REDENÇÂO – Folhetim em Dez Episódios da autoria de Carlos Pessoa Rosa. – Terceiro Episódio

O quarto arranjado como sempre apreciou. Exigência desde o primeiro dia de trabalho. A cama de casal refletida nos espelhos que ela mesma mandara colocar nas paredes. Sobre o lençol branco, uma colcha de renda feita a mão. Luz, somente a indireta e lilás. Batom vermelho. Deitava com roupa transparente sobre o branco nácar e entregava-se ao cliente. Para ela, a nudez e a luz deviam oferecer a névoa mística dos ciganos. Excitava os homens, tornava-os mais bondosos. Algumas vezes, a inspiração associada à dose certa de uísque rendia-lhe algum diamante.

 

Mas agora… A rua empoçada pelas falhas no leito de pedra. Cachorros cheios de pestes e carcomidos pela fome vagam à procura de alimento nos lamaçais onde barro, merda e restos de alimento confundem-se. Bichos, homens e lixo vagueiam na miséria. Multiplicam-se a cada ano. Compartilham a doença, a leishmaniose e o piolho. Cidade-luz transformada em cidade velha. A prostituição, fruto de necessidade, não de vocação, que há de se ter sentido também para ser mulher da vida. Famílias negociam as filhas adolescentes nas ruas a preço de ferro. Nunca a concorrência foi tão acirrada. E o Grande Hotel, antes referência pelas festas e jogo, transformado em uma pocilga de curta permanência, um cortiço a alguns reais a hora. Conseguiu manter o quarto particular, pelo menos o que resta dele, com rachaduras nas paredes e banheira, os lençóis amarelentos.

 

 

 

(continua)