Alma Benfiquista, de Pedro Guerra

Em 2002, o Sport Lisboa e Benfica conhecia uma nova fase da sua história. À Luz chegava um homem que mudou, para sempre e de forma inegável, os destinos do maior clube português: Luís Filipe Vieira. Ao fim de 14 anos, o Benfica tornou-se uma referência no mundo desportivo. O império benfiquista cresceu e as provas disso são o nascimento da Benfica TV, as contratações de jogadores de dimensão internacional, a criação daquela que já é considerada a Melhor Academia do Mundo e os contratos milionários com patrocinadores.

Este livro leva-nos aos bastidores de uma gestão de excelência, que não se cinge ao futebol e que não esquece os adeptos, os sócios, as Casas do Benfica, onde todos trabalham para um clube maior.

Pedro Guerra revela os pormenores da saída polémica de Jorge Jesus e a consequente contratação de Rui Vitória; e termina lembrando os episódios mais controversos dos confrontos semanais, na televisão, com os adeptos dos outros dois clubes, Sporting e FC Porto.

Nota de Imprensa da Oficina do Livro

AlmaBenfiquista

2084 – O Fim do Mundo, de Boualem Sansal

Um romance-fábula aterrador, inspirado em 1984, de George Orwell, sobre o estabelecimento de uma ditadura religiosa de raiz muçulmana.

A globalização do Islamismo vai conduzi-lo ao poder em todo o mundo dentro de 50 anos, a começar pela Europa – é a previsão do escritor argelino Boualem Sansal neste romance aterrador.

A ditradura religiosa assenta num imenso império, o Abistão, que deriva do nome do profeta Abi, representante de deus na Terra.

O seu sistema de vida baseia-se na amnésia – e na submissão a esse deus único, cruel e poderoso. Todo o pensamento pessoal foi banido; um sistema de vigilância omnipresente permite às autoridades conhecer as ideias e os «atos desviantes». Oficialmente, o povo vive na maior das felicidades proporcionada por uma fé religiosa inquestionável. Até que, em guetos desconhecidos, às escondidas do poder das autoridades religiosas, a resistência se inicia.

Boualem Sansal constrói uma distopia violenta e macabra, que se filia diretamente em George Orwell e no seu 1984, para abordar o poder, o alcance e a hipocrisia do radicalismo religioso muçulmano que ameaça as nossas democracias.

A família de Boualem Sansal vem do Rif, a região ao sul de Marrocos que faz fronteira com a Argélia. É uma história de combates, abandono e fuga – os povos do Rif lutaram contra os espanhóis, depois contra os franceses e, finalmente, contra o rei de Marrocos depois da independência do país. Boualem Sansal nasceu em 1949, na Argélia, na proximidade das montanhas Ouarsenis (em berbere, «nada mais alto»).

Formado em engenharia e doutorado em economia, foi demitido de todos os cargos públicos devido aos seus textos e às suas opiniões contra a islamização crescente da Argélia. O seu romance, Le Serment des Barbares, recebeu o prémio do Primeiro Romance e o prémio Tropiques. Os seus livros têm sido censurados e o autor ameaçado; apesar dos perigos, divide o seu tempo entre a Argélia e Paris. Foi já galardoado com o Prémio da Paz (dos livreiros alemães), o Prémio do Romance Árabe, o Grande Prémio da Francofonia, o da Renaissance Française, o RTL-Lire – ou o Grande Prémio da Academia Francesa, em 2015, por este romance.

Nota de Imprensa Quetzal

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Remédios Literários – Ella Berthoud & Susan Elderkin

Está de cama com gripe? Tem falhas de memória? Acha que sofre de reumatismo? É hipertenso? Tem falta de sono? O seu amor não é correspondido? Sofre de depressão? A sua identidade está em crise? Acusa dependência da internet? Sente que está a perder o apetite sexual? Corre risco de diabetes? Está a ficar antissocial?

Para este livro, o remédio está na leitura dos grandes romances que imortalizaram autores como Saul Bellow ou Stefan Zweig, passando por Goethe, Tolstoi, Kafka, José Saramago, García Márquez, Isabel Allende, David Foster Wallace, J.D. Salinger, Jane Austen, Melville, Nabokov, Virginia Woolf, Eça de Queirós, Flaubert, Murakami, Vargas Llosa e muitos outros. A biblioterapia que aqui se propõe baseia-se na experiência das autoras com os seus pacientes — e é apoiada por provas empíricas.

Para cada crise, doença, situação de sofrimento físico ou de comoção espiritual, há um livro indicado que pode servir de cura. Os romances recomendados neste livro têm o poder de curar e ser fonte de alívio de todos os males.

Inclui um vasto número de listas que vai entusiasmar qualquer leitor ou amante de livros: os melhores romances para abafar o ressonar, diminuir a tensão arterial, ler na casa de banho, combater os pesadelos, ler no comboio ou durante a gravidez, superar um divórcio, etc. — incluindo uma lista dos melhores romances «para parecer um bom leitor».

Ella Berthoud e Susan Elderkin conheceram-se quando eram estudantes de Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge, altura em que – sempre que uma delas precisava de ajuda ou atravessava um período conturbado na sua vida – começaram a prescrever-se mutuamente romances. Ella seguiu Belas-Artes e tornou-se pintora e professora, enquanto mantinha a sua terapia intravenosa de literatura, através da leitura constante de livros. Susan tornou-se romancista e, em 2003, integrou a lista dos vinte melhores jovens romancistas britânicos da revista Granta. Ensina escrita criativa, escreve peças de literatura de viagem e recensões de livros para vários jornais. Em 2008, montaram um serviço de biblioterapia na School of Life (em Londres) e, desde então, têm vindo a prescrever livros – virtual e presencialmente – a pacientes de todo o mundo.

Nota de Imprensa da Quetzal

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O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, de Ransom Riggs

Foi a partir de uma coleção pessoal de fotografias vintage que Ransom Riggs partiu para a criação do surpreendente best-seller O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, que no início do outono chegará às salas de cinema portuguesas. O génio criativo Tim Burton, conhecido pelo seu estilo de fantasia gótica, assina a realização.

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares é o romance de estreia de Ransom Riggs e vendeu mais de 2 milhões de exemplares nos EUA, esteve um ano no top 10 do New York Times. Este é o primeiro livro de uma trilogia, sendo que a Bertrand Editora já publicou o segundo volume, Cidade sem Alma.

Personagens únicas e peculiares, que combinam entre si uma relação tipo herói e anti-herói, com o jovem Jacob Portman, de dezasseis anos, no papel principal. Uma história com um enredo original, contada na primeira pessoa através da voz e olhar de um adolescente que perde o avô, um exímio contador de histórias.

Todo o livro é acompanhado de fotografias de crianças peculiares, que conferem ainda mais realismo à história.

Sinopse
Uma ilha misteriosa.
Uma Casa abandonada.
Uma estranha coleção de fotografias peculiares.
Uma terrível tragédia familiar leva Jacob, um jovem de dezasseis anos, a uma ilha remota na costa do País de Gales, onde encontra as ruínas do lar para crianças peculiares, criado pela senhora Peregrine.
Ao explorar os quartos e corredores abandonados, apercebe-se de que as crianças do lar eram mais do que apenas peculiares; podiam também ser perigosas. É possível que tivessem sido mantidas enclausuradas numa ilha quase deserta por um bom motivo. E, por incrível que pareça, podem ainda estar vivas…
Um romance arrepiante, ilustrado com fantasmagóricas fotografias vintage, que fará as delícias de adultos, jovens e todos aqueles que apreciam o suspense.

Sobre o autor
Ransom Riggs cresceu na Florida, mas atualmente vive na terra das crianças peculiares – Los Angeles. Realizador de várias curtas-metragens premiadas, os seus artigos e ensaios sobre viagens, Strange Geographies, podem ser lidos em www.ransomriggs.com. Este é o seu primeiro romance.

Nota de Imprensa da Bertrand Editora

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Todos os Escritores do Mundo Têm a Cabeça Cheia de Piolhos, de José Luís Peixoto

Que comichão permanente é esta na cabeça de todos os escritores do mundo? Nenhum champô anti-piolhos consegue acalmá-la. Esse mal generalizado faz notícia nas primeiras páginas dos jornais e intriga os leitores deste e de todos os livros que existem.

José Luís Peixoto regressa à literatura para os mais jovens com uma obra de divertido surrealismo, uma parábola moderna sobre o texto, a leitura, os livros – e aqueles que os escrevem. Com ilustrações de Rita Correia.

Fonte: Quetzal.

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Valério Romão na Casa da Cultura – Setúbal

A Casa da Cultura recebe Valério Romão, na próxima sexta-feira, dia 6 de maio. Com o escritor vai estar à conversa Luís Gouveia Monteiro. Valério tem vindo a espevitar a curiosidade de leitores por esse mundo fora. Agora vai estar em Setúbal. Uma dupla de luxo que nos proporcionará um luxuoso serão antes de entrarmos no fim-de-semana. Apontem aí. Momentos destes não são para perder.
www.blogoperatorio.blogspot.com

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dia da mãe‏ | maria isabel fidalgo

as mães têm braços enormes. cantam para aclarar os sonhos. às vezes escutam vigilantes a respiração do silêncio nas noites solitárias.
acalmam o escuro. quando partem ficam sempre à superfície das candeias, brancas como lírios. rejuvenescem. regressam imaculadas e semeiam música. são jovens como a lua atenta ao corpo das raparigas. o resto está escondido no pó.

maria isabel fidalgo

Jacinta – A Profecia, de Manuel Arouca

Jacinta tem sete anos, é pastora como o irmão, Francisco, e a prima Lúcia. Dos três, é a mais nova, a mais irrequieta, a mais feliz, doce e também caprichosa. Dança para alegrar os dias, os dela e os dos que a rodeiam. Entre o forte caráter e a alegria contagiante, esconde-se uma força maior do que ela. Mas que ainda é segredo.

Naquele dia 13, ao sair para o pastoreio, como era habitual, a criança estava longe de saber o que iria acontecer. Ali, na Cova da Iria, onde tantas vezes brincava, vê, pela primeira vez, Nossa Senhora. A vida desta criança será, a partir daquele momento, diferente, tocada pelo transcendente. A menina dos olhos doces vê os seus sentidos apurarem, sente que aquela senhora, tão bonita, lhe vai mostrar um novo caminho.

Jacinta Marto ofereceu o seu sofrimento pela salvação dos pecadores e deixou-nos um exemplo de bondade, humildade e amor. Manuel Arouca reconstrói esta história, de uma forma profundamente humana, para que nunca nos esqueçamos disso.

Nota de Imprensa da Oficina do Livro

Jacinta

Umberto Eco |14 lições para identificar o neofascismo e o fascismo eterno

Intelectual italiano, romancista e filósofo, autor de “O pêndulo de Foucault” e “O Nome da Rosa” morreu em 19 de fevereiro, aos 84 anos; ‘O fascismo eterno ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis’, diz Eco

A Revista Samuel reproduz o texto de Umberto Eco Ur-Fascismo, produzido originalmente para uma conferência proferida na Universidade Columbia, em abril de 1995, numa celebração da liberação da Europa:

‘O Fascismo Eterno’

Em 1942, com a idade de dez anos, ganhei o prêmio nos Ludi Juveniles (um concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos — o que vale dizer, para todos os jovens italianos). Tinha trabalhado com virtuosismo retórico sobre o tema: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?” Minha resposta foi afirmativa. Eu era um garoto esperto.

Depois, em 1943, descobri o significado da palavra “liberdade”. Contarei esta história no fim do meu discurso. Naquele momento, “liberdade” ainda não significava “libertação”.

Passei dois dos meus primeiros anos entre SS, fascistas e resistentes, que disparavam uns nos outros, e aprendi a esquivar-me das balas. Não foi mal exercício.

Em abril de 1945, a Resistência tomou Milão. Dois dias depois os resistentes chegaram à pequena cidade em que eu vivia. Foi um momento de alegria. A praça principal estava cheia de gente que cantava e desfraldava bandeirolas, invocando Mimo, o líder a resistência na área, em alto brado. Mimo, ex-suboficial dos carabinieri, envolveu-se com os partidários do marechal Badoglio e perdeu uma perna nos primeiros confrontos. Apareceu no balcão da Prefeitura, apoiado em muletas, pálido; tentou acalmar a multidão com uma mão. Eu estava ali esperando seu discurso, já que toda a minha infância tinha sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini, cujos passos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falo com voz rouca, quase não se ouvia. Disse: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos… aqui estamos. Glória aos que caíram pela liberdade…”. E foi tudo. Ele voltou para dentro. A multidão gritava, os membros da resistência levantaram as armas e atiraram para o alto, festivamente. Nós, rapazes, nos precipitamos para recolher os cartuchos, preciosos objetos de coleção, mas eu tinha aprendido então que liberdade de palavra significa também liberdade da retórica.

Alguns dias depois vi os primeiros soldados norte-americanos. Eram afro-americanos. O primeiro ianque que encontrei era um negro, Joseph, que me apresentou às maravilhas de Dick Tracy e Ferdinando Buscapé. Seus gibis eram coloridos e tinham um cheiro bom.

Um dos oficiais (o major ou capitão Muddy) era hóspede na casa da família de dois dos meus companheiros de escola. Sentia-me em casa naquele jardim em que alguns senhores amontoavam-se em torno ao capitão Muddy, falando um francês aproximativo. O capitão Muddy tinha uma boa educação superior e conhecia um pouco de francês. Assim, minha primeira imagem dos libertadores norte-americanos, depois de tantos caras-pálidas de camisa negra, era a de um negro culto em uniforme cáqui que dizia: “Oui, merci beaucoup Madame, moi aussi j’aime le champagne…” Infelizmente, faltava o champagne, mas ganhei do capitão Muddy o meu primeiro chiclete e comecei mastigando o dia inteiro. De noite colocava o chiclete em um copo d’água para que ficasse fresco para o dia seguinte.

Em maio, ouvimos dizer que a guerra tinha acabado. A paz deu-me uma sensação curiosa. Haviam me dito que a guerra permanente era a condição normal de um jovem italiano. Nos meses seguintes descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas Europeu. Aprendi novas e excitantes palavras como “reseau”, “maquis”, “armée secrète”, “Rote Kapelle”, “gueto de Varsóvia”. Vi as primeiras fotografias do Holocausto e assim compreendi seu significado antes mesmo de conhecer a palavra. Percebi que havíamos sido liberados.

Hoje na Itália existem algumas pessoas que se perguntam se a Resistência teve algum impacto militar real no curso da guerra. Para a minha geração a questão é irrelevante: compreendo imediatamente o significado moral e psicológico da Resistência. Era motivo de orgulho saber que nós, europeus, não tínhamos esperado passivamente pela liberação. Penso que, também para os jovens norte-americanos que derramaram seu sangue pela nossa liberdade, não era irrelevante saber que atrás das linhas havia europeus que já estavam pagando seu débito.

Hoje na Itália tem gente que diz que a Resistência é um mito comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como uma propriedade pessoal, pois realmente tiveram um papel primordial no movimento; mas lembro-me dos resistentes com bandeiras de diversas cores.

Grudado ao rádio, passava as noites — as janelas fechadas e a escuridão geral faziam do pequeno espaço em torno ao aparelho o único halo luminoso — escutando as mensagens que a Rádio Londres transmitia para a Resistência. Eram, ao mesmo tempo, obscuras e poéticas (“Ainda brilha o sol”, “As rosas hão de florir”), mas a maior parte eram “mensagens para Franchi”. Alguém soprou no meu ouvido que Franchi era o líder de um dos grupos clandestinos mais poderosos da Itália do Norte, um homem de coragem legendária. Franchi tornou-se o meu herói. Franchi (cujo verdadeiro nome era Edgardo Sogno) era um monarquista tão anticomunista que, depois da guerra, se uniu a um grupo de extrema direita e foi até acusado de ter participado de um golpe de Estado reacionário. Mas que importa? Sogno ainda é o sonho da minha infância. A liberação foi um empreendimento comum de gente das mais diversas cores.

Hoje na Itália tem gente que diz que a guerra de liberação foi um trágico período de divisão, e que precisamos agora de uma reconciliação nacional. A recordação daqueles anos terríveis deveria ser reprimida. Mas a repressão provoca neuroses. Se a reconciliação significa compaixão e respeito por todos aqueles que lutaram sua guerra de boa-fé, perdoar não significa esquecer. Posso até admitir que Eichmann acreditava sinceramente em sua missão, mas não posso dizer: “Ok, volte e faça tudo de novo”. Estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que “eles” não podem repetir o que fizeram.

Mas quem são “eles”?

Se pensamos ainda nos governos totalitários que dominaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer com tranquilidade que seria muito difícil que eles retornassem sob a mesma forma, em circunstâncias históricas diversas. Se o fascismo de Mussolini baseava-se na ideia de um líder carismático, no corporativismo, na utopia do “destino fatal de Roma”, em uma vontade imperialista de conquistar novas terras, em um nacionalismo exacerbado, no ideal de uma nação inteira arregimentada sob a camisa negra, na recusa da democracia parlamentar, no anti-semitismo, então não tenho dificuldade para admitir que a Aliança Nacional, nascida do MSI (Movimento Social e Italiano), é certamente um partido de direita, mas tem muito pouco a ver com o velho fascismo. Pelas mesmas razões, mesmo preocupado com os vários movimentos neonazistas ativos aqui e ali na Europa, inclusive na Rússia, não penso que o nazismo, e sua forma original, esteja ressurgindo como movimento capaz de mobilizar uma nação inteira.

Todavia, embora os regimes políticos possam ser derrubados e as ideologias criticadas e destituídas de sua legitimidade, por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. Há, então, um outro fantasma que ronda a Europa (para não falar de outras partes do mundo)?

Ionesco disse certa vez que “somente as palavras contam, o resto é falatório”. Os hábitos linguísticos são muitas vezes sintomas importantes de sentimentos não expressos.

Portanto, permitam-me perguntar por que não somente a Resistência mas toda a Segunda Guerra Mundial foram definidas em todo o mundo com uma luta contra o fascismo. Se relerem “Por quem os sinos dobram”, de Hemingway, vão descobrir que Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis.

Permitam-me passar a palavra a Franklin Delano Roosevelt: “A vitória do povo americano e de seus aliados será uma vitória contra o fascismo e o beco sem saída que ele representa” (23 de setembro de 1944).

Durante os anos de McCarthy, os norte-americanos que tinham participado da guerra civil espanhola eram chamados de “fascistas prematuros” — entendendo com isso que combater Hitler nos anos 1940 era um dever moral de todo bom norte-americano, mas combater Franco cedo demais, nos anos 1930, era suspeito. Por que uma expressão como “fascist pig” era usada pelos radicais norte-americanos até para indicar um policial que não aprovava os que fumavam? Por que não diziam: “Porco Caugolard”, “Porco Falangista”, “Porco Quisling”, “Porco croata”, “Porco Ante Pavelic”, “Porco nazista”?

Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa de entartete Kunst, a “arte degenerada”, uma filosofia da vontade de potência e da Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão, da mesma maneira que o Diamat (versão oficial do marxismo soviético) de Stalin era claramente materialista e ateu. Se como totalitarismo entende-se um regime que subordina qualquer ato individual ao Estado e sua ideologia, então nazismo e estalinismo eram regimes totalitários.

O fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou inspirou-se fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica.

Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas. Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Deus estava, evidentemente, distraído. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e não desdenhava o epíteto: “homem da Providência”. Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.

O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir-se — conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 1930 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista.

Todavia, a prioridade histórica não me parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” tornou-se uma sinédoque, uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos. Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy [1]. O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas ideais políticas e filosóficas, uma colmeia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado?

O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários de terras mais conservadores, que esperavam uma contrarrevolução. O fascismo do começo era republicano e sobreviveu durante vinte anos proclamando sua lealdade à família real, permitindo que um “duce” puxasse as cordinhas de um “rei”, a quem ofereceu até o título de “imperador”. Mas quando, em 1943, o rei despediu Mussolini, o partido reapareceu dois meses depois, com a ajuda dos alemães, sob a bandeira de uma república “social”, reciclando sua velha partitura revolucionária, enriquecida de acentuações quase jacobinas.

Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin. Ao contrário, existiram certamente arquitetos fascistas, mas ao lado de seus pseudocoliseus surgiram também os novos edifícios inspirados no moderno racionalismo de Gropius.

Não houve um Zdanov fascista. Na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (recordo-me de quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelúngico, o único aceito.

O poeta nacional era D’Annunzio, um dândi que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime pro seu nacionalismo e seu culto do heroísmo — com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.

Tomemos o futurismo. Deveria ter sido considerado um exemplo de entartete Kunst, assim como o expressionismo, o cubismo, o surrealismo. Mas os primeiros futuristas italianos eram nacionalistas, favoreciam por motivos estéticos a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, celebravam a velocidade, a violência, o risco e, de certa maneira, estes aspectos pareciam próximos ao culto fascista da juventude. Quando o fascismo identificou-se com o império romano e redescobriu as tradições rurais, Marinetti (que proclamava que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia e queria inclusive matar o luar) foi nomeado membro da Accademia d’Italia, que tratava o luar com grande respeito.

Muitos dos futuros membros da Resistência, e dos futuros intelectuais do futuro Partido Comunista, foram educados no GUF, a associação fascista dos estudantes universitários, que deveria ser o berço da nova cultura fascista. Esses clubes tornaram-se uma espécie de caldeirão intelectual em que circulavam novas ideias sem nenhum controle ideológico real, não tanto porque os homens de partido fossem tolerantes, mas porque poucos entre eles possuíam os instrumentos intelectuais para controlá-los.

No curso daqueles vinte anos, a poesia dos herméticos representou uma reação ao estilo pomposo do regime: a estes poetas era permitido elaborar seus protestos literários dentro da torre de marfim. O sentimento dos herméticos era exatamente o contrário do culto fascista do otimismo e do heroísmo. O regime tolerava esta distensão evidente, embora socialmente imperceptível, porque não prestava atenção suficiente ao um jargão tão obscuro.

O que não significa que o fascismo italiano fosse tolerante. Gramsci foi mantido na prisão até a morte, Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados, a liberdade de imprensa suspensa, os sindicatos desmantelados, os dissidentes políticos confinados em ilhas remotas, o poder legislativo tornou-se pura ficção e o executivo (que controlava o judiciário, assim como a mídia) emanava diretamente as novas leis, entre as quais a da defesa da raça (apoio formal italiano ao Holocausto).

A imagem incoerente que descrevi não era devida à tolerância: era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um “desconjuntamento ordenado”, uma confusão estruturada. O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos.

Chegamos agora ao segundo ponto de minha tese. Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Ao contrário, pode-se jogar com o fascismo de muitas maneiras, e o nome do jogo não muda. Acontece com a noção de “fascismo” aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de “jogo”. Um jogo pode ser ou não competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não. Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma “semelhança de família”:

1 – 2 – 3 – 4
abc bcd cde def

Suponhamos que exista uma série de grupos políticos. O grupo 1 é caracterizado pelos aspectos abc, o grupo 2, pelos aspectos bcd e assim por diante. 2 é semelhante a 1 na medida em que têm dois aspectos em comum. 3 é semelhante a 2 e 4 e é semelhante a 1 (têm em comum o aspecto c). O caso mais curioso é dado pelo 4, obviamente semelhante a 3 e a 2, mas sem nenhuma característica em comum com 1. Contudo, em virtude da ininterrupta série de decrescentes similaridades entre 1 e 4, permanece, por uma espécie de transitoriedade ilusória, um ar de família entre 4 e 1.

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola.

A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.

1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico.
Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas.
Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva.
Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo.
Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.

2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.

3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.

4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.

5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.

6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.

7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.

8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.

9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.

10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.

11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heroica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.

12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma inveja pênis permanente.

13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg.
Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no Parlamento italiano foi:“Eu poderia ter transformado esta assembleia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o Parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.

14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.

Depois de indicar os arquétipos possíveis do Ur-Fascismo, permitam-me concluir. Na manhã de 27 de julho de 1943 foi-me dito que, segundo informações lidas na rádio, o fascismo havia caído e Mussolini tinha sido feito prisioneiro. Minha mãe mandou-me comprar o jornal. Fui ao jornaleiro mais próximo e vi que os jornais estavam lá, mas os nomes eram diferentes. Além disso, depois de uma breve olhada nos títulos, percebi que cada jornal dizia coisas diferentes. Comprei um, ao acaso, e li uma mensagem impressa na primeira página, assinada por cinco ou seis partidos políticos como Democracia Cristã, Partido Comunista, Partido Socialista, Partido de Ação, Partido Liberal. Até aquele momento pensei que só existisse um partido em todas as cidades e que na Itália só existisse, portanto, o Partido Nacional Fascista.

Eu estava descobrindo que, no meu país, podiam existir diversos partidos ao mesmo tempo. E não só isso: como eu era um garoto esperto, logo me dei conta de que era impossível que tantos partidos tivessem aparecido de um dia para o outro. Entendi assim que eles já existiam como organizações clandestinas.

A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade: liberdade de palavra, de imprensa, de associação política. Estas palavras, “liberdade”, “ditadura” — Deus meu —, era a primeira vez em toda a minha vida que eu as lia. Em virtude dessas novas palavras renasci como homem livre ocidental.

Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: “Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país” (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: “Não esqueçam”.

E permitam-me acabar com uma poesia de Franco Fortini:

Na amurada da ponte
A cabeça dos enforcados
Na água da fonte
A baba dos enforcados
No calçamento do mercado
As unhas dos fuzilados
Sobre a grama seca do prado
Os dentes dos fuziladosMorder o ar morder as pedras
Nossa carne não é mais de homens
Morder o ar morder as pedras
Nosso coração não é mais de homensMas lemos nos olhos dos mortos
E sobre a terra a liberdade havemos de fazer
Mas estreitaram-na nos punhos os mortos
A justiça que se há de fazer.

Umberto Eco, O Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais,

Tradução: Eliana Aguiar, Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.

[1] Usado atualmente em lógica para designar conjuntos “esfumados”, de contornos imprecisos, o termo fuzzy poderia ser traduzido como “esfumado”, “confuso”, “impreciso”, “desfocado”.

Retirado de: http://operamundi.uol.com.br | OPERA MUNDI

Lisboa, Capital, República, Popular | Inês Salvador

O Lisboa, Capital, República, Popular está em distribuição HOJE nas principais celebrações do 25 de Abril.
Quem o quiser também o poderá encontrar nos principais espaços culturais da cidade, no Povo Lisboa e no MUSICBOX LISBOA!

Para hoje deixamos a contribuição de Inês Salvador

ines

25 DE ABRIL 1974 | SEMPRE!

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen,  in ‘O Nome das Coisas’

25 abril

Asa e a Luz, de Rabindranath Tagore

A Assírio & Alvim publica A Asa e a Luz, de Rabindranath Tagore, traduzido e apresentado por Joaquim M. Palma. O conteúdo desta edição em língua portuguesa compreende duas obras de Tagore: Stray Birds (Pássaros Perdidos) e Fireflies (Pirilampos), que têm em comum o facto de ambas estarem escritas num estilo literário que se expressa servindo-se de um número reduzido de palavras. Estamos, assim, no campo do aforismo, da epígrafe, do poema breve. A atmosfera onde este exercício literário se passa tem a ver com a natureza da ação do indivíduo neste mundo, sendo essa ação, na sua relação com o que está mais além da matéria, encarada segundo uma perspetiva unificada e unificadora suportada pelos pilares da paz, justiça e liberdade. Para falar das várias faces dessa relação, o autor vai servir-se da perene e humilde sabedoria, da frase simples mas profunda, da poesia rarefeita, do vulnerável silêncio, que às vezes se pressente espreitando por detrás do verbal e do escrito.

«A intolerância segura a verdade nas suas mãos com tanta força que a mata.»

Sobre o autor: Compositor, pintor e escritor de expressão bengali e inglesa, nascido em 1861 e falecido em 1941, o indiano Rabindranath Tagore foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1913. Como escritor, introduziu novas formas de prosa e de verso na literatura bengali. Simultanea-mente foi um mestre espiritual, um reformador social e um importante polemista, procurando promover um ideal de cultura e tolerância baseado na tradição hindu. Defendendo que a educação era a base de toda a sociedade, em 1901 fundou uma escola experimental em Shantiniketan que se transformaria, anos mais tarde, numa universidade onde se conjugava a tradição hindu com a ocidental. Durante toda a sua vida lutou por um projeto de cooperação internacional, realizando várias conferências por diversos países. O conjunto da sua obra é bastante variado: composições líricas, romances, contos, ensaios, obras dramáticas e autobiografias. Tagore foi sobretudo um poeta em cujas composições de expressão mística e patriótica, como em Gitanjali, se destacam as imagens simbólicas e um tom poético refinado e lírico. Além do prémio Nobel da Literatura, foi-lhe atribuído o título de cavaleiro do Império Britânico (1915), que renunciou como forma de protesto contra a repressão britânica na Índia.

(Nota de Imprensa da Assírio & Alvim)

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O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797) | Adelto Gonçalves

Resumo: Este trabalho procura resgatar os nove anos da administração de D. Bernardo José Maria de Lorena e Silveira à frente da capitania de São Paulo (1788-1797), período em que o governador procurou consolidar a economia, incrementando a agricultura, além de abrir caminhos para a circulação da produção de gêneros, especialmente do açúcar, de que a chamada Calçada do Lorena, ao pé da Serra do Mar, em Cubatão, hoje em ruínas, é ainda o melhor exemplo. O governo Lorena, além de atuar em defesa e manutenção dos territórios meridionais e das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de El Pardo, de 1761, apesar das poucas forças de que dispunha, destacou-se pela maneira harmoniosa com que procurou desempenhar sua administração, ganhando por isso o apoio das elites da capitania.

Palavras-chave: Brasil – século XVIII – capitania de São Paulo

1.    Introdução

Este trabalho pretende analisar os nove anos do governo Lorena (1788-1797), mostrando a atuação do governador para conciliar os interesses da Metrópole com as reivindicações das lideranças locais que, não raro, viam com reservas os representantes da Coroa. É de lembrar que Lorena recebeu uma capitania mais organizada do que os seus antecessores e soube, sobretudo, aproveitar-se disso para colocá-la numa situação mais favorável em relação às demais da América portuguesa. Em pouco tempo, a capitania paulista ganhou maior importância política e econômica, como prova o papel de destaque que teve na gestação do processo que resultou na separação da colônia do Reino.

É de ressaltar que o período anterior sempre foi apontado por contemporâneos e historiadores mais antigos como de extrema miséria e de obscurantismo na história da América portuguesa, que coincide com a perda de sua autonomia em 1748, depois de ter alcançado uma situação destaque, à época da capitania vicentina, como centro propulsor da penetração para o interior de América, o que se deu a partir da descoberta das minas de ouro. Este trabalho contesta e relativiza essa visão, mostrando que essa ideia, provavelmente, fazia parte de uma estratégia política das elites contemporâneas para reivindicar melhorias, pois esse quadro não se justifica totalmente.

2.    São Paulo, um entroncamento de vias

Ao contrário do que a historiografia tradicional sempre defendeu, a capitania de São Paulo não vivia isolada nem tampouco estava despovoada, sobrevivendo de uma economia de subsistência, à época da chegada do governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho, o morgado de Mateus, em 1765, quando deixou de ficar adjudicada à capitania do Rio de Janeiro. Esse período que se iniciara em 1748 sempre foi visto por historiadores mais antigos, como Roberto Simonsen (1889-1948) e Caio Prado Júnior (1907-1990), como de completa decadência e isolamento em relação às demais regiões da América portuguesa, em comparação com as capitanias do Nordeste e da zona de mineração, que apresentavam padrões de crescimento superiores.

Hoje, esse conceito tem sido revisto ou relativizado, ao reconhecer-se que, se São Paulo não dispunha de uma economia pautada na grande lavoura monocultura e escravista nem na extração mineral, teve participação decisiva no avanço em direção ao Oeste e à descoberta das minas de ouro ao final do século XVII (MENDES, 2004, p. 2), além de, geograficamente, localizar-se no entroncamento de importantes circuitos regionais, terrestres e fluviais (MOURA, 2006, p. 42). E que esse fator continuou a pesar decisivamente no rumo do desenvolvimento da capitania.

Também não se pode admitir que a capitania, entre os anos de 1765 e 1822, tenha passado por enfraquecimento político ou decadência econômica, já que, no período, além de aumento demográfico, a capital continuou a atuar como peça-chave das principais vias, fluviais e terrestres, mercantis e de comunicação, o que sempre tendeu a fortalecer o circuito vicinal de comércio, ou seja, a economia de abastecimento local (MOURA, 2006, p. 43).

A economia da capitania de São Paulo sempre esteve baseada na comercialização dos produtos, servindo como entreposto de cargas. Até porque a lavoura praticada na região era feita em pequenas propriedades, sem larga escala, voltada mais para o abastecimento local e não para a exportação. A mão de obra escrava majoritária tampouco vinha da África, mas do elemento local, ou seja, o indígena capturado nos sertões. Enquanto as demais capitanias localizadas à beira do Oceano Atlântico concentravam seu interesse no tráfico marítimo com Portugal, especialmente para a venda da produção canavieira, os moradores do Planalto de Piratininga estavam preocupados com o sertão inexplorado e as riquezas que poderiam encontrar.

Por isso, quando o governador Lorena chegou para exercer o seu primeiro triênio, não encontrou uma capitania depauperada ou isolada, mas em desenvolvimento. E tratou de dar continuidade a uma política de fortalecimento de sua economia, procurando, na medida do possível, encetar uma série de obras de melhoramento dos caminhos do interior em direção à capital e, principalmente, ao litoral, pois os produtores agrícolas só se sentiriam estimulados a produzir mais se pudessem escoar a sua produção para outras capitanias e para o Reino.

3.    Duas medidas fundamentais

Foi o que o levou a tomar duas medidas que são fundamentais e aparecem como a marca de seu governo. Uma delas foi a proibição de que embarcações saíssem dos demais portos da capitania (São Sebastião, Ubatuba, Cananeia e Paranaguá) em direitura ao Rio de Janeiro, sem fazer escala em Santos, onde deveriam pagar dízimas à Alfândega. Se assim não o fizessem, continuariam a pagar dízimas na Alfândega do Rio de Janeiro, com sensíveis prejuízos à arrecadação da capitania de São Paulo.

Embora tenha causado muitos protestos por parte dos produtores e comerciantes de outros portos, a medida foi fundamental para canalizar a produção de açúcar e outros gêneros para o porto de Santos, que, a partir de seu governo, passou a comercializar diretamente com a Europa, ou seja, com Portugal. Ao partir do princípio de que governar é estabelecer prioridades, Lorena tomou uma decisão que seria fundamental para abrir literalmente o caminho para o desenvolvimento da capitania, determinando que toda carga produzida na capitania teria de passar primeiro pelo porto de Santos. A medida permitiu que o porto de Santos passasse a receber mais navios e a fazer o comércio diretamente com Portugal. Mais: a partir daí, as embarcações passaram a vir a Santos porque seus armadores entendiam que não retornariam mais vazias ou com meia carga.

Obviamente, isso causou descontentamento entre os grupos prejudicados: intermediários do Rio de Janeiro que atravessavam os negócios dos paulistas, produtores que costumavam escoar a produção por outros portos da capitania e até o vice-rei, que viu a arrecadação da Alfândega fluminense cair. Em compensação, as rendas da Alfândega santista aumentaram sobremaneira porque antes os produtos tinham de passar pelo Rio de Janeiro e lá é que pagavam as taxas.

Ao priorizar o caminho para o porto de Santos, em detrimento dos demais povoados de marinha, Lorena levou basicamente em conta a proximidade daquela vila à capital, ainda que a Serra do Mar se afigurasse como uma região praticamente impenetrável, tantos eram os obstáculos que se apresentavam. Mas, da mesma forma, esses obstáculos se colocariam, se tivesse optado por São Sebastião, Ubatuba, Cananeia ou Paranaguá, vilas mais distantes da cidade de São Paulo.

Por outro lado, na capital e mesmo na vila de Santos, com certeza, Lorena sabia que contaria com maior apoio financeiro e político para os seus planos de expansão, em função dos interesses econômicos de produtores e comerciantes. Ao mesmo tempo, atenderia aos interesses dos donos de engenho do interior da capitania, que defendiam o escoamento da produção pelo porto santista. Mas encontrou também oposição na Câmara de São Paulo, já que alguns comerciantes da capital não tinham interesse em que a vila de Santos viesse a assumir uma posição de liderança na capitania.

4.    Uma briga de interesses

Essa briga de interesses vinha de longe. É de lembrar que a família Andrada, à frente de outros negociantes da vila de Santos, tentou em 1768, à época do governo do morgado de Mateus, autorização para instalar uma casa que controlasse o comércio atacadista da capitania com o Reino e outros portos da América portuguesa (MOURA, 2006, p. 48). Essa teria sido a primeira iniciativa de um grupo de comerciantes no sentido de estabelecer uma casa que funcionasse como intermediária, comprando os gêneros produzidos na capitania para revendê-los aos negociantes do Reino, que, por sua vez, distribuíam-nos para os demais portos da Europa e até da Ásia.

A ideia, porém, não foi adiante porque muitos produtores estavam acostumados a passar as suas mercadorias diretamente para o Rio de Janeiro e outros funcionavam como “caixeiros” desses negociantes fluminenses. Houve, portanto, também reação por parte de forças que controlavam a Câmara de São Paulo, pois não queriam perder o controle que exerciam sobre os circuitos regionais. E assim a sugestão foi bombardeada sob a alegação de que não havia gêneros no porto de Santos suficientes para satisfazer a necessidade de consumo dos moradores da cidade de São Paulo e revenda ao mercado externo (Atas da Câmara, v. XV, 1768, p. 339-340).

Esse receio de que o controle do mercado inter-regional caísse nas mãos de comerciantes santistas reflete-se na morosidade e má vontade com que a Câmara de São Paulo trataria nos anos seguintes as obras de construção e manutenção dos caminhos em direção ao mar. Só quando esse equilíbrio de forças foi rompido com a presença de um representante do Reino a favor da melhoria desses caminhos é que isso se tornou possível.

Para tanto, foi fundamental a maneira como o governador capitalizou o apoio de vários grandes comerciantes para a execução dos planos que trazia da Corte, especialmente José Arouche de Toledo Rendon, José Vaz de Carvalho, Francisco José de Sampaio Peixoto, Salvador Nardi de Vasconcelos Noronha e Antônio José Vaz, camaristas e importantes negociantes e produtores locais que, a 17 de dezembro de 1791, participaram de uma academia na Câmara de São Paulo em homenagem ao governador, que então já levava quase três anos e meio à frente da capitania.

Lorena chegou do Reino com a mesma ideia do grupo liderado pela família Andrada em 1768. Só que, em vez de uma casa comercial estabelecida por comerciantes santistas, quem funcionaria como atravessador dos negócios e fomentador de crédito aos produtores e comerciantes de menor expressão seria um preposto indicado diretamente por Jacinto Fernandes Bandeira, o grande negociante de Lisboa. Obviamente, as forças que dominavam a Câmara não se opuseram de maneira tenaz como antes: uma coisa seria solapar a iniciativa de concorrentes locais, outra seria contrariar os interesses do representante régio na capitania.

Assim, contando com o apoio da elite dirigente da capital, o governador tratou de melhorar os caminhos da Serra de Cubatão em direção a Santos, determinando a construção da primeira via pavimentada da América, a hoje chamada Calçada do Lorena, além de mandar fazer um aterrado que permitiu a passagem com mais desenvoltura das cargas que vinham em lombo de muares e até em carroças.

Naturalmente, alguns grupos enriqueceram com a medida imposta a ferro e fogo por Lorena, em prejuízo de outros, que passaram a considerar a proibição um monopólio – o que, de fato, era –, mas, afinal de contas, a produção paulista, especialmente a de açúcar, que vinha de Itu, Porto Feliz, Mogi Mirim, Sorocaba, Guaratinguetá, Lorena, Jundiaí e São Carlos, começou a crescer de maneira vertiginosa. Esse crescimento da lavoura de cana de açúcar, especialmente naquelas vilas, pode ser constatado em números, com a multiplicação de engenhos: de um total de 78 que havia em 1793, chegou-se a 359 em 1798 (AHU, CU, São Paulo, caixa 14, doc. 698, post.1798).

5.    O apoio das elites escravocratas

Se não bastasse isso para valorizar a administração de Lorena à frente da capitania de São Paulo, da consulta à documentação de arquivo ressalta que nenhum outro capitão-general e governador deixou o governo tão elogiado quanto D. Bernardo, ao menos pelas elites escravocratas da cidade de São Paulo e da vila de Santos, representadas pelas câmaras, que, obviamente, reuniam muitos produtores e comerciantes que haviam obtido altos lucros com a chamada “lei do porto único”.

Em muitos documentos escritos após a sua saída para o governo de Minas Gerais, é possível encontrar vários elogios a sua forma de governar. Em julho de 1797, por exemplo, a Câmara de São Paulo fez questão de louvaminhar Lorena por ter escolhido para ajudante de ordens José Joaquim da Costa Gavião, em substituição ao conhecido José Romão Jeunot. Gavião viera do Regimento de Moura, no Alentejo, em Portugal, e àquele tempo ocupava o posto de capitão de cavalaria dos Voluntários Reais, além de já estar estabelecido e casado em São Paulo:

“A experiência mostra que um bom ajudante de ordens influi muito na felicidade de um bom governo: agora o acabamos de ver em o feliz governo do general Bernardo José de Lorena, que Vossa Majestade foi servida de promover para Minas Gerais” (DI, v. 89, 1967, p. 104, 29/7/1797).

Contra Lorena, como se observou, levantaram-se as demais câmaras das vilas à beira-mar que se sentiram prejudicadas pela determinação que obrigava os produtores locais a enviar seus gêneros para o porto de Santos. Pouco mais de seis meses depois da saída de D. Bernardo, a Câmara de São Sebastião encaminhou representação à rainha queixando-se da “opressão e vexame em que os moradores daquela vila se achavam desde 1791, quando foram intimados por ordem do governador mandando suprimir a liberdade de levarem os seus efeitos a qualquer porto do Estado do Brasil, onde melhor pudessem reputar; e isto com pena de prisão” (DI, v. 89, 1967, p. 105, 3/2/1798).

Da correspondência, percebe-se que, de início, por recomendação da Corte, o substituto de Lorena, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, manteve a proibição, que, segundo a Câmara de São Sebastião, favorecia os monopolistas de Santos “que pagam menos que os do Rio de Janeiro”.  Para os camaristas, Mendonça teria acreditado nas “antigas e novas falarias dos mesmos (monopolistas)”.

Os pró-homens de São Sebastião ainda acusaram o juiz de fora da vila de Santos, Sebastião Luís Tinoco da Silva, a essa altura já transferido para a cidade de São Paulo, de ter sido “bem instruído nos dolosos subterfúgios dos ditos monopolistas com quem vive”. E justificaram o silêncio em que se haviam mantido durante o governo de Lorena porque temiam represálias. “Por isso, fomos tolerando a opressão na esperança de que o futuro sucessor talvez quebrasse o pesado grilhão”, justificaram-se (DI, v. 89, 1967, p. 107, 3/2/1798).

À época em que escreveram essa representação à rainha, porém, o governador Mendonça já havia mudado de opinião. Tanto que, em correspondência datada de quatro dias depois daquela representação, Mendonça já avisava ao capitão-mor de São Sebastião, Cândido Xavier de Almeida e Souza, que havia derrubado a determinação que privilegiava o porto de Santos, concedendo licença para aquele porto e para o de Ubatuba “de enviarem dos seus efeitos para qualquer porto da nossa América a terça parte dos açúcares e aguardentes que haviam feito entrar na vila de Santos” (DI, v. 87, 1963, p. 68, 7/2/1798).

A partir de então, Mendonça seria um contumaz crítico das medidas tomadas por seu antecessor: ao final de seu governo, ao escrever uma “memória” dirigida ao seu sucessor, Antônio José da Franca e Horta, acusou Lorena de ter tomado a medida de definir a vila de Santos como porto único “por seu próprio interesse”. Uma acusação que, embora as evidências possam induzir que tivesse razão, partia de um governador que se tornara conhecido como notório atravessador dos negócios coloniais, tantas foram as queixas de comerciantes que chegaram à Corte.

Na “memória”, porém, ao mesmo tempo, Mendonça deixou implícito um elogio à medida tomada por seu sucessor, ao admitir que a sua revogação “reduzira o comércio à fraqueza em que V. Exa. (o governador Franca e Horta) vem o achar”, ainda que, a partir dali, cada um voltasse a ser “livre para transportar os gêneros que têm para onde mais conta lhe faz”. Para justificar a derrubada daquele sistema que obrigava “os povos de São Sebastião e Ubatuba a conduzirem a Santos os seus efeitos para ali serem comprados pelos preços que queriam as pessoas encarregadas de sua compra”, Mendonça argumentou que aquele monopólio trazia “insanável prejuízo aos agricultores que, desanimados com semelhantes procedimentos, abandonaram aquela ocupação, donde resultou a decadência das mencionadas vilas”   (DI, v. 44, 1915, p. 129, 28/12/1802).

Num excesso de autocrítica, o governador reconheceu que a revogação da medida tomada por Lorena não aumentara o comércio direto com a metrópole, observando que “os gêneros que haviam de formar a carga dos poucos navios que em direitura se dirigiam à Corte formaram a dos muitos vasos pequenos que anualmente navegam desta capitania para todas as da América, além de dois ou três que constantemente têm ido em direitura ao referido porto de Lisboa” (DI, v. 44, 1915, p. 131, 28/12/1802). Depois, ressaltou que, com a saída dos gêneros da capitania, animou-se a agricultura, observando que “os compradores enviaram (os gêneros) para onde os convidou a boa venda que tiveram em referidos portos”.

Ao contrariar ordem do Reino para seguir os ditames de seu antecessor, Mendonça justificou-se alegando que só fizera a mudança depois de muito estudo e “fundado em sólidas razões” (DI, v. 29, 1899, p. 130-134). Mas, na verdade, a sua decisão iria ao encontro da orientação de D. Maria I que, em razão das tensões vividas na Europa entre França e Inglaterra, ordenara que os “vasos pequenos” das demais vilas de marinha da América portuguesa não se dirigissem em direitura a Lisboa, mas antes passassem por portos mais importantes, como o Rio de Janeiro, no Atlântico Sul, seguindo até a Bahia, fazendo o transbordo para embarcações mais seguras, o que, de certa forma, também reforçava a antiga medida adotada por Lorena (DI, v. 39, 1902, p. 145). Como se sabe, dali as embarcações seguiriam para o Reino protegidas por naus de guerra.

A decisão de derrubar a prática exclusiva atribuída ao porto de Santos talvez resultasse de cooptação do governador e capitão-general por produtores das vilas litorâneas da capitania – São Sebastião, Ubatuba, Cananeia e Paranaguá – e de negociantes cariocas, que, de fato, haviam sido prejudicados pelas restrições impostas ao tempo de Lorena (MATTOS, 2009, p. 135-136).

Mas para Mendonça, a navegação do porto de Santos para o de Lisboa haveria de ser sempre diminuta, enquanto as culturas de café e de algodão não chegassem ao seu auge, “pois que estes gêneros são os que oferecem mais carga que, por ser especificamente mais cara, é mais apropriada para os altos das embarcações” (DI, v. 44, 1915, p. 131-132, 28/12/1802).

6.    Lei do porto único

Ao se referir à “curtíssima” instrução que seu antecessor lhe deixara, Mendonça contestou a informação de que, a partir da “lei do porto único”, a capitania passara a fornecer carga suficiente para abastecer doze navios por ano rumo a Lisboa. “Ele mesmo (Lorena) se convenceria do pouco fundamento desta assertiva, se ali declarasse o total dos gêneros que podiam ser transportados para aquela capital”, argumentou.

Depois de se referir novamente à decadência em que se encontravam as vilas de São Sebastião e Ubatuba ao tempo de sua chegada a São Paulo – “com a maior parte de seus engenhos demolida” –, Mendonça lembrou que, àquela época, as vilas de Serra-acima, “situadas na estrada que conduz desta capital para o Rio de Janeiro”, haviam produzido apenas 83.435 arrobas de açúcar. “Foram as (arrobas) que desceram no primeiro ano de meu governo, que foi o de 1797, e passaram pelo Cubatão”, disse (DI, V. 44, 1915, p. 137, 28/12/1802).

Ao final de 1802, segundo Mendonça, a capitania já estava produzindo 200 mil arrobas de açúcar por ano, que, ainda assim, não seriam suficientes para suprir dez embarcações com 500 caixas de 40 arrobas. “Ainda que suprido todo este açúcar em Santos, sempre vem a faltar carga para os altos (das embarcações)”, disse, observando que nunca a capitania tivera produção suficiente para suprir sequer dez embarcações por ano. “Nem a pode ter senão daqui a meia dúzia de anos”, previu (DI, v. 44, 1915, p. 138, 28/12/1802).

Apesar de todas as dificuldades que enumerava, Mendonça, em sua exposição, fez questão de manifestar a Franca e Horta que ele viria para governar uma capitania que era, “sem dúvida, a melhor da América, pela sua situação local e pelo concurso de circunstâncias que foram a sua total independência das outras”. Segundo o governador que estava de saída, a capitania produzia tudo quanto era necessário para a sustentação de seus habitantes e para o comércio, além de ter a vantagem de oferecer gêneros de que têm absolutamente necessidade as capitanias adjacentes, “como são os animais que daqui saem e por aqui transitam, tanto vacum para o Rio de Janeiro como muares para a mesma capitania e para as de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso” (DI, v. 44, 1915, p. 138, 28/12/1802).

Como se sabe, esse comércio intercapitanias de tropas de muares impulsionado pela expansão da lavoura açucareira em São Paulo e no Rio de Janeiro, favorecida pela conjuntura internacional, havia também contribuído sobremaneira para dinamizar a economia paulista, tendo a feira de Sorocaba funcionado como mola propulsora a partir da década de 1770. “Deste modo, os comerciantes de Minas Gerais, Rio de Janeiro e vilas paulistas já não tinham necessidade de se deslocar até o continente de São Pedro para adquirir os animais. Bastava, desde então, deslocar-se para a feira” (BACELAR, 2001, p. 32).

7.    A importância da Calçada do Lorena

 Ainda incomodado com a boa fama que cercava o seu antecessor, ao final de sua exposição a Franca e Horta, Mendonça, ao reconhecer implicitamente a importância da construção da estrada pavimentada que Lorena mandara fazer ao tempo de seu governo, procuraria minimizar a obra, dizendo que “para nada serviria” se ele não tivesse consertado o resto do caminho. Graças aos serviços que mandara executar – comandados pelo sargento-mor engenheiro João da Costa Ferreira (DI, v. 87, 1963, p. 6, 13/7/1797) –, garantiu Mendonça, a estrada por terra de Cubatão a Santos, “além de oferecer um meio de tornar legal o direito de passagem”, abria a possibilidade de se transportar a cavalo os gêneros de Serra-acima até o porto, “evitando-se por este modo a ruína que sofre o açúcar no transporte por água” (DI, v. 44, 1915, p. 145, 28/12/1802).

A par das divergências entre as exposições dos governadores, ditadas quase sempre pela vaidade de cada um, a verdade é que a segunda metade do século XVIII foi decisiva para o crescimento que a capitania de São Paulo apresentaria já no século seguinte, o que a levaria a cumprir papel fundamental nas circunstâncias que conduziram à separação do Brasil de Portugal, em razão de sua importância geopolítica e econômica.

Uma representação encaminhada pelo comerciante Diogo de Toledo Lara Ordonhes, de Lisboa, ao final da década de 1790, ao ministro dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, traça um panorama isento desse período, até porque o seu autor não teria nenhum vínculo político ou comercial com governadores e capitães-generais.  Segundo Lara Ordonhes, na década de 1750, das capitanias do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão só se exportavam para Portugal os dois mais “consideráveis efeitos” do Brasil, o açúcar e o tabaco de rolo, “ainda que este último veio a se limitar ao Recôncavo da Bahia”. Naquele tempo, segundo o comerciante, a capitania de São Paulo não dava para o comércio com a Europa (isto é, com Portugal) “uma só arroba de açúcar nem outro efeito algum” (DI, v. 89, 1967, p. 142-143).

De acordo com Lara Ordonhes, a vila de Santos, principal porto da capitania, “tendo sido antigamente muito comerciante”, achava-se então na última decadência, mas começou a se revitalizar depois com a fabricação de anil e de maior quantidade de açúcar, que eram conduzidos para o porto do Rio de Janeiro por conta de comerciantes cariocas que se encarregavam de reenviar os produtos para Portugal. “No tempo de Francisco da Cunha Meneses (1782-1786), promoveu-se a agricultura e principiaram a carregar no dito porto de Santos alguns navios que saíam em direitura para Lisboa”, disse, observando que, apesar disso, sempre existiu a liberdade de se transportar os gêneros para o Rio de Janeiro, “no que não houve alteração no governo de Chichorro (1786-1788)”. Depois, acrescentou:

Lorena (1788-1797) não só promoveu altamente a agricultura e animou a indústria dos paulistas, mas também proibiu a exportação de todos os gêneros de embarque para outra qualquer parte da capitania, para deste modo facilitar-se o comércio direto com Portugal, o que conseguiu com grande benefício dos povos que regia, pois presentemente podem carregar em cada ano no porto de Santos para Portugal 12 navios de açúcar da melhor qualidade e de outros gêneros (DI, v. 89, 1967, p. 143).

Segundo Lara Ordonhes, como antes desta proibição o açúcar fabricado na capitania de São Paulo se confundia com o do Rio de Janeiro, passava todo ele debaixo deste nome, conservando na praça de Lisboa a mesma reputação, que tinha adquirido o do Rio de Janeiro pela autoridade da Mesa de Inspeção. “Depois que entrou a ser conhecido nesta praça de Lisboa o açúcar paulistano pelo nome de açúcar de Santos, decaiu muito a (sua) reputação e por consequência o preço”, disse, explicando que, embora muitas caixas viessem com o título de branco fino ou de branco redondo, havia nelas açúcar misturado e baixo, além dos chamados mascavos.

Para o comerciante, essa alteração se devia atribuir em parte à ignorância e aos descuidos dos fabricantes e em parte à malícia e má-fé dos mesmos produtores, sem deixar de levar em conta que “algumas causas físicas do terreno em que eram plantadas as canas influíam muito na mesma bondade do açúcar comprado de outras capitanias que ficam ao Norte”.

Como essa representação lhe foi encaminhada pelo ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho anexa à carta de 27 de março de 1799, Mendonça, com certeza, só tomou conhecimento de seu teor depois que já havia derrubado a proibição de Lorena, não lhe restando alternativa que não fosse a de justificar sua decisão. Embora tenha reconhecido que o açúcar produzido na capitania gozava de “má fama por causa das alterações que sofria”, só, ao final de 1802, ao deixar o governo, é que iria defender a instalação de uma Mesa de Inspeção em São Paulo para certificar a sua boa qualidade, tarefa que deixava para o seu sucessor (DI, v. 44, 1915, p. 139, 28/12/1802). Ao que parece, os elogios feitos pelo comerciante lisboeta a Lorena influenciaram o ânimo de Mendonça, pois, a partir de então, ele tratou de menosprezar sempre que pôde os méritos e feitos de seu antecessor.

Que havia na decisão de Mendonça de derrubar o monopólio da vila de Santos mais despeito do que análise fria dos fatos conclui-se ao se constatar que, em 1804, o governador Franca e Horta haveria de propor ao ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho a retomada da exclusividade de comércio direto entre o porto santista e o de Lisboa, ainda que a decisão voltasse a desagradar aos produtores e comerciantes ligados ao comércio com o Rio de Janeiro (DI, v. 94, 1990, p. 17-19).

De fato, proposta aceita, Franca e Horta seria alvo das mesmas acusações que haviam sido feitas a Lorena, como se vê em queixa encaminhada em fevereiro de 1805 ao príncipe regente pelo pároco João Rodrigues Coelho, de São Sebastião, para quem o governador abusava do despotismo, praticando violências e opressão, ao proibir que as vilas de marinha comercializassem com outras capitanias e até mesmo entre si.

Segundo o pároco, os habitantes das vilas litorâneas eram obrigados a enviar seus gêneros a Santos, onde três monopolistas controlavam o comércio, pagando preços diminutos. De acordo com Coelho, o governador e capitão-general perseguia e mandava prender quem ousasse desafiar suas ordens, mas favoreceria contrabandistas que enviavam para “as Américas espanholas” escravos, açúcar, aguardente e outros produtos sem pagar os direitos reais. Esses contrabandistas seriam o capitão-mor Manoel Lopes da Ressurreição e os capitães João José da Silva e Julião de Moura Negrão, com os quais o governador teria “contraído amizade” (AHU, CU, caixa 57, doc. 4.300, 7/2/1805).

A decisão de Franca e Horta, no entanto, não iria durar muito, pois a 6 de outubro de 1806 o príncipe regente mandou que tudo voltasse ao estado anterior (AHU, CU, caixa 58, doc. 4371). O governador ainda insistiu em manter a concentração das cargas num só porto como única medida possível para fomentar a circulação de mercadorias entre a capitania e o Reino (AHU, CU, caixa 30, doc. 1322, 8/6/1807), mas em julho de 1807 viu-se obrigado a liberar o comércio em todos os portos.

8.    Considerações finais

Independente dos interesses particulares em jogo, é de reconhecer que, sob o governo de Lorena, a exclusividade dada ao porto de Santos redundou no fortalecimento do mercado do açúcar, o que foi fundamental para o crescimento econômico da capitania. Com a revolta dos escravos na ilha de São Domingos, no Caribe, as cotações internacionais do produto elevaram-se rapidamente, obrigando o governador a buscar uma saída para o escoamento da produção, como queriam os donos de engenho e os comerciantes. Em consequência, os engenhos começaram a se multiplicar em ritmo inédito, acelerando a aquisição de escravos para o trabalho no campo, além de atrair mão de obra de outras capitanias, o que explica um crescimento da população no período acima do que era usual (SILVA, 2009, p.159).

Basta ver que levantamento feito à época do governo Chichorro (1786-1788) apontou uma relação de habitantes de 126.145 pessoas (AHU, CU, caixa 38, doc. 3192, 2/3/1788), que chegou a 139.287 em 1789 (AHU, CU, caixa 40, doc. 3288, 31/12/1789), enquanto um mapa de 1796 registrou 155.703 habitantes, entre homens livres e escravos (AHU, CU, caixa 43, doc. 3470, c. 1796), ou seja, um crescimento de 23%em oito anos, o que indica que a evolução econômica também atraiu gente de outras capitanias e do Reino. Essa conjuntura favorável, por certo, iria estimular a procura por novas terras rumo à região Oeste da capitania, fosse pela concessão de sesmarias, fosse pela posse arbitrária, favorecendo a proliferação de arraiais e a fundação de novas vilas.

Por aqui se vê que, de fato, os nove anos de Lorena à frente da capitania de São Paulo foram decisivos para o desenvolvimento da capitania, ainda que não se possa imaginar que tivesse partido do ponto zero, pois os governos anteriores criaram as bases desse processo de crescimento e, bem ou mal, tanto Mendonça (1797-1802) quanto Franca e Horta (1802-1811) e os governos que se seguiram deram igualmente sua contribuição.

Referências

Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), de Lisboa. Documentação referente à capitania de São Paulo em microfilmes/Projeto Resgate que consta do Arquivo do Estado de São Paulo (AESP): rolos 06.05.001/052; 06.06.053/070 (Conselho Ultramarino); 06.06.029/033 (Documentos avulsos da Capitania de São Paulo).

ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 1768, v. XV. Publicação oficial do Arquivo Municipal de São Paulo, 1921.

BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Fapesp-Annablume, 2001.

Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, v. 29, 1899; v. 38, 1902; v. 44, 1915; v. 87, 1963; v. 89, 1967; e v. 94, 1990.

MATTOS, Renato de.  Política, Administração e Negócios: A capitania de São Paulo e sua inserção nas relações mercantis do Império Português (1788-1808). São Paulo: São Paulo: dissertação de mestrado em História Social apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.

MENDES, Denise. A Calçada do Lorena: o caminho de tropeiros para o comércio do açúcar paulista, mimeo. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), 1994.

______________. Calçada do Lorena: um novo caminho para a capitania de São Paulo no século XVIII, 2004. <Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=606> Acesso em: 10/5/2014.

MOURA, Denise A. Soares. “Região, relações de poder e circuitos mercantis em São Paulo (1765-1822). In: Saeculum Revista de História, João Pessoa-PB, nº 14, jan-jun. 2006, p. 39-56.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (org.); BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. GOLDSCHMIDT, Eliana Rea; NEVES, Lúcia M. Bastos P. História de São Paulo colonial. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

The Kingdom, the Cologne and the Power: Lorenagovernmentin the captaincy ofSaoPaulo(1788-1797)

Abstract: This work seeks to rescue the nine years of the administration of D. Bernardo José Maria de Lorena e Silveira in the captaincy of Sao Paulo (1788-1797), during which the governor sought to consolidate the economy, boosting agriculture, and open pathways for the movement of production genres , especially sugar, that the call Lorena’s Causeway, at the foot of the Serra do Mar, in Cubatao, now in ruins , is still the best example .Government Lorena, besides acting in defense and maintenance of the southern territories and the borders established by the Treaty of El Pardo (1761), despite the few forces available to it, also stood out for the way they sought to play harmoniously with its administration, earning so the support of the elites of the captaincy .

 Keywords: Brazil – Eighteenth century – Captaincy of Sao Paulo

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((*) Adelto Gonçalves, jornalista,  é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br


[1] Este texto é uma versão do capítulo final do projeto de pesquisa O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo (1788-1797), desenvolvido com bolsa da Universidade Paulista (UNIP), dentro de seu Programa Individual de Pesquisa para Docentes. Publicado na Revista Saberes Interdisciplinares, do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves, de São João del-Rei, Minas Gerais, ano VIII, nº 15, jan.-jul./2015, pp. 17-25.

A história do capitalismo brasileiro | Adelto Gonçalves

                                                          I     

            Composto pelas histórias pessoais e empresarias de 51 empreendedores em atividade entre 1962 e 2013, o livro Empresários Brasileiros ajuda a compreender a construção do capitalismo no País. Escrita pelo administrador, empresário e poeta Latif Abrão Jr. e pelo jornalista e escritor Marcos Barrero, a obra, luxuosamente produzida em formato mesa (30x25cm) e com capa dura, reúne as biografias de líderes empresariais que, ao longo daquele período, conquistaram o título de Personalidade Nacional de Vendas, instituído pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB). E marca, ao mesmo tempo, não só a contribuição da ADVB para a sociedade brasileira em seus quase 60 anos de existência como reconstitui a história do empreendedorismo, a saga do comércio e da indústria do Brasil.

            Obviamente, o leitor arguto irá desconfiado ao encontro deste livro, imaginando que terá pela frente uma obra encomiástica, tal como aquelas que empresas e entidades costumam fazer para comemorar datas redondas, cheias de louvações a capitalistas antigos ou a outros ainda em ação, mas, desde logo, adverte-se aqui para o engano. Na realidade, este é um livro surpreendente da primeira à última linha porque as histórias aqui resgatadas são apresentadas sem nenhuma complacência com seus personagens, mas atreladas apenas à verdade dos fatos.

            Mais: foram escritas ao estilo do new journalism norte-americano de Trumam Capote (1924-1984), Gay Talese (1932), Norman Mailer (1923-2007) e Tom Wolfe (1931), levando o leitor a uma viagem pelo Brasil que trabalha e constrói. Até porque um de seus autores, o jornalista Marcos Barrero, é reconhecidamente dono de um dos melhores e mais brilhantes textos de sua geração.

            De se observar é que, das 51 personalidades escolhidas pela ADVB, apenas uma é mulher, o que pode significar que o capitalismo brasileiro tem sido majoritariamente obra de homens, deixando concluir que o País ainda está muito distante na luta pela igualdade dos sexos. A honrosa exceção é a empresária Sônia Hess de Souza, sexta filha de uma costureira e de um poeta que, em 1957, criaram uma firma para coser roupas. Com tenacidade e destemor para enfrentar um mundo de homens, Sônia fez da obra dos pais, a Dudalina S.A., a maior camisaria da América Latina.

                                                           II

            Seja como for, a leitura destes perfis ajuda também a compreender a própria história do capitalismo brasileiro que nasce, a rigor, depois da morte da Velha República em 1930, com o afastamento do poder de alguns grandes proprietários de terras, especialmente cafeicultores. Mas foi a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o Brasil começou a se modernizar, com a abertura de algumas indústrias, que puderam ajudar o governo a colocar em prática a política da substituição das importações.

            A essa época, São Paulo já aparecia como o mais importante centro industrial da América Latina. Muitos empreendedores já eram filhos e netos de imigrantes italianos que assumiam e comandavam os negócios de seus ancestrais. No mundo, os Estados Unidos surgiam como os líderes do bloco capitalista, aumentando sua influência sobre os vizinhos latino-americanos. O seu modelo de vida começava a chegar aos brasileiros, através das ondas do rádio, dos jornais e revistas e pelos filmes que vinham de Hollywood.

            Como mostra o livro de Latif e Barrero, o principal legado do período que vai de 1945 a 1960 foi o avanço da industrialização do País. Foi a partir de 1962 que a ADVB começou a contemplar os pioneiros na produção de bens, serviços e consumo (Johnson & Johnson, Artex, Pão de Açúcar, Varig, Grupo Gerdau, Eucatex, Duratex e Wallig) e uma poderosa mídia criada para sustentar o avanço da indústria brasileira (Rede Globo, TV Record, grupo Manchete e agência Salles/Interamericana). Sem esquecer, à época da ditadura militar (1964-1984), de destacar empresas vencedoras como Banco Bamerindus, Lojas Marisa, Supermercados Bompreço, Cofap, Fiat, TAM, Sharp e Melita. Ou ainda de homenagear empresas que, mesmo enfrentando os tempos revoltos dos anos 1990/2000, conseguiram sobreviver e crescer, como GM, Nestlé, Vale, Kia Motors, Casas Bahia, Claro, Avon, Sadia, Dudalina e o Grupo Dória.

                                                           III

            À frente de seus negócios, nem sempre os empreendedores foram exitosos. Quer dizer, se à época da contemplação do prêmio Personalidade Nacional de Vendas viviam o auge de sua vida empresarial, muitos tiveram de conviver mais tarde com decepções e até mesmo enfrentar os caminhos da Justiça comum. Entre as biografias daqueles que são exemplos de empreendedorismo, estão as de Roberto Marinho (1904-2003), Samuel Klein (1923-2014), Abílio Diniz (1936), Mauro Salles (1932), Roger Agnelli (1959-2016), Eugênio Staub (1942), Rolim Adolfo Amaro (1942-2001), Luiz Fernando Furlan (1946), Abram Abe Szajman (1939) e José Luiz Gandini (1957), entre tantos outros. Mas há outros tantos que não tiveram tanto êxito assim, como Victor Pike (1923-1995), executivo norte-americano que veio para montar a divisão da Chrysler do Brasil, mas que acabaria seus dias recolhendo frutas rejeitadas nas feiras-livres do bairro do Brooklin, em São Paulo, depois de ter sido passado para trás por colegas da própria empresa.

            Ou ainda o banqueiro Edemar Cid Ferreira (1943), fundador do Banco Santos e conhecido mecenas das artes, que acabaria punido pela Justiça, acusado de golpes no sistema financeiro, e Paulo Roberto de Andrade (1947), antigo dono da Fazendas Reunidas Boi Gordo, igualmente acusado de fraudes, protagonista do maior escândalo do agronegócio no País, como se lê no livro. Ou ainda o executivo Walter Clark (1936-1997), tido como o criador da TV Globo, que casou e teve filhos com as mais belas atrizes e socialites de sua época, mesmo sendo empregado, sem nunca ter chegado a patrão, a par de exibir um dos mais altos salários do País. E que morreu quase na pobreza, a ponto de ter tido seu funeral custeado por um ex-colega da TV Globo.

            O livro, porém, começa com um vendedor de publicidade, Mário Pacheco Fernandes (1928), que, se não chegou a se tornar um gigante empresarial, passou para a história da indústria automobilística nacional como o inventor da Romi-Isetta, uma versão nacional de um exótico carrinho fabricado na Itália que chegou ao Brasil em 1959, depois de uma associação da indústria italiana Isetta com um grupo paulista. A história da Romi-Isetta se confunde com a história da construção de Brasília e com o auge do cinema nacional e do início da TV no Brasil como veículo de massas, já que das campanhas publicitárias do mini-automóvel participaram os grandes artistas da época.

                                                           IV

            Latif Abrão Jr., nascido em Franca-SP, administrador pela Fundação Getúlio Vargas e bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), é presidente da ADVB e superintendente do Instituto de Assistência Médica dos Servidores Públicos Estaduais (Iamspe). Empresário, sócio-proprietário do Hotel Terras Altas, em Itapecerica da Serra-SP, é autor dos livros de poemas Criado-Mudo(Editora Callis, 2005), ilustrado por ele, e O Sentimento da Pedra (L2M, 2013). É autor também do livro de ensaios Administração & Poesia (L2M, 2013). Como executivo, atuou nas empresas Companhia Energética de São Paulo (Cesp), Corporação Bonfiglioli, Vasp-Companhia Aérea de São Paulo e no grupo Notre Dame Intermédica, onde ocupou a presidência da empresa. Foi professor de Economia Brasileira e Teoria Geral de Administração e consultor nas áreas de Gestão e Saúde.

            Marcos Barrero, nascido em Assis-SP, jornalista, é escritor e professor de Jornalismo em São Paulo. Autor dos livros Assis de A a Z – a Enciclopédia do Século, Catchup, Mostarda e Calorias (poesias), História dos Campeonatos Regionais (esportes), Casa da Fazenda(co-autoria) e Dez Décadas – a História do Santos FC (co-autoria). Foi roteirista e diretor da Rede Globo e o primeiro ombudsman de rádio do mundo na Bandeirantes/AM, em 1996, conforme registra a Organization of News Ombudsman, de San Diego/Califórnia. Atuou como professor de Jornalismo, Telejornalismo e Radiojornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, de 1990 a 2004.

            Foi apresentador, diretor artístico e um dos fundadores da allTV, com a qual ganhou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição ao Telejornalismo Brasileiro em 2005. Formou-se em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero, de São Paulo, e possui curso de especialização em jornalismo brasileiro pela mesma instituição. Foi repórter, redator e editor na revista Manchete, nos jornais O Estado de S.Paulo, Gazeta Esportiva e Diário de S.Paulo, na Editora Abril, e nas rádios Jovem Pan e Bandeirantes. Escreveu para Veja, Isto É,Folha de S.Paulo e Leia Livros.

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Empresários Brasileiros, de Latif Abrão Jr. e Marcos Barrero. São Paulo: L2M Comunicação/ADVB, 467 págs., R$ 189,90, 2014. E-mail: advb@advbsp.org.br

Site: www.advbsp.org.br

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista,  é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br