poesia evangélica (Rio de Janeiro, CPAD, 1978). De Joanyr de Oliveira, Poetas do Anos 30 traz o poema “O poeta não veio para responder” que tem este gran finale:

(…) O poeta se oculta (e se revela)

            no cerne dos entes e das coisas.

            Seu domicílio é o inefável, o inviolado silêncio.

            (Seus lábios pertencem aos deuses).

 

            O poeta não veio para responder.

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Poetas dos anos 30, de Joanyr de Oliveira (organizador). Brasília: Thesaurus Editora/Associação Nacional de Escritores (ANE), 380 págs., 2016. E-mail: editor@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Albano Martins: circunlóquios | Adelto Gonçalves

I

Que poesia não se faz apenas com emoção é verdade incontestável, ainda que haja alguns poetas que se dizem populares e desconheçam regras básicas da modalidade e, ainda assim, apresentam razoáveis qualidades. Mas, historicamente, todo grande poeta é também um bom teórico, estudioso das diversas formas do poema e conhecedor da métrica. É o caso do poeta português Albano Martins, professor, crítico, ensaísta, ficcionista e tradutor, que carrega mais de 66 anos de produção intensa – são 33 livros de poesia, cinco de prosa, alguns de literatura infanto-juvenil e de labor acadêmico, entre outros.

Obviamente, de sua produção, constavam muitos textos dispersos publicados em jornais e revistas – algumas de duração efêmera – e outros ainda inéditos, pois apenas lidos por ocasião de homenagens a autores ou durante colóquios ou encontros acadêmicos. Essa lacuna vem sendo preenchida com a publicação de Circunlóquios, série de volumes que procura arquivar esses textos que se achavam “perdidos” ou à mão apenas de quem se dispusesse a procurá-los nos arquivos públicos.

II

 Circunlóquios III (Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2016), na linha dos dois volumes anteriores, reúne alguns desses textos de vária índole entre o ensaio e a crônica, além de recuperar quatro entrevistas em que o autor discorre sobre a sua concepção do mundo, da vida, da arte e da literatura. Recupera ainda prefácios e textos de colaboração em volumes e catálogos e uma breve autobiografia publicada nos finais da primeira década de 2000, além de quatro textos de homenagem a poetas e estudiosos: Cruzeiro Seixas, António Ramos Rosa (1924-2013), Raul de Carvalho (1920-1984) e o professor brasileiro Leodegário de Azevedo Filho (1927-2011).

Se circunlóquio constitui figura de linguagem que abriga um discurso pouco direto, em que o escritor vai demasiadamente além do que pode ser dito em poucas palavras, essa pretensa verborragia é mais do que justificada no caso de Albano Martins, tal a grandeza das imagens a que recorre para encontrar a definição perfeita. É o que se pode constatar no discurso que escreveu para agradecer a homenagem que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia lhe prestou pela passagem de seus 65 anos de escrita e 46 de ininterrupta permanência em território gaiense.

Nesse discurso, o poeta diz que “a língua portuguesa nasceu molhada: pelo sangue derramado nas campanhas da reconquista, primeiro; pela água dos mares vencidos pelas quilhas das naus das descobertas, depois; mas também pela água das nascentes – a água pura da “fontana fria” de que fala uma bonita cantiga de amigo de Pero Meogo que ecoa até hoje na nossa memória e permanece no nosso imaginário poético, quer dizer, no nosso tradicional e coletivo vocabulário lírico”. Por aqui se vê que o Albano Martins prosista nada fica a dever ao Albano Martins poeta.

III

Nascido em 1930 na aldeia do Telhado, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco, na província da Beira Baixa, em Portugal, Albano Martins foi professor do ensino secundário de 1956 a 1976 e é licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exercendo desde 1994 funções docentes na Universidade Fernando Pessoa, do Porto, de onde se aposentou depois de 18 anos de trabalho. De 1980 a 1993, foi funcionário da Inspeção-Geral do Ensino. Foi colaborador (e secretário anônimo) da revista Árvore (1951-1953). É colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto.

É autor de 33 livros de poesia, desde que em 1950 estreou com Secura Verde, que recebeu segunda edição em 2000. São tantos os livros que seus títulos ocupam quatro páginas. Basta ver que sua vasta obra foi três vezes reunida em volume, a primeira com o título Vocação do Silêncio (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990), com prefácio de Eduardo Lourenço; a segunda em Assim São as Algas (Porto, Campo das Letras, 2000); e a terceira em As Escarpas do Dia (Porto, Edições Afrontamento, 2010), com prefácio de Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Seus poemas estão traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, catalão, chinês (cantonense) e japonês.

De prosa, foram cinco livros, dos quais se destacam aqueles dedicados ao estudo das obras de Raul Brandão (1867-1930) e Cesário Verde (1855-1886). Além de quatro livros na área da literatura infanto-juvenil, organizou outros sete, inclusive antologias dos poetas Eugénio de Castro (1869-1944) e Lêdo Ivo (1924-2012).

Nas traduções, está o seu trabalho mais intenso, com 24 livros publicados. É tradutor de poetas latinos, gregos do período clássico, espanhóis, italianos e sul-americanos. Entre eles, salientam-se Giacomo Leopardi (1798-1837), Rafael Alberti (1902-1999), Nicolás Guillén (1902-1989), Roberto Juarroz (1925-1995) e Pablo Neruda (1904-1973). A tradução de Canto General, de Neruda, valeu-lhe, em 1999, o Grande Prêmio de Tradução APT/Pen Clube Português. Por sua tradução de sete obras de Neruda, recebeu do governo chileno a Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral, no grau de grande oficial. Em 10 de junho de 2008, o presidente da República Portuguesa também o condecorou com a Ordem do Infante D. Henrique, no grau de grande oficial.

No Brasil, o poeta aparece na Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea (Rio de Janeiro, Lacerda, 1999), organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno. Tem uma Antologia Poética (São Paulo, Unimarco, 2000), com prefácio de Carlos Alberto Vecchi e organizada por Álvaro Cardoso Gomes, autor também da antologia Ofício e Morada (Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2011).

Gomes é autor de dois livros consagrados ao estudo de sua poesia – um deles, A Melodia do Silêncio: subsídios para o estudo da poesia de Albano Martins (Lisboa, Editora Quasi, 2005), e o outro, mais recente, A Poesia como Pintura: a ékphrasis em Albano Martins (Cotia-SP, Ateliê Editorial, 2016). Os professores brasileiros Massaud Moisés, Nelly Novaes Coelho, Maria Lúcia Lepecki (1940-2011) e Leodegário A. de Azevedo Filho já lhe dedicaram aprofundados estudos.

Também não são poucas as dissertações de mestrado ou teses de doutoramento que lhe têm sido dedicadas no Brasil. Em maio de 2016, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a professora Sonia Maria de Araújo Cintra defendeu a tese de doutoramento “Paisagens Poéticas na Lírica de Albano Martins: Natureza, Amor, Arte”. Em 1996, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, Accacio José Pinto de Freitas apresentou dissertação de mestrado sobre a sua obra. Em 2000, o poeta recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade São Marcos, de São Paulo.

Já a professora Gumercinda Gonda dedicou 40 páginas de sua tese de doutoramento defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2006, à obra de Albano Martins. E Jorge Valentim publicou A Quintessência Musical da Poesia: Rodomel Rododentro, um poema sinfônico de Albano Martins (Porto, Campo das Letras, 2007), tese de doutoramento também defendida na UFRJ.

A obra de Albano Martins tem merecido a atenção de alguns dos mais importantes críticos e ensaístas contemporâneos portugueses como António Cândido Franco, António Ramos Rosa, Eduardo Lourenço, Eduardo Prado Coelho (1944-2007), Fernando Guimarães, Fernando J. B. Martinho, Fernando Pinto do Amaral, Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Luís Adriano Carlos, Joana Matos Frias e José Fernando Castro Branco. Sobre a obra do poeta, Luís Adriano Carlos escreveu O Arco-íris da Poesia (Porto, Campo das Letras, 2002). Já Castro Branco escreveu a tese de mestrado Estética do Sensível em Albano Martins, apresentada à Universidade do Porto, publicada em edição do autor em 2003.

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Circunlóquios III, de Albano Martins. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 151 págs., 2016. Site: www.ufp.pt

E-mail: edições@ufp.edu.pt

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br