Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à “originalidade da sua obra ficcional e ensaística”. A cerimónia de entrega do galardão, criado em 1996, será a 1 de março.

Gonçalo M. Tavares venceu esta quinta-feira o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018, atribuído anualmente pela Universidade de Évora. O júri decidiu atribuir o galardão ao escritor devido à “originalidade da sua obra ficcional e ensaística, marcada pela construção de mundos que entrecruzam diferentes linguagens e imaginários, afirmando-o como um dos autores de língua portuguesa mais criativos da atualidade”, refere o comunicado publicado no site da instituição de ensino.

O vencedor do galardão foi decidido durante uma reunião, que terminou ao início da tarde, do júri do prémio, presidido pelo professor da Universidade de Évora Antonio Sáez Delgado e que integra ainda o escritor João de Melo, a crítica literária Maria da Conceição Caleiro e as professoras Ângela Fernandes e Cláudia Afonso Teixeira. O galardão será entregue numa cerimónia que se realizará a 1 de março de 2018, data em que se assinala a morte do escritor.

http://observador.pt/2017/12/21/goncalo-m-tavares-vence-premio-literario-vergilio-ferreira-2018/

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada
de carne palpitante…
com neurónios, comandada
puro arbítrio, caminhante…
Permeável,
errante…
de louca, saudável…
humana,
impura,
insaciável…
A sina de vegetar
no plástico colorido…
sonho
de fermentar,
coração desabrido…
existência singela
tic-tac, tic-tac
imaginação
arrepio
frustração,
solslaio trôpego
de brio…
espiral,
depressão…
Canto mudo,
epopeia vertiginosa,
papel representado,
entrudo assolapado,
efémero carnaval
que se replica…
movediço
ritual
passeio de triste
que ri,
que resiste,…
falsete
de glória refinada,
faísca que levita
folclore cosmopolita,
conto de fada,…
festa ensombrada
sob a nuvem
de uma história que emociona…
vida traçada,
remela empoeirada,
susto,
calhandro
que fervilha,
robusto…
dança destemperada,
silêncio,
batucada,
ritmo que saliva
na estrada
ofegante…
Povo que lavas no Rio,
com a cabeça entre as orelhas,
Sangue vivo, sempre em desafio,
Obediente Balhelhas…

Marcos Barrero, poeta de coração paulistano | Adelto Gonçalves

I

A exemplo do que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) disse do poeta argentino Rodolfo Alonso, o poeta Marcos Barrero não usa as palavras pela sensualidade que desprendem, mas pelo silêncio que concentram, procurando com sua poesia tentar exprimir o máximo de valores no mínimo de matéria vocabular. De fato, a poesia de Barrero impõe-se por uma concisão que chega à mudez, como diria Drummond. É o que o leitor pode comprovar em Pra machucar meu coração (São Paulo, Editora Patuá, 2017), sua segunda experiência no gênero, depois da estreia com Catchup, Mostarda e Calorias (São Paulo, Editora Artrífice, 2008).

Nascido em Assis, na região Oeste do Estado de São Paulo, Barrero vive há mais de quatro décadas na capital paulista, embora nunca tenha abandonado suas ligações com a terra natal, como é prova o livro Assis de A a Z – a Enciclopédia do Século 1905-2005 (São Paulo Editora L2m, 2008), em que  reúne verbetes sobre personagens notáveis daquela cidade em seu primeiro século de existência, o que inclui não só figuras locais, mas também nacionais e internacionais,.

Em outras palavras: embora o título deste livro renda homenagem ao compositor carioca Ary Barroso (1903-1964), o coração do poeta é essencialmente paulistano, como mostram vários poemas em que procura reinventar o cotidiano de uma cidade que hoje já pouco tem da paulicéia desvairada de Mário de Andrade (1893-1945). Um bom exemplo é “Bar da Rua do Chora Menino”, que flagra um instante numa artéria situada no bairro do mesmo nome na Zona Norte de São Paulo, distrito de Santana, local inicialmente ocupado por chácaras de imigrantes portugueses e, mais tarde, habitado também por imigrantes armênios:

Banha do dono derramada no balcão.

                        Moleque de havaianas sonhando num canto.

                        Sol.

                        Um carro funerário atravessa a rua.

                        Pés empoeirados e flores murchas.

                        Um cão entre as pernas.

                        Cai a tarde.

                        E a viúva da rua de baixo passa com olhos espertos sob a sombrinha.

II

Se nem todo poema carrega poesia, é verdade que nem toda poesia aparece como poema. Mas, às vezes, é preciso procurar descobrir o que está por trás do poema ou, quem sabe, por dentro do poema. Por isso, mesmo quando se trata aparentemente apenas da apreensão de um flagrante da vida ou de uma tentativa de reprodução de um momento, uma “fotografia” da realidade, ainda assim há poesia por trás dos versos secos. No caso de Barrero, suas peças perfeitas são as pequenas, como disse certa vez Lêdo Ivo (1924-2012) da poesia de Manuel Bandeira (1886-1968). Leia-se, por exemplo, “Manzanero”:

 

                        O nosso amor quase sempre é fevereiro

                        Às vezes, agosto.

                        Certos meses, incerto

                        Alguns anos melhor do que outros.

                        Nada mais quero

                        Só esse bolero no alto-falante.

                        Me gusta así:

                        o flash, o insight, o instante.

Em vários seus versos, há também uma nítida preocupação com o ocaso inevitável das coisas, a degeneração ou decadência do ser humano, enfim, o sentimento da aproximação da morte, como se pode ver no poema “PS”:

 

Vai o vulto

                        das dores físicas

                        do desabamento do corpo

                        arrastando o chinelo

                        desenhando com os pés

                        os percalços da carne veterana.

                        A cada passo

                        lento nos corredores

                        o mapa da dor

                        a geografia do fim.

            Adepto do verso livre e de poemas breves, elípticos e sugestivos – alguns, até epigramáticos –, Barrero, com esta obra, dá uma demonstração inequívoca do vigor de sua poesia, conduzindo-se sempre de modo harmonioso neste ofício, o que deixa entrever que pode oferecer muito mais em próximos livros, pois, com certeza, há de ter gavetas cheias de textos à espera para saírem à luz.

Resenhista de mão cheia e, portanto, leitor contumaz, além de bibliófilo à la José Mindlin (1914-2010), o que o fez até reservar um imóvel só para abrigar suas preciosidades literárias, Barrero não é um poeta principiante, embora não seja vasta a sua produção poética publicada. Poeta de estilo apurado e profundo conhecedor da vida e da obra dos maiores poetas do Brasil e do mundo, ele, que sempre viveu (e sobreviveu) das palavras, sabe o valor exato que cada uma tem quando precisa manifestar o que lhe vai pela alma. E, por isso mesmo, sempre foi muito rigoroso com sua própria obra.

III

Jornalista, escritor e professor de Jornalismo, é autor ainda dos livros História dos Campeonatos Regionais (esportes), Casa da Fazenda (co-autoria), Dez Décadas – a História do Santos FC (co-autoria) e Empresários Brasileiros (co-autoria). Foi roteirista e diretor da Rede Globo e o primeiro ombudsman de rádio do mundo na Bandeirantes/AM, em 1996, conforme registra a Organization of News Ombudsman, de San Diego/Califórnia. Atuou como professor de Jornalismo, Telejornalismo e Radiojornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, de 1990 a 2004.

Foi apresentador, diretor artístico e um dos fundadores da allTV, com a qual ganhou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição ao Telejornalismo Brasileiro em 2005. Formou-se em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero, de São Paulo, e possui curso de especialização em Jornalismo Brasileiro pela mesma instituição.

Foi chefe de redação do extinto jornal A Gazeta Esportiva e editor da Revista Placar, da Editora Abril. Fez várias coberturas internacionais e ganhou os principais prêmios jornalísticos do País, inclusive o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Desempenhou ainda as funções de repórter, redator e editor na revista Manchete, nos jornais O Estado de S. Paulo, Gazeta Esportiva e Diário de S. Paulo, na Editora Abril e nas rádios Jovem Pan e Bandeirantes. Escreveu para Veja, Isto É, Folha de S. Paulo e Leia Livros.

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Pra machucar meu coração, de Marcos Barrero. São Paulo: Editora Patuá, 116 págs., R$ 38,00, 2017. E-mail: barrero@uol.com.br Site: www.editorapatua.com.br

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-Latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

barrero-foto

Em homenagem a Cassiano Nunes | Adelto Gonçalves

                                                    I

        Primeiro de uma série de cinco volumes, Poesia – Obra Reunida (Brasília: Universidade de Brasília/Thesaurus Editora, 2015), de Cassiano Nunes (1921-2007), reúne livros esgotados e poemas inéditos do poeta, ensaísta, conferencista e antigo professor de Literatura Brasileira da Universidade de Brasília (UnB), à qual consagrou 25 anos (1966-1991) de dedicação e amor pelas letras, formando gerações de mestres e doutores.

            Sem herdeiros, o professor doou à UnB não só a sua extensa biblioteca como muitos manuscritos que hoje formam o acervo do Espaço Cassiano Nunes, que fica na Biblioteca Central no Campus Universitário Darcy Ribeiro daquela instituição. Talvez os cinco volumes previstos não sejam suficientes para abrigar uma vasta produção que inclui muitas conferências em universidades do Brasil e da Europa e dos Estados Unidos bem como uma obra que consta de mais de uma centena de títulos, muitos dos quais aguardam reedição, além de textos inéditos.

            Esse trabalho é fundamental porque só assim a produção teórica, além da obra poética, ficaria ao alcance não só do leitor comum como dos professores e pesquisadores que, com certeza, haverão de incluí-la nos programas universitários. Dessa tarefa foi incumbida a professora Maria de Jesus Evangelista, nomeada pelo reitor da UnB como curadora do Espaço Cassiano Nunes e amiga de longa data do colega de trabalho, que neste primeiro volume reuniu cinco livros já publicados – Prisioneiro do Arco-Íris (1962), Jornada (1972), Madrugada (1975), Jornada Lírica (1984) e Poesia II (1998) –, além de peças inéditas e reflexões breves chamadas pelo autor de “Grafitos nas Nuvens” (1995), que foram publicadas no diário Correio Braziliense.

            O livro encerra-se com “Poemas traduzidos” (1998) para o inglês, que trazem uma apresentação (“Seven Sides to Cassiano Nunes”) do professor Danilo Lôbo, que, aliás, foi quem saudou o poeta por ocasião da outorga do título de Doutor Honoris Causa que lhe fez a UnB em 2002.

                                       II

        Como bem observa na introdução que escreveu para este livro o poeta e ensaísta Anderson Braga Horta, a poesia de Cassiano Nunes é despojada, com uma “linguagem bem cuidada, mas nada de excessos de palavras, de preciosismos linguísticos, de complicações formais, enfim”. Mais: “não metrificada, mas musical, com apurado senso de ritmo”.

            Além disso, é uma poesia madura, sem arroubos juvenis, pois não se conhece até agora a produção do poeta em seus verdes anos, que talvez ainda resida no acervo que legou à UnB. Até porque o poeta demorou muito para mostrar os frutos do seu ofício: só com 41 anos idade publicou o seu primeiro livro de poemas, Prisioneiro do Arco-Íris. Desse livro, é “Canto do prisioneiro” em que mostra a sua ligação à cidade de Santos, que seria uma marca de sua poesia: “Felizes são os marinheiros/ que partem sem dizer adeus, e em cada porto de escala/ renovam o mistério do amor/ (…) Só eu não parto… Prisioneiro do arco-íris/ como quem num presídio abafa/ e expressa a sua ânsia cons truindo/ um navio dentro de uma garrafa!”.

            Do livro Madrugada, é o poema “Sou de Santos” em que faz uma referência a outro poeta santista, Ribeiro Couto (1898-1963), de geração anterior: Nasci perto do mar/ como Ribeiro Couto./ Como ele, cantei/ o cais do Paquetá,/ cheio de marinheiros,/ estrangeiros,/ aventureiros./ Apitos roucos de navios/ me atraíam para outras terras,/ propostas sedutoras./ Corri mundo./ vim parar no Planalto Central/ onde, solitário, entre livros,/ contemplo os últimos anos./ Às vezes, à noite,/me encaminho para o lado do Eixo/ e me detenho ante os terrenos baldios/ (amplidão) da Asa Sul./ Ao longe,/ os guindastes das construções/ sugerem um cenário de cais./ E o vento me traz com o cheiro de sal/ o inútil apelo do mar.

            Vivendo os 40 anos finais de sua vida em Brasília, obviamente, a nova capital federal     não deixaria de ficar marcada em sua poesia, pois, andarilho, conhecia praticamente todos os seus meandros, de que é exemplo o poema “Palavras à Cidade Livre hoje Núcleo Bandeirante”: “Há vinte anos, quando aqui cheguei/ no Planalto Central,/ em Brasília, ainda encontrei/ intacta, na tua verdade pioneira,/ na tua realidade rude, mas fecunda: áspera imagem, do “far west” brasileiro, e Cidade Livre!/ Livre! Haverá adjetivo/ com mais oxigênio e glória? (…)

                                                           III

            Filho de um português de escassas letras, para quem “livros não davam dinheiro”, e nascido numa rua do tradicional bairro da Vila Mathias, o futuro poeta e professor Cassiano Nunes Botica, a princípio, não teve como não se vergar à imposição do pai: formou-se técnico de Contabilidade pelo Colégio Santista, instituição católica dirigida pelos Irmãos Maristas, a uma época em que a profissão de contador significava na cidade pelo menos uma carreira na prefeitura local ou em alguma empresa de despachos aduaneiros ou de corretagem de café. Àquela época, cursar o Colégio Santista era privilégio reservado a famílias que tinham recursos financeiros, o que indica que a de Cassiano não s eria de modesta condição.

            Foi difícil, mas Cassiano conseguiu escapar do futuro discreto e obscuro que o pai autoritário, como deixou explícito em alguns de seus versos, insistia em lhe apontar, não sem antes passar três anos como datilógrafo de um instituto de aposentadoria para os estivadores, até conseguir um emprego no Office for Inter-American Affairs, ainda em sua cidade natal.

            Mas, por conta própria, começou a ler muito, até que se integrou aos meios intelectuais da cidade nos anos de 1940. Foi, então, que encontrou guarida em A Tribuna, principal diário da cidade, onde começou a publicar resenhas e críticas de livros. Nessa década, com os poetas Roldão Mendes Rosa (1924-1988) e Narciso de Andrade (1925-2007), participaria do movimento literário denominado Pesquisista, que reuniria também, entre outros nomes, Miroel Silveira (1914-1988), Cid Silveira (1910-?), Nair Lacerda (1903-1996) e Leonardo Arroyo (1918-1985).

            Foi secretário-executivo da Câmara Brasileira do Livro a partir de 1947, quando a entidade iniciava suas atividades em prol da difusão do livro no país. Em São Paulo, vivendo sozinho, muitas vezes em modestos hotéis, conseguiu o título de bacharel e licenciado em Letras Anglo-Germânicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em 1954 e 1955, respectivamente.

            Numa época em que quase não havia no Brasil universidades que oferecessem estudos de pós-graduação, ele obteve bolsa para estudar na Miami University, onde se especializou em Literatura Norte-Americana. Estudou Literatura Norte-Americana também na Universidade de Ohio. Depois, novamente com bolsa de estudos, rumou para a Alemanha, onde na Universidade de Heidelberg se aperfeiçoou em Literatura Alemã. Lá deu aulas de Literatura Brasileira.

            Ao retornar para o Brasil com tamanha bagagem, tornou-se orientador cultural na Editora Saraiva, de São Paulo. Foi ainda fundador da Biblioteca Pública de São Vicente. Por fim, em 1966, por sugestão do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), seu amigo, foi para Brasília, onde ajudou na instalação da UnB. Antes disso, ajudou os professores Antônio Soares Amora (1917-1999) e Antônio Cândido (1918-2017) a fundar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, no Estado de São Paulo, em 1958, e foi ainda professor-visitante na Universidade de Nova York.

            Entre os muitos livros que publicou estão O Lusitanismo de Eça de Queiroz (1947); A Evolução da Literatura dos Estados Unidos (1953); Modernidade de Chaucer (1954); Prisioneiro do Arco-Íris (1962); A Experiência Brasileira (1964); Sedução da Europa (1968); Norte-americanos (1970); Retrato no Espelho(1971); O Sonho Brasileiro de Monteiro Lobato (1979); A Felicidade pela Literatura (1983); A Atualidade de Monteiro Lobato (1984); Jornada Lírica (1984); Poesia – II (1998); e Literatura e Vida (2004), entre outros.

            Participou de antologias como Poemas do Amor Maldito (1969), com organização de Gasparino Damata e Walmir Ayala; Antologia dos Poetas de Brasília (1971); Brasília na Poesia Brasileira (1982), com organização de Joanyr de Oliveira; Poetas de Santos (1977), com organização de João Christiano Maldonado; Nem madeira nem ferro podem fazer cativo quem na aventura vive (1986); Caliandra – Poesia em Brasília (1995); Cronistas de Brasília, (1996, v.2), com organização de Aglaia Souza; Poesia de Brasília (1998); e Poemas para Brasília (2004), com organização de Joanyr de Oliveira, entre outras.

                                                           IV

            Maria de Jesus Evangelista, professora de Letras da Universidade de Brasília, nascida no Piauí, é bacharel em Letras Neoclássicas pela Universidade Federal do Maranhão e doutora pela Université de Toulouse, França. Com estudos comparativos em Portugal, foi professora catedrática na Universidade de Coimbra, onde dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros. Tem publicado ensaios em revistas especializadas no Brasil e no exterior. Recentemente, publicou pela Editora da UnB o livro Cassiano Nunes – Poesia e Arte.

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Poesia – Obra Reunida, v.1, de Cassiano Nunes, organizada por Maria de Jesus Evangelista, com introdução Anderson Braga Horta. Brasília: Thesaurus Editora/Espaço Cassiano Nunes/Biblioteca Central/Universidade de Brasília, 270 págs., 2015. E-mail: maju.curadora@bce.unb.br

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 (*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012) e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros.  E-mail: marilizadelto@uol .com.br

Desvão de Almas, Miicrocontos, Editora Penalux, SP | Silas Corrêa Leite

O professor Silas Corrêa Leite, jornalista comunitário, conselheiro diplomado em direitos humanos, ciberpoeta e blogueiro premiado, lançará seu vigésimo segundo livro, entre romances, livros de contos, de poemas, de ensaios, ebooks, edições por demanda e outros. Desta feita, pela Editora Penalux, lançará o livro de microcontos chamado Desvão de Almas, obra literária contendo um compêndio de alguns seus primeiros trabalhos em nanoprosa, microcontos, twittercontos, etc.

A noite de autógrafos será dia 20/10/19, as 19 horas, no concorrido e famoso Patuscada, Livraria, Bar e Café, do Eduardo Lacerda, no endereço, na Rua Luís Murat, 40, 05436-050, alto de Pinheiros, São Paulo.

Silas Corrêa Leite foi várias vezes premiado no Mapa Cultural Paulista representando sua cidade histórica de Itararé-SP. De origem humilde, era aluno do G.E.T.T. Grupo Escolar Tomé Teixeira, de Itararé, tendo sido boia-fria, engraxate, garçom, vendedor de dolé de groselha preta, aprendiz de marcenaria, depois se formando, estando hoje em mais de 100 antologias literárias de renome, inclusive no exterior e no livro Poesia Sempre/Ano 2000 da FBN-Fundação Biblioteca Nacional, Gestão Ivan Junqueira. Publica atualmente em mais de 800 sites, até na América espanhola, Europa, África e Ásia. Seu estatuto de poeta foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo.

Elogiado entre outros por João Silverio Trevisan, Álvaro Alves de Faria, Ignácio de Loyola Brandão, Fernando Jorge e ainda por Moacyr Scliar, Ledo Ivo e Carlos Nejar, da ABL-Academia Brasileira de Letras, Silas foi entrevistado pela Márcia Peltier (Momento Cultural/Jornal da Noite/Rede Bandeirantes), no Metrópolis e no Provocações (Antônio Abujamra) da TV Cultura de SP. Ganhador entre outros do Prêmio Lygia Fagundes Telles Para Professor Escritor (Gestão Chalita), vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores, promovido pela USP-Universidade de São Paulo, Jornal Estadão, Rádio Eldorado e grupo Parceiros do Tietê, Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (Gestão Marilena Chauí, Secretária Municipal de Cultura), Prêmio Literal (Fundação Petrobrás/Curadoria Heloisa Buarque de Holanda), Prêmio Instituto Piaget (cancioneiro infantojuvenil) e Prêmio Simetria/Fantásticos (Microcontos) ambos em Portugal, também foi destaque na chamada grande imprensa, como Estadão, Diário Popular, Revista Época e mesmo na rede televisiva, quando criou o primeiro livro interativo da internet, o Rinoceronte de Clarice, que virou tese de mestrado e de doutorado na UFAL.

A nova obra do autor, DESVÃOS DE ALMAS, comporta micronarrativas, contículos como cáusticos despertencimentos esdrúxulos e babados, pinçados em nanonarrativas de desnaturezas quase humanas no caos, feito twittercontos, mais laconismo, antítese, rigor minimalista no maxirreducionismo irônico, sarcástico no socrático com inconformismo de sintaxe toda própria. O autor, que no programa Provocações de Antonio Abujamra da TV Cultura de SP disse que “corta os pulsos com poesia”,  e que entre outros de seus “troios bijutelíricos” (Silas e suas “siladas”) diz que “livro é bom quando o autor ou o leitor morrem no final”, mais uma vez com um novo livro polêmico e diferenciado, e, por essas e outras, agora, Desvãos de Almas.

Compareçam, promovam, divulguem, valorizem.

Contatos com o autor: poesilas@terra.com.br

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Somos todos LIVROS | Silas Corrêa Leite

Cada um com a sua lenda pessoal, seu papel na história
Crime e castigo, capa e espada, vermelho e negro
Todos páginas de rostos (escritos com suor e sangue)
Cercados por silêncios, títulos, prosopopeias, aventuras
Verdadeiros Crusoés com carrancas, luvas de pelica ou cravos amarelos.

Somos todos LIVROS
Alguns simplesmente foram abertos em páginas erradas
Todos com orelhas, apresentações ou enfoques traumáticos
Alguns imprensados tristes entre o amor e a dor
Diversos esquecidos em baús de ostras, bibliotecas ou limbos
Outros viraram romances, novelas ou tragédias em capítulos sociais e familiares.

Somos todos LIVROS
Para muitos o epílogo não deu assim tão certinho
Para outro a principal personagem amorosa morre antes do final
Todos procurando um sagrado reconhecimento íntimo
Imagens e palavras cercadas de tópicos frasais como pássaros
Outros em braile – como lágrimas feitas de pétalas azuis e arames de resignações.

Somos todos LIVROS
Inúmeros escondidos em labirínticos orquidários
Outros secretos, bruxuleantes, com pântanos ou em sânscrito
Muitos deles procurando mãos de oleiros espirituais
Sonham catedrais, escolas ou bancos de jardim para tomarem sol
Outros inutilizados em pedreiras. Ou em vidas como potes de rascunhos…

Somos todos LIVROS
Entre enfeites, umbrais ou pirâmides da alma enluada
Alguns encantários, outros sudários e até mesmo embarcadouros
Muitos ainda procurando autores de papel passado
Milhares entregues em resignações e neuras existenciais de fugas
Como figurinhas carimbadas por delírios ou pertencimentos perdidos em trilhas.

Somos todos LIVROS
Alguns são apenas toscas páginas em branco de papel-arroz
Outros como sachês em verso e prosa de cimitarras e tuaregues
Todos procurando um pouco de sal ou de vinagre no destino celeste
Na profecia-luz de um paraíso com “muitas moradas além dos céus”
Poucos carregando a exatidão do peito no fulcro das releituras com oferendas.

Somos todos LIVROS
Partituras, lenços brancos, garagens de culpas & inventários cósmicos
Muitos escritos a quatro mãos (ou por anjos da guarda)
Diversos sonhando dunas, caravanas ou oásis de noiteadeiros
Pois as páginas de rosto que levamos dessa vida insana
São questionários, fermentos, respiradouros, cálices ou silos de espirituais

Somos todos LIVROS
Há os que nunca sabem como são maravilhosamente raros
Há os que são clássicos e têm medo de serem abertos, revelados
Eu que escrevo enfrentações (exercícios de libertação de ser carbono)
Mostro o tamarindeiro íntimo oxigenando seixos no arco-íris
Procurando um final feliz mesmo tendo sido um gárgula na Terra do Nunca!

Silas Corrêa Leite – República Socialista-Rural Boêmio-Etílica de Santa Itararé das Artes, Cidade Poema
Membro da UBE-União Brasileira de Escritores
Diretor Cultural do Elos Clube de Itararé/Comunidade Lusíada Internacional –

E-mail para contato: poesilas@terra.com.br
Poema da Série: O Sudário do Imagético de Uma Primavera Imaginária

Poema de Aguardente em Casca de Noz | Telmo Barreira | Prefácio de Sónia Lavaredas

Poema de Aguardente em Casca de Noz…

Quando lemos os poemas de Telmo Barreira, o que se experiencia é tal e qual o estalido frenético que provocaria um shot. Sim, um shot de aguardente. Uma espécie de choque a percorrer o corpo, num compasso de êxtase, primeiramente quente e consolador, em seguida desconfortável, quase doloroso, espraiando-se, por fim, numa sensação dormente e apaziguadora. Depois da casca de noz aberta e do preciso elixir bebido, verifica-se que esta aguardente só poderia estar contida neste invólucro orgânico e natural, como orgânica e natural é a jornada da própria existência.

A viagem começa na infância, com a aguardente ainda a descer-nos pela garganta, tranquila e reconfortante, numa recordação entrelaçada de sonho, identidade e ninho. E por aí nos deixamos guiar, pausadamente, como se a nossa própria infância recordássemos, num ambiente confortável de colo e amor. Os momentos da feliz inconsciência das coisas, onde tudo tem o tempo certo, onde podemos, entre palavras, fazer as pausas prolongadas dos pontos finais…

Mas a aguardente vai descendo e um ardor, desconcertante primeiro e insuportável depois, apodera-se do nosso peito… É o bulício, a experiência, a vida. Nesta ardência provocada pelo líquido, quer-se cortar com o passado e percorrer caminhos imaginados originais. Este calor que sentimos, no peito e na mente, transforma-se em febre que queremos apaziguar com o arrebatamento das descobertas, das experiências. Queremos respostas! Porém, as respostas tardam. Das sucessivas tentativas, ficam as desilusões, a solidão… Quem somos? Quem queremos descobrir nesta viagem vertiginosa? E a aguardente arde cada vez mais cortando, por breves segundos, a respiração. Um grito desesperado solta-se da garganta. Ficamos quietos e ainda exaustos arriscamos inspirar de novo. Depois, já com o peito cheio de ar, aventuramos a compreensão da pessoa em quem nos transformámos, quem emergiu destes pântanos por onde andámos. Talvez o amor, os amores, nos possam dar algumas respostas.

Mas o tempo passa inevitável, fatal. Trazendo consigo uma sucessão de várias perdas e a maior perda de todas, a Morte. A aguardente já não anestesia. A  Morte… misto de encanto sedutor, qual feiticeira inatingível, e horror repulsivo perante a consciência da perda irrevogável e do sofrimento provocado. E a própria existência é posta em causa. Para quê tudo isto? Para quê as experiências, as sensações, as descobertas, o sofrimento se tudo acaba inevitavelmente com a Morte? Onde nos refugiarmos? Para onde fugirmos se a nossa condição humana é nada quando comparada com as grandes forças do Universo?

E eis que, ao contrário do esperado, começamos a sentir um calor apaziguador a espalhar-se pelo corpo e o torpor reconfortante da aguardente surge no âmago do nosso ser. E desta experiência emerge, finalmente, quem somos, quem sempre fomos mas que tentámos esquecer: o eterno menino que brinca, lá atrás, no colo de sua mãe. Esse que quis conquistar a lua, mas nunca esqueceu a sombra que sempre teve colada aos pés. Esse que permite esconjurar os demónios e possibilita um reencontro com a verdadeira alma da nossa existência. Apesar de não sermos o mesmo menino é nele que nos reencontramos vezes sem conta.

Vale a pena? Vale. Porque quem sabe quem é já pode “sonhar-se feliz”.

Obrigada por esta viagem.

Sónia Lavaredas

In Prefácio da obra Poema de Aguardente em Casca de Noz

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O autor

A 31 de Janeiro, do ano de 1983, nasce, em Bragança, o autor Telmo Filipe Fidalgo Barreira, onde vive até aos seus 18 anos de idade, altura em que termina o ensino secundário e ingressa no ensino superior.

Manteve desde muito cedo uma relação de intimidade com a arte literária e musical, envolvendo-se, com a sua singular paixão, em diferentes projectos, da palavra dita do “Spoken Words” ao Rock’n’ Roll.

Muda-se para Chaves, onde permanece durante 4 anos, licenciando-se em Enfermagem no ano de 2005. No mesmo ano, troca o Norte pelo Sul e é o Algarve que o acolhe por mais de uma década, tendo vivido nas cidades de Portimão, Almancil e Faro.

O Porto, onde também viveu, reforça e acorda no autor a vontade autodidacta da criação subterrânea e alternativa, mantendo durante vários anos contacto com a genialidade desconhecida de vários poetas libertinos, músicos e amantes iludidos pelas vertiginosas noites de insónia.

Apesar do autor, assumidamente, negar um sentimento de pertença a um lugar, dizendo-se “sem morada nem fronteiras”, reconhecendo que quando gastamos tempo demais a viajar, tornamo-nos estrangeiros no nosso próprio país, parafraseando René Descartes, a sua escrita assume esse papel marginal, porém, revela ter raízes igualmente profundas e apaixonadas na terra e no mar, na infância e nos sonhos perfumados da juventude… Restos de ilusões que sobram das suas vivências passadas no Norte e no Sul de Portugal, com vestígios idílios das suas viagens pelo mundo.

Actualmente a viver em Madrid, mantém presente a mesma urgência criativa, a mesma avidez pelas palavras e pela poesia, reafirmando-se um sonhador, utópico, itinerante de fantasias edénicas.

Este Poema de Aguardente em Casca de Noz, assume-se como sendo o seu primeiro trabalho editorial, apesar dos acumulados esboços literários que, há muitos anos, vai multiplicando em numerosas colectâneas anónimas que guarda consigo.

Os textos aqui apresentados evidenciam a invulgar maturidade estética, artística e literária do autor, unificando uma escrita musculada com a eloquente capacidade de expressão. Visceral, profunda e, acima de tudo, sensível e emocional, esta obra denuncia a mestria deste novo autor.

Um “livro de aguardente” que é uma viagem, um ciclo perfeito, com vários pontos de equilíbrio entre a infância e a mocidade, a vida e a morte, num jogo de metáforas criativas, manifestando uma genialidade intimamente reflexiva e autobiográfica.

Nota sobre o autor In Poema de Aguardente em Casca de Noz

«O Nome dos Poemas» de Soledade Martinho Costa | por José do Carmo Francisco

Do escritor, poeta, jornalista e crítico literário José do Carmo Francisco apreciação do livro «O Nome dos Poemas»:
«O Nome dos Poemas» de Soledade Martinho Costa

Toda a Poesia (mistura de canção e reflexão) procura a síntese e no caso de Soledade Martinho Costa essa busca existe desde 1973 quando publicou o livro «Reduto». O projecto inicial da autora do livro era um desafio («Publicar poesia numa revista semanal») e data de 1999 quando os primeiros 20 poemas do volume foram publicados na Revista «Notícias/Magazine», do «Diário de Notícias». Os restantes 33 poemas estão inéditos. Dos iniciais 20 poemas, como sugestão de leitura, damos citação a dois deles: «João de Melo – Coloque-se a infância / No meio de uma ilha / Acorde-se a distância / No olhar. / Tome-se nas mãos / A neblina / Dê-se o coração / À voz do mar» ou «Isabel Silvestre – Água / Serias rio ou fonte / Regato que murmura / Entre dois lírios. / Ave / Um noitibó / Escondido / Entre as dobras de um lençol / Mas porque assim te queres / Terra e raiz / E tanto aquece / o matiz da tua voz / Só posso comparar-te / Ao próprio sol.»

Dos restantes 33 poemas uma nota especial para os poemas de Rodrigo Leão e de Maria Velho da Costa. O primeiro: «A música da chuva / Dos regatos /Das aves / E do vento / Do mar em fúria /Amante das maresias. / Ao homem /Coube ouvi-la / E copiá-la. / Juntou-lhe o coração / A alma / O génio / E conseguiu a fórmula / De todas as magias». A segunda: «Porque os tempos não eram / O que hoje são / Mais a voz se elevou / A inundar de luz a escuridão. / Rompeu feita coragem / Sem medo ao medo / a fustigar as normas / E o preconceito que regia a mulher e a Nação / No mesmo jeito / Três Marias souberam / Denunciar a palavra / Calada e ofendida / Como se fora um só nome / E uma só mão.»

Estamos em 2017, quase 20 anos passaram e os poemas continuam a surpreender como em 1999 conforme Sofia Barrocas escreve no prefácio: «Arriscaria mesmo dizer que daqui a vinte anos estaremos a lê-los com o mesmo espanto e prazer com que o fizemos da primeira vez.» Tal como no título do seu primeiro livro («Reduto») estes poemas de Soledade Martinho Costa resistem num reduto ao tempo que passa. À sua erosão, ao seu desgaste e ao seu esquecimento.

(Editora: Vela Branca, Prefácio: Sofia Barrocas, Revisão: L. Baptista Coelho, Capa: Victor Gabriel Gilbert, Separador interior: Peter Mork Monsted)

José do Carmo Francisco, escritor, poeta, jornalista e crítico literário

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Poema | Nâzim Hikmet (Poeta turco)

A maioria das pessoas viaja na coberta dos navios
na terceira classe dos comboios
a pé pelas estradas…
A maioria das pessoas.

A maioria das pessoas começa a trabalhar aos oito anos
casa aos vinte
morre aos quarenta.
A maioria das pessoas.

Para todos há pão, salvo para a maioria das pessoas.
arroz também
açúcar também
roupas também
livros também
Há para todos, salvo para a maioria das pessoas.

Não há sombra na terra para a maioria das pessoas
não há candeeiros nas ruas
não há vidros nas janelas.
Mas a maioria das pessoas tem a esperança.
Não se pode viver sem esperança.

Nâzim Hikmet (Poeta turco)

Retirado do Facebook | Mural de José Possidónio

O Avô e os Netos falam de Geologia | A. M. Galopim de Carvalho | Ilustrações de Francisco Bilou

Prefácio

“É difícil resistir ao primeiro impulso de… sentir “inveja” do Domingos, da Francisca e do Mateus. Apesar de ser um sentimento que não se deve cultivar, como não ansiar pela possibilidade de sermos personagens activas em torno daquela magnífica mesa de ardósia, onde as refeições vão alternando com histórias nas quais o quartzo e o basalto adquirem o mesmo encanto e mistério dos príncipes e dos dragões?
Mas não nos deixemos enganar ficando a pensar que ao longo do livro vamos encontrar histórias infantis que servem apenas para passar o tempo que se leva a lê-las. Aliando o fantástico dom de contador de histórias, a uma enorme experiência de Professor construída ao longo de mais de meio século o Professor, que foi e será sempre, vai claramente contra a moda que infelizmente é tantas vezes dominante no Mundo actual, de achar que os jovens têm que ser cativados com “historinhas” simples e de fácil apreensão recheadas de banalidades. Em torno da velha mesa de ardósia, aos jovens netos não é ensinado que o quartzo é formado por “bolinhas” muito pequeninas que são os átomos, e que há uma mais “pequenina” de silício, por cada duas “maiorzinhas” de oxigénio. O Avô Professor não tem dúvida que os netos, apesar de muito jovens, têm capacidade para muito mais e que a verdadeira cultura científica tem que estimular o desejo de compreensão dos processos, não tendo nada a ver com o simples acumular de informações banais. Utilizando exemplos muito simples e fáceis de compreender (mas que só a sua experiência é capaz de imaginar), que vão desde o cubo de Rubik, à relação de forças entre manifestantes e polícias, os netos vão aprendendo a “arrumar” os átomos em malhas cristalinas… que existem vários tipos de malhas cristalinas… formadas por elementos químicos diferentes… e unidos por forças de diferentes intensidade e… e…
É esta preocupação em transmitir principalmente formação e não se ficar por meras informações, que torna este livro adequado para “miúdos” e “graúdos”, principalmente para alguns “graúdos” que têm por missão ensinar os “miúdos”… isto é… os Professores.
Por tudo isso é para todos nós uma enorme sorte que o Professor Galopim tenha resolvido partilhar a sua mesa de ardósia com os milhares de “netos” que somos todos nós que tiveram a sorte de ter sido seus alunos, ou pelo menos de ter assistido a uma das suas cativantes “conversas” tão cheias de sabedoria e de ternura. Estou certo que o Domingos, a Francisca e o Mateus não se importam de ter em torno da SUA mesa de ardósia mais uns quantos (muitos) “netos”. Afinal de contas, alguns destes “netos”, como eu, estão já a caminho de… serem “avós”, pois tivemos a sorte de ser alunos do querido Professor Galopim há quase 40 anos… e até já foram professores do Nuno e do Rui, os filhos do Professor!
Com muita amizade, um enorme obrigado ao Professor por nos ter convidado para a sua mesa de ardósia… e pela honra de me ter convidado para escrever este prefácio”.

Rui Dias

Professor da Universidade de Évora e director de Centro Ciência Viva de Estremoz.

Indemar Nascimento leva arte para Baixa da Soronha

O evento promovido pelo poeta e rapper Indemar Nascimento e pelo Grupo de Capoeira Raça vai acontecer na primeira quinzena de outubro, durante um domingo, o dia inteiro, quando serão oferecidos corte de cabelo gratuito, oficinas de turbante, apresentações de atrações musicais convidadas, pintura de grafite, uma grade artística e muito mais.
Será servido um almoço a todos os presentes durante o encontro.
Em seguida acontece a edição do Slam da Raça dos Campeões, disputa de poesia, em que poetas da cidade inteira podem se inscrever para o embate poético, que terá premiações aos primeiros colocados.
E, por último e não menos importante, será lançado o EP “Um mundo dentro de outro mundo”, do poeta Indemar, cuja ideia é mostrar a separação dos mundos, em que a Favela é um mundo à parte. O EP tem seis faixas e, na sua maior parte, as músicas abordam temas raciais e sociais, denunciando os desmandos, o preconceito, a discriminação e traz um apelo pela paz e pelo respeito aos direitos humanos. A faixa “Quebra” denuncia o genocídio dos jovens negros nas favelas das grandes cidades brasileiras.
A Soronha é um bairro de Itapuã, em Salvador-BA. O lugar é visto como um quilombo urbano, refúgio, onde os becos e vielas se fazem presente nos olhares, sorrisos e vidas. Uma favela de dores, sorrisos, perdas e amores. A arte você pode ver em cada olhar atento de um moleque onde, infelizmente, se torna homem muito cedo. Os olhares de cada senhora cansada, o descaso e vivência entre o que é “certo” e o que é “errado”. Soronha é outro mundo, um mundo que é invisível a olhos nus, mas extraordinário aos olhos de quem em meio a tanto caos se mantenha de pé firmes. E é neste imenso lugar-sonho que vive o poeta sonhador e semeador de poesias Indemar Nascimento. É ali onde ele pretende realizar o projeto, unir mãos e braços em apertos e abraços, para concretizar a poesia da vida.
O festival tem apoio de amigos de Indemar, bem como de comerciantes da comunidade, todos irmanados na ideia de comunhão, união, luta em prol de um mundo melhor, através da arte e da educação.

Recompensas:
Quem doar entre 10 e 40 reais, terão seus nomes citados durante o evento todos. Nas divulgações nas redes sociais, em textos, também aparecerão os apoiadores.

Quem doar de 40 reais terá seu nome divulgado e levará um CD “Uma alma gritante”, do poeta Indemar Nascimento

Quem doar a partir de 100 reais terá seu nome divulgado, e levará uma camiseta Agonilê

Link da campanha:
https://www.kickante.com.br/campanhas/arte-invade-soronha

https://galinhapulando.blogspot.com.br/2017/08/ajude-arte-invadir-soronha.html

http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=55257

http://www.difundir.com.br/site/c_mostra_release.php?emp=1024&num_release=2I1J6J20NC0QNQT3&ori=V

http://www.iteia.org.br/jornal/ajude-a-arte-invadir-a-soronha

http://portalsoteropreta.com.br/5189-2/

Escritor premiado tachado de “Neomaldito da Internet” lança vigésimo primeiro livro | Escritor Silas Corrêa Leite

O professor Silas Corrêa Leite, jornalista comunitário, conselheiro diplomado em direitos humanos, ciberpoeta e blogueiro premiado, aos 63 anos lança seu vigésimo primeiro livro, entre romances, livros de contos, de poemas, de ensaios, ebooks, edições por demanda e outros. Desta feita, pela Clube de Autores Editores, lança PENSATAS, Ensaios Literários, contendo um compêndio de seus melhores trabalhos em prosa e verso, mais resenhas literárias, ensaios, críticas, artigos, opiniões, humor, etc. Silas Corrêa Leite é de Itararé-SP, autor do Hino ao Itarareense, várias vezes premiado no Mapa Cultural Paulista representando sua cidade histórica que adora tanto. De origem humilde, era aluno “da caixa” do G.E.T.T. Grupo Escolar Tomé Teixeira, de Itararé, tendo sido boia-fria, engraxate, garçom, depois se formando, estando hoje em mais de 100 antologias literárias de renome, inclusive no exterior, e mesmo na FBN-Fundação Biblioteca Nacional. Publica em mais de 800 sites, até na América espanhola, Europa, África e Ásia. Seu estatuto de poeta foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo. Elogiado entre outros por Sólon Borges dos Reis, Ignácio de Loyola Brandão, e ainda por Moacyr Scliar, Ledo Ivo e Carlos Nejar, da ABL-Academia Brasileira de Letras. O Poeta e Professor Silas foi entrevistado pela Márcia Peltier (Momento Cultural/Jornal da Noite/Rede Bandeirantes), no Metrópolis e no Provocações (Antônio Abujamra) da TV Cultura de SP. Aposentado da Prefeitura de SP, filiado da UBE, mora na Vila Sonia e trabalha na sala de leitura da EE Thomazia Montoro. Ganhador entre outros do Prêmio Lygia Fagundes Telles Para Professor Escritor (Gestão Chalita), vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores, promovido pela USP-Universidade de São Paulo, Jornal Estadão, Rádio Eldorado e grupo Parceiros do Tietê, Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (Gestão Marilena Chauí, Secretaria Municipal de Cultura), Prêmio Literal (Fundação Petrobrás/Curadoria Heloisa Buarque de Holanda), Prêmio Instituto Piaget, Portugal, também foi destaque na chamada grande imprensa, como Estadão, Diário Popular, Revista Época e mesmo na rede televisiva, quando criou o primeiro livro interativo da internet, o Rinoceronte de Clarice, que virou tese de mestrado e de doutorado na UFAL. Silas participa de congressos, palestras, saraus, encontros literoculturais em escolas, universidades, etc, colaborando com revistas, jornais, fanzines, suplementos culturais. Como professor é especialista em educação (Mackenzie), Bolsista em Culturas Juvenis pela FAPESP-USP, e livre pensador humanista que defende a arte como libertação.

Contatos: poesilas@terra.com.br

Façam Silêncio | Poema de Pablo Neruda com narração de Mundo Dos Poemas

Pablo Neruda, nascido Ricardo Reyes Basoalto, foi um poeta chileno, considerado um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha (1934 — 1938) e no México. Recebeu o Nobel de Literatura em 1971, enquanto ocupava o cargo de embaixador na França, nomeado pelo então presidente chileno Salvador Allende. 

O cruel realismo do cais do porto | Os Vira-latas da Madrugada, de Adelto Gonçalves | por Maurício Silva

I

Mais de uma vez se chamou a atenção do público-leitor para uma curiosa contradição que parece ter-se instalado de maneira sólida e obstinada no universo literário brasileiro, a qual não nos custa repetir: enquanto a recente produção literária nacional revela-se impressionantemente criativa, ela recebe, em contrapartida, um tratamento incompatível com sua qualidade estética, principalmente nos meios de comunicação e nos canais de divulgação artística, isto quando não são relegadas ao completo ostracismo, resultado de um silêncio ao mesmo tempo pérfido e cruel. Tal constatação pro cura, antes de mais nada, colocar por terra a propalada tese de que a literatura nacional estaria vivendo uma grave e crônica crise criativa, opinião assentada antes sobre um imponderado exercício de impressionismo crítico, do que sobre uma análise imparcial da atual realidade estética de nosso país.

Exemplo claro, entre outros, de uma literatura em muitos aspectos reveladora – e, sintomaticamente, pouco lembrada pela crítica – é a obra literária do jornalista e escritor Adelto Gonçalves, que com o seu premiado romance Os Vira-latas da Madrugada (1981) está por merecer um lugar de destaque dentro da mais recente produção literária nacional. Natural da litorânea cidade de Santos e tendo dedicado grande parte de sua atividade profissional ao jornalismo, Adelto Gonçalves é um típico exemplo do descaso que a crítica literária contemporânea tem devotado aos mais novos escritores.

Tal descaso, contudo, revela-se de todo injustificado: manipulando basicamente duas categorias universais distintas – o homem e o meio –, Adelto Gonçalves procura, em seu romance, retratar o embate travado entre ser e espaço, entre o físico e o humano, embate este marcado por uma forte carga emotiva e realista. Neste sentido, não nos parece demasiado exagero afirmar que o autor se coloca, embora em menor grau, entre alguns dos continuadores da tradição literária que reconhece no espaço um componente privilegiado do romance, elemento no qual o ser alcançaria sua plena realização ou a sua mais absoluta decadência.

Assim, poder-se-ia inserir sua obra, feitas as devidas ressalvas, na categoria do que a teoria literária convencionou chamar de “romance de espaço”1, em que talvez pudéssemos introduzir nomes tão relevantes como os de José Eustasio Rivera (La Vorágine), Euclides da Cunha (Os Sertões) e Rómulo Gallegos (Doña Bárbara), para ficarmos apenas nos latino-americanos. Logicamente, semelhante observação não busca dar ao romance de Adelto Gonçalves o mesmo grau de importância desses que, indubitavelmente, podem ser considerados verdadeiros clássicos da Literatura Latino-Americana, mas apenas revelá-lo como mais um dos originais herdeiros de tão fecunda tradição.

Deste modo, se nas obras aqui citadas o que se verifica, acima de tudo e num primeiro instante, é a disputa que acirradamente trava o homem e a floresta (Rivera), o homem e o sertão (Cunha) e o homem e a planície (Gallegos), em Os Vira-latas da Madrugada o mesmo embate pode ser percebido entre o homem e o cais do porto, um espaço, como todos os demais aqui aludidos, marcado por características peculiares, por normas e leis próprias, por uma realidade singular.

II

O romance de Adelto Gonçalves desenvolve-se em Paquetá, bairro da zona portuária de Santos, onde aliás o autor viveu a maior parte de sua vida. É um romance de muitas personagens, embora com pouco destaque para elas, já que, como fora aludido, é o componente espacial que ganha maior relevo no decorrer dos acontecimentos; a existência trágica, o sofrimento cotidiano, a luta homérica contra um meio físico subversivo parecem ser o elo inexorável que liga figurantes e personagens a um destino comum. No rastro desses elementos, o autor procura dar aos acontecimentos um caráter documental, seja por vários de seus episódios estarem assentados em f atos do cotidiano, trazidos à tona por meio das reminiscências do próprio autor (“eu era muito pequeno, quando algumas destas histórias aconteceram”)2, seja pela tentativa confessada do autor em colocar em seu romance personagens que um dia existiram de fato. Não obstante o romance tender ao documental, Adelto Gonçalves não hesita em rechaçar qualquer intenção em fazê-lo histórico (“não pretende este livro uma imagem de histórico”, p.31).

Analisando o cenário em que os episódios se desenrolam, percebe-se que, com uma habilidade inquestionável, Adelto Gonçalves desloca a narrativa de cenário tradicional, caracterizada pela dicotomia cidade/campo, para uma realidade totalmente nova e diferente – o cais do porto. Sem ser campo, mas também sem chegar a ser completamente cidade, o cais do porto parece situar-se numa zona limítrofe, num indefinível meio-termo, universo norteado por uma espécie curiosa de natural dicotomia: contém, ao mesmo tempo – e numa mistura que apenas um espaço com características tão originais poderia conter –, particularidades tanto do campo quanto da cidade, o que nos permite reformular nossa afirmação anterior: para além de ser uma região dicotômica, o cais do porto é, sobretudo, um espaço híbrido.

Por ser híbrido, ele também agrupa em si o arcaico e o moderno, trazendo consigo todas as infinitas contradições que esta mistura pode acarretar: excessos, desvios e, principalmente, injustiças. Caberia, a esta altura, perguntar em que o meio físico do cais, stricto sensu, se difere dos demais. Em que, realmente, ele é peculiar? Uma simples análise da descrição que o autor faz do local parece-nos suficiente para que estas peculiaridades aflorem em definitivo:

“mais adiante, viu novamente os armazéns das docas, uma locomotiva passando rápida, solitária, os guindastes que se sobressaíam além do teto dos armazéns. De vez em quando, um caminhão passava, em meio aos buracos, espirrando lama das poças fétidas – um cheiro de mistério como o de todos os portos do mundo. E perdeu-se na zona do Golfo: à esquerda, um sem-fim de armazéns amarelos, sujos, descaiados – cargas em fileiras nas ruas, cobertas por encerados, um policial adiante –, à direita, uma longa fila de botequins – mulheres desenxabidas sentadas às portas, olhando a chuva batendo nas pedras das ruas, nas latas vaz ias” (p. 21).

III

Guindastes e botequins, lama e prostitutas, música e locomotiva: tudo parece contribuir de maneira inusitada para a composição de um cenário francamente grotesco; a conformar sua paisagem, há ainda a presença sugestiva de morcegos e ratos, da densa lama a se espalhar continuadamente por todo o cais, da atmosfera decadente do local, além de sua aparentemente natural subversão.3

No limite, contudo, é o elemento humano que faz do cais o que ele realmente é, fisicamente ou não: um mundo à parte, marcado pela violência e pela injustiça, pela extrema individualidade e absurda inconsequência, pela trágica fatalidade a se refletir nos olhos dos homens e pela contundente tristeza a dissimular-se no sorriso acanhado das mulheres:

“mas igual a este beira-cais, como dizem os velhos marinheiros, não existe lugar em outra parte do mundo. Aqui é onde as mulheres das ruas já não brigam mais por causa da traição do amante, mas porque a outra lhe roubou o freguês; onde os moleques, vira-latas da madrugada, percorrem a noite inteira em busca de um otário, roubam os bêbados caídos nas calçados, dormem com os pederastas e vivem de pequenos furtos (…); onde os pretos esfarrapados se deitam nos vãos de porta e dormem com o cuspe grosso de cachaça escorrendo no canto da boca e sonham com a família que não tiveram e com a moça loira que anuncia Coca-cola (…); on de as pessoas têm a cor do rosto amarelada, pálida, os olhos fundos, o cabelo ensebado, a pele macilenta como a dos jogadores de sinuca” (p. 33).

E assim chegamos ao outro pólo do embate que – ao lado do espaço romanesco – a obra de Adelto Gonçalves procura retratar: o humano. Em Os Vira-latas da Madrugada, as cenas como que se desprendem das páginas do livro para preencher um espaço na mente do leitor: não são cenas simples, comuns, mas antes passagens dotadas de uma intensa complexidade existencial, que se esconde por detrás de cada ato realizado ou de cada palavra proferida.

Uma questão social se impõe logo de início: Os Vira-latas da Madrugada são um romance dos marginalizados. Em suas páginas, prolifera-se todo um universo por meio do qual o autor procura revelar a crua e violenta realidade do cais, onde bêbados e prostitutas disputam um espaço nos botequins, onde meninos de rua partem em busca de algum dinheiro fácil, onde trabalhadores tristes e solitários – embrutecidos pelo ofício duro e desvalorizado – pervagam sem destino pelas ruas enlameadas. Assim, temos um quadro de relações sociais completamente subvertidas nesse mundo em que reinam a malandragem, o poder perverso e a exploração.

Entre o patético e o selvagem, há a dura realidade – seja ela a realidade da prostituição, seja ela a realidade do poder. Assim, aos olhos de Sula, a realidade de uma existência prostituída – mais do que a de um corpo prostituído – mistura-se melancolicamente com o seu passado ideal, agora, mais do que nunca, distanciado do presente; e esta é apenas mais uma das muitas mulheres que cumprem rigorosamente um destino marcado pela humilhação, pela violência e pela tragédia pessoal. No que diz respeito à realidade do poder, também pode-se perceber no romance todas as suas perversões, todos os seus desvios, quer se trate do poder político constituído, do poder policial-repressor ou do poder da coerção social.

O que sobra de tudo isso é uma compreensão profundamente pessimista da realidade, a qual é compartilhada por quase todas as personagens do romance, mas particularmente por Marambaia.

Também o leitor é tomado, de certa maneira, pelo clima pessimista que logo se impõe: acompanhando de perto a narração dos acontecimentos no cais, ele passa, involuntariamente, a sofrer com as personagens da história, compartilhando de seus anseios e angústias, de suas tristezas e desgostos, de seus tormentos e aflições.

As últimas palavras do autor marcam o encerramento do romance, mas também atam as duas pontas de um fio narrativo que vinha percorrendo toda a obra. Sua conclusão revela-se particularmente constrangedora – como o próprio autor faz-nos perceber, trata-se de uma autêntica confissão, onde se pode facilmente distinguir a mescla de dor e revolta que a conforma:

“as vozes que me trouxeram até aqui já não ouço mais. Estão mortas, estão assassinadas. Este irregular relato é só uma homenagem a essas vozes que se calaram cansadas de testemunhar tanta ignorância e violência em nome de valores morais que a ambição já desmoralizou há muito tempo” (p. 163).

Suas cruéis histórias, por isso, são tão mais cruéis quanto mais reais se tornam com o tempo.

Notas

1 KAYSER, Wolfgang. Análise e Interpretação da Obra Literária. Introdução à Ciência da Literatura. Coimbra, Arménio Amado, 1976.

2 GONÇALVES, Adelto. Os Vira-latas da Madrugada. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981. Todas as referências a esta obra serão retiradas desta edição, doravante aparecendo apenas o número da(s) página(s) em que se encontram.

3 Para uma definição sucinta do grotesco, consultar: MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo, Cultrix, 1978, e KAISER, Wolfgang. O Grotesco. São Paulo, Perspectiva, 1976.

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(*) Publicado em Sentidos Secretos – Ensaios de Literatura Brasileira (São Paulo, Editora Altana, 2005, págs. 137-144) e em Leopoldianum. Revista de Estudos e Comunicações, Santos, vol. XX, nº 56: 144-149, abr. 1994.

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Os Vira-latas da Madrugada, de Adelto Gonçalves, 2ª edição, com prefácio de Marcos Faerman, apresentação de Ademir Demarchi, posfácio de Maria Angélica Guimarães Lopes e ilustrações e capa de Enio Squeff. Taubaté-SP: Associação Cultural Letra Selvagem, 216 págs., 2015, R$ 35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br Site: www.letraselvagem.com.br

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(**) Maurício Silva possui doutorado e pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo; é professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação, na Universidade Nove de Julho (São Paulo); atuou como pesquisador da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro de 2012 a 2013 e, atualmente, é pesquisador residente da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo; é autor de A Hélade e o Subúrbio. Confrontos Literários na Belle Époque Carioca (São Paulo, Edusp, 2006), A Resignação dos Humildes. Estética e Combate na Ficção de Lima Barreto (São Paulo, Annablume, 2011), e O Sorriso da Sociedade . Literatura e Academicismo no Brasil da Virada do Século (1890-1920) (São Paulo, Alameda, 2012), entre outros.

Poeta da Bahia sugere Salário Mínimo para Políticos Brasileiros | Valdeck Almeida de Jesus

Em tempos de Operação Lava Jato e tantos desdobramentos de investigações, denúncias, delações premiadas, investigações de toda sorte, envolvendo políticos e iniciativa privada, o jornalista e poeta baiano Valdeck Almeida de Jesus lança uma ideia inusitada, irônica, mas que não deixa de ser uma aposta para passar o Brasil a limpo, preservar instituições e favorecer, em primeiro e em todos os planos, as pessoas, o povo, a base que sustenta a nação. É uma espécie de projeto de lei, ou estatuto, como queiram.

O Estatuto do Político Brasileiro propõe, dentre outras medidas, que qualquer político, eleito ou indicado para cargos de ministro, conselheiro e que tais, recebam apenas um salário mínimo mensal, claro, com todos os acréscimos e descontos legais, cumpram oito horas de trabalho de segunda a sexta-feira e, aos sábados, peguem no batente até o meio dia. Além disso, deverão tais autoridades andar de ônibus comum, como todo mundo, comer marmita na hora do almoço, usar o Sistema Único de Saúde etc.

Abaixo, está o texto integral da proposta, que já foi enviada para muitas das autoridades que devem cumprir o estatuto, até agora sem qualquer resposta.

ESTATUTO DO POLÍTICO BRASILEIRO

Dá nova redação a qualquer lei anterior que estabeleça valores de salário, remuneração, subsídio, gratificação, verba parlamentar, ajuda de custo, penduricalho, etc para políticos, nos municípios, estados, União e Distrito Federal. Dispõe sobre alguns direitos dos políticos.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Todo e qualquer político, seja Vereador, Prefeito, Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador, Ministro de Estado, Senador e Presidente passa a ter como salário, remuneração, subsídio, gratificação, verba parlamentar, ajuda de custo etc o mesmo valor que um trabalhador comum recebe, ou seja, um salário mínimo nacional, sem qualquer acréscimo. O órgão público a que o político estiver vinculado fará depósito relativo ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, na forma da lei.

§ 1º Do salário serão descontados Vale Transporte, INSS e outras vantagens que forem negociadas.

§ 2º Serão acrescidos, na forma da lei, valores relativos a Salário Família e outras que a lei determinar.

§ 3º Os políticos terão direito a Carta Social – postagem de cinco cartas por mês, ao preço de R$ 0,01 (hum centavo), direito a concorrer à “Minha Casa, Minha Vida”, Bolsa Família, e outras vantagens concedidas a famílias de baixa renda, devidamente comprovados através de certidões, declarações, documentos etc.

§ 4º Os políticos terão direito a um mês de férias a cada doze meses efetivamente trabalhados, com acréscimo de 1/3 do salário mínimo e ao décimo terceiro salário, ao final de cada ano.

§ 5º Os políticos terão direito ao Salário Família, calculado na forma da legislação em vigor.

§ 6º Os políticos não podem fazer leis ou regulamentos que beneficiem a si, parentes ou a amigos.

§ 7º Os políticos serão avaliados pela produção de leis, regras, regulamentos, debates em prol do país, e terão descontados do salário valores a serem estipulados em lei complementar se houver qualquer discussão inócua, debate de assuntos sem importância e propositura de leis que piorem a situação dos brasileiros.

Art. 2º. Nenhum político terá carro oficial nem despesas de transporte paga com dinheiro público.

Paráfrafo Único – A segurança privada de políticos está terminantemente proibida. Todos os políticos terão a proteção da polícia, igual aos demais cidadãos.

Art. 3º. Nenhum político terá qualquer ajuda de custo, seja moradia, correio, viagens de avião ou de qualquer outro meio de transporte, ajuda para gabinete, funcionário, comida, paletó etc.

Art. 4º. Nenhum político terá foro privilegiado, ou seja, não serão julgados pelos Tribunais Superiores. Qualquer crime cometido será investigado pelas polícias militar e civil, e serão presos nas delegacias públicas e presídios comuns, sem direito a cela especial.

Art. 5º. Nenhum político poderá viajar para o exterior, pois seus salários não serão suficientes para este tipo de viagem.

Art. 6º. Nenhum político poderá comer em restaurantes de luxo. Cada um terá que levar para o trabalho sua marmita, quentinha, marmitex ou similar.

Art. 7º. Nenhum político poderá usar serviço de saúde ou plano de saúde particular, devido ao alto custo. Cada um receberá o Cartão Cidadão, para utilizar os serviços do Sistema Único de Saúde – SUS. Em caso de tratamentos ou cirurgias de alto custo, deverão entrar na fila de regulação ou, caso sejam recusados, têm o direito de entrar na justiça para pedir liminares. Estão proibidos de usar taxi, uber ou outros serviços especiais de transporte.

Art. 8º. Nenhum político poderá utilizar avião nem veículos de luxo. Eles deverão usar os ônibus comuns, e para isso receberão vale transporte que será descontado do salário mensal.

Art. 9. Nenhum político poderá trabalhar menos que um trabalhador comum, ou seja, deverão bater ponto às 8hs, terão intervalo para comer a quentinha às 12hs, descansarão um pouco e voltarão ao batente às 14hs, devendo sair do serviço às 18hs. Não terão direito a hora extra, portanto, não podem permanecer no recinto após o expediente.

Parágrafo Único – Todos os políticos terão obrigação de trabalharem de segunda a sexta-feira, nos horários já citados, e aos sábados até o meio dia, descansando aos domingos.

Art. 10º. Todos os políticos serão revistados na entrada e na saída do trabalho, nos moldes das leis vigentes, como acontece com trabalhadores comuns.

Art. 11º. Todos os políticos deverão sofrer baculejo nos ônibus, como os demais cidadãos brasileiros, durante blitzes das polícias.

Art. 12º. Todo político deverá passar pelas mesmas situações que pessoas comuns nas abordagens policiais de rotina.

Art. 13º. Todos os políticos devem matricular seus filhos em escolas públicas, sem qualquer privilégio.

Parágrafo Único – Qualquer tentativa de matricular filhos e/ou dependentes em escolas particulares, escolas de idioma, viagens de intercâmbio cultural ou similares, será severamente investigada e punida, na forma da lei.

Art. 14º. Todos os políticos devem morar em residências comuns, pois seus salários não serão suficientes para residir em condomínio de luxo, hotéis, mansões, paraísos, ilhas particulares etc.

Art. 15º. Todos os políticos que tiverem doenças graves, crônicas e incuráveis terão direito a receber remédio de graça nas farmácias populares, como os cidadãos de bem da nação.

Art. 16º. Todos os políticos terão direito à aposentadoria digna, de um salário mínimo mensal, após 49 (quarenta e nove) anos de contribuição ininterrupta, ao completarem 65 (sessenta e cinco anos de vida). Aqueles que conseguirem comprovar as contribuições receberão 51% do salário mínimo, mais 1% por cada ano de contribuição, sendo vedada qualquer aposentadoria que ultrapasse o salário mínimo.

Parágrafo Único – Aos políticos fica vedado contribuir para Previdência Privada ou qualquer tipo de investimento similar, devido ao seu salário ser o mínimo e não sobrar para despesas desnecessárias. Qualquer tentativa de ingresso em planos de previdência que não seja o oficial será investigada e punida.

Art. 17º. Aos políticos é vedado receber e/ou pagar vantagens, em dinheiro ou bens, materiais ou serviços, em qualquer época, nas campanhas, nas eleições ou no exercício do mandato, sob pena de prisão e perda do direito ao salário e à aposentadoria, bem como devolver aos cofres públicos, com juros e correção, todos os valores recebidos a título de salário ou aposentadoria.

Art. 18º. Aos políticos é vedado ter acesso a horário gratuito em qualquer meio de comunicação, mesmo via internet ou redes sociais, para fazer campanha ou propaganda de suas realizações. A campanha deverá ser feita de porta em porta, sem alarde, sem colagem de cartazes ou banners, sem atrapalhar o sono e sossego da população, sem troca de favores, promessas de favorecimento etc.

Art. 19º. Os direitos e deveres não previstos neste estatuto serão analisados por uma comissão, sem prazo para conclusão.

Art. 20º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Sala das Sessões, 1º de abril de 2017

Valdeck Almeida de Jesus
– poeta, jornalista, blogueiro e escritor.
poeta.baiano@gmail.com
71 99345 5255

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Em busca das raízes no Brasil profundo | Nicodemos Sena | Adelto Gonçalves

O homem, através dos tempos, sempre sonhou com o retorno às suas raízes, ou seja, à terra de seus pais e avós ou mesmo ao local onde nasceu e de onde saiu para ganhar o mundo. Talvez tenha sido assim desde a Antiguidade, como se pode ler em A Odisseia, grande obra clássica e épica do poeta grego Homero (século VIII a.C.), que conta a história de Ulisses (Odisseu), rei de Ítaca, ilha supostamente localizada no mar Jônico, que seria casado com Penélope e tinha um filho, Telêmaco.

Quando Páris, príncipe troiano, raptou Helena, a mulher mais bela do mundo e esposa de Menelau, rei de Esparta, preparou-se uma expedição contra Troia, na qual Ulisses tomou parte ativa. Durante os dez anos do cerco a Troia, Ulisses teve um papel decisivo. Depois, com as feridas cicatrizadas, levou mais dez anos para retornar a sua Ítaca, onde estavam suas raízes, a pátria de seus sonhos. Mas o importante da história não é o seu retorno, mas a longa e sobressaltada viagem que fez para voltar para casa.

Com isso, parece que Homero queria dizer que todo homem sempre sonha com o seu retorno às raízes, o eterno retorno, de que dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Se tudo retorna eternamente, o futuro já é um passado; e o presente é tão passado quanto o futuro, dizia o filósofo. Em Assim Falou Zaratustra (1883-85), Nietzsche retoma a ideia do devir formulada por Heráclito (535a.C-475a.
C), segundo a qual tudo flui, tudo muda, tudo passa e tudo retorna, girando assim a roda deste mundo.

Em A insustentável leveza do ser, Milan Kundera conta que, certa vez, ao folhear um livro sobre Adolf Hitler (1889-1945), emocionou-se com algumas fotos do ditador, pois lhe lembravam o tempo de sua infância. “Essa reconciliação com Hitler trai a profunda perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente permitido”, escreveu.

Já o filósofo romeno Mircea Eliade (1907-1986), em O mito do eterno retorno, lembra que este mito existe em todas as religiões, pois reconstitui a passagem do tempo, o percurso entre o começo e o fim, a vida e a morte. Para Eliade, ao narrar um mito, reatualizamos, de certa forma, o tempo sagrado no qual se sucederam os acontecimentos de que falamos, como diz em Imagens e símbolos (1961) É esse tempo sagrado que nos ficou na memória que, de certo modo, todo homem procura reconstruir, ao buscar suas raízes.

Foi, aliás, o que este crítico procurou fazer em janeiro de 1990, quase quarentão, depois de entrevistar o escritor catalão Eduardo Mendoza, em Barcelona, para um trabalho de mestrado na Universidade de São Paulo (USP), ao viajar de trem até Vigo, na Galiza, e de lá de caminhoneta rumo ao Porto, para no dia seguinte buscar na freguesia de Carvalhosa, comarca de Paços de Ferreira, no Norte de Portugal, o lugar de Peias e possíveis vestígios da sua família paterna, 60 anos depois que seu pai largara aquela terra para nunca mais vê-la. Levado por um parente compungido, conhecido no local e na hora, porém, o que encontrou foram só os retratos dos avós numa lápide do cemitério do vilarejo, imagens que já trazia na lembranç ;a, pois eram as mesmas fotografias que costumava ver nas mãos do pai, que perdera aos 14 anos de idade.

De certo modo, é o relato de viagem semelhante, ao interior de si mesmo e, portanto, de volta às raízes, o que o leitor vai encontrar em Choro por Ti, Belterra!, narrativa de Nicodemos Sena, publicado originalmente como folhetim em 2014 no jornal O Estado do Tapajós, de Santarém do Pará, na Amazônia brasileira, cidade natal do escritor. A diferença é que Nicodemos Sena teve a oportunidade (e a felicidade) de, cinquentão, em 2014, levar o pai Bernardino Sena, então com 78 anos de idade, para ver o que restara, mais de seis décadas depois, do lugar em que vivera “cinco inesquecíveis anos de sua vida juvenil”.

Em 19 episódios, Nicodemos Sena reconstitui o dia em que fez essa viagem de retorno às origens em companhia de seu pai, depois de um percurso de algumas horas pela rodovia Santarém-Cuiabá, até entrar numa estradinha de terra que leva à Estrada Um e, enfim, às ruínas da cidadezinha de Belterra, que na década de 1940 fora dirigida pela Ford Motor Company, empresa do magnata norte-americano Henry Ford (1863-1947), que, em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tentaria fazer da extração da borracha uma atividade lucrativa, fornecendo os pneumáticos necessários para movimentar os veículos militares.

Não se pode dizer que se trata de um romance nem tampouco de um conto que se tenha derramado por causa de uma prosa poética. Não é também uma simples reportagem, pois não constitui a mera literalização dos acontecimentos de um dia na estrada. Neste caso, cada encontro no caminho com esporádicos moradores perdidos naquelas paragens do Brasil profundo serve como motivo para um ou mais comentários, como aquele episódio em que o cronista depara-se, em meio ao tórrido calor do meio-dia amazônico, dentro de um casebre em que não havia água encanada e muito menos tratada, com uma menina que não parava de manipular a tela de um telefone celular.

É, isso sim, um texto híbrido que se assume como uma crônica repassada de lirismo, uma narração das vicissitudes vividas pelo narrador em companhia do pai, que faz, com a ajuda do filho, uma viagem de retorno à infância para reencontrar todos os fantasmas que ainda assolam seus pensamentos.

Ou ainda uma narrativa poética que, ao reunir musicalidade e metaforização, faz com que o narrador desfie o novelo da memória, em tom de conversa com o leitor em que não dispensa nem mesmo citações de autores, como o português Fernando Pessoa (1888-1935), o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), o mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e o norte-americano William Faulkner (1897-1962). Como se sabe, o que une esses autores de nacionalidades tão distintas é a construção metafórica de um lugar mítico, que existe só na alma do próprio autor, como “o rio da minha aldeia” do heterônimo pessoano Alberto Caeiro. Em resumo, o texto dialoga com o mito do eterno retorno, ao praticar a intertextualidade com discursos canônicos, reconstruindo, dessa forma, metáforas da precária condição humana.

Autor de livros que já se tornaram referências obrigatórias dentro da Literatura Brasileira, como os romances A espera do nunca mais (1999), A noite é dos pássaros (2003) e A mulher, o homem e o cão (2009), trilogia que constitui uma saga amazônica, Nicodemos Sena mostra em Choro por ti, Belterra! que pode ser também considerado um cronista da estirpe de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Rubem Braga (1913-1990) ou Fernando Sabino (1923-2004).

A diferença é que, em vez da fugacidade dos registros do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro que se leem nas crônicas daqueles grandes mestres, o que o leitor descobrirá nestes episódios é não só Amazônia que é vista ainda como exuberante paraíso tropical, mas também aquela que governantes corruptos permitiram que continuasse a ser destruída, tomada por aventureiros “gananciosos e cruéis, os quais, sem escrúpulos, saqueiam e depredam os bens da terra, auxiliados por ‘mucamas’ e ‘mordomos’ (degenerados filhos da terra) que, a troco de migalhas e posições, passaram-se para o lado dos inimigos”.

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(*) Apresentação escrita especialmente para o livro Choro por ti, Belterra! (págs. 7/11).

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Choro por ti, Belterra!, de Nicodemos Sena, com apresentação de Adelto Gonçalves. Taubaté-SP: Editora LetraSelvagem, 192 páginas, R$ 30,00, 2017. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br Site: www.letraselvagem.com.br

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(**) Adelto Gonçalves, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros.

‘Ladeira do Tempo-Foi’ | um romance machadiano | Adelto Gonçalves

I

É como se Machado de Assis (1839-1908) tivesse vivido mais meio século e tido a oportunidade de passar os seus derradeiros anos no tradicional bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro da década de 1950, recolhendo material e passando para o papel o que vira e sentira em meio aos seus moradores. É assim que se haverá de sentir o leitor ao acabar de ler o romance Ladeira do Tempo-Foi (Rio de Janeiro, Synergia Editora, 2017), do arquiteto e professor Helio Brasil, sua segunda experiência no gênero.

Obviamente, este já é outro Rio de Janeiro que se percebe neste livro, se comparado aos romances machadianos, mas a alma das ruas é a mesma, bem como os seus logradouros, praças, calçadas, ladeiras, portões, sobradões, janelas, esquinas, quartéis, mercearias, armarinhos, botequins, igrejas e escolas. Até porque quem o descreve é um carioca de quatro costados, nascido e vivido em São Cristóvão, autor de outro livro que igualmente resgata o bairro, São Cristóvão – memória e esperança (Rio de Janeiro, Prefeitura do Rio de Janeiro/Editora Relume Dumará, 2004), que viria a ser reeditado em 2016 pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (Faperj) na obra coletiva Cantos d o Rio – imagens literárias de bairros e localidades cariocas, volume que reúne 13 textos.

E que, em sua primeira experiência no romance, A última adolescência (Rio de Janeiro, Editora Bom Texto, 2004), já havia explorado a mesma paisagem de São Cristóvão, a exemplo do que faria em vários contos. Para ele, São Cristóvão é metaforicamente um território pessoal de vivências ou “uma bela e colorida amostragem do brasileirismo e do carioquismo”, como diz na dedicatória. Em outras palavras: Ladeira do Tempo-Foi constitui uma bem sucedida, onírica e proustiana busca de um tempo perdido na memória do autor.

Sem contar que o seu saboroso estilo é indisfarçavelmente inspirado no texto machadiano, ainda que adaptado aos nossos dias. Enfim, trata-se de “uma viagem ao mundo carioca e brasileiro dos meados do século XX, conduzida com vigor narrativo neste romance que surpreende a cada passo”, como bem observa Gustavo Barbosa, escritor, professor, consultor editorial, consultor de comunicação, editor e produtor de conteúdo multimídia, no texto de apresentação que escreveu para este livro.

II

Num cenário que lhe é extremamente familiar, o romancista cria (ou transporta personagens reais para a ficção?) uma ampla galeria de personagens – imigrantes portugueses e espanhóis, professores, comerciantes, senhorios, burocratas, donas de casa, prostitutas, policiais, malandros, boêmios, pobres, ricos e remediados, brancos, gringos e portugas, pretos e mulatos, trabalhadores braçais, funcionários e doutores e outros tipos típicos das ruas cariocas daquele tempo, por onde ainda se podia andar sem medo de ser surpreendido por uma bala perdida.

É nesse ambiente que o leitor vai acompanhar a vida do professor Carlos Jordão, morador na Ladeira do Tempo-Foi, ao pé do morro, leitor assíduo de estudiosos como Anísio Teixeira (1900-1971) e Gilberto Freyre (1900-1987), casado com Leonor, de família açoriana chegada havia pouco ao Brasil, mãe de seu filho recém-nascido Felipe e moça “esculpida pela educação camponesa, mas não rústica”. Viviam num sobrado, vizinhos de outras famílias, mas alimentavam o sonho de abrir uma conta na caixa econômica para fazer um pé-de-meia e comprar uma casa, para escapar daquela vizinhança de gente pobre.

A vida familiar vai bem até que, um dia, chegam num caminhão de mudanças os rústicos e poucos móveis de uma vizinha, Idália, jovem pobre, ex-operária da fábrica de tecidos de Bangu, que traz apenas o seu filho, Lula, menino doente, deficiente mental. E vai morar no porão do velho sobrado. Acontece que a morena Idália é também uma mulher de formas exuberantes, que atrai o olhar dos homens nas ruas por onde passa. E o seu cheiro feminino começa a inebriar também o jovem professor.

Nasce, então, um romance às escondidas entre o professor e a morena, que não é interrompido nem mesmo quando a mulher é despejada do porão do sobrado por falta de pagamento do aluguel. Sem alternativa, ela vai viver num sobrado da Rua Riachuelo, perto da Lapa, que fora transformado em rendez-vous.

Idália vira prostituta, mas continua a receber entre os seus clientes o jovem professor, embora fosse perseguida por seu antigo amante, o rufião Ranulfo. A vida familiar do professor é, então, abalada por uma denúncia anônima que vem num papel mal escrito e faz a açoriana largar a casa, levando consigo o filho Felipe. O lar burguês só seria refeito quando ocorre a tragédia que marca o romance: Idália e o filho doente, um dia, seriam mortos a facadas pelo malandro Ranulfo.

III

Se o Rio de Janeiro – e, por extensão, o Brasil – e o contexto em que se passa o romance já não são aqueles das obras de Machado de Assis, ainda havia na sociedade brasileira da década de 1950 os sinais do clientelismo e do patriarcalismo que, ao lado da escravidão, constituíam as formas sociais que dominavam o País à época machadiana. Os conflitos de classe seriam, praticamente, os mesmos e o professor Jordão, ainda que não fosse alguém que pudesse ser visto como uma pessoa bem posta na vida, não poderia assumir publicamente o seu relacionamento com a lasciva mulata Idália.

Outro personagem que parece saído de um romance machadiano – mas, quem sabe, seja antes o protótipo do brasileiro médio – é o professor José Lírio, colega de Jordão na escola municipal do bairro, o Ginásio Santa Cordélia, onze anos mais velho, casado, mas que mantém um romance igualmente clandestino com uma aluna, Ana Luíza, 17 anos declarados, mas que, na verdade, seria uma adolescente de apenas 15 anos.

Empregado também num ministério da República, Lírio transitava com certa facilidade nos corredores da política no Distrito Federal. E, com o retorno de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder, agora por meio de eleições livres, e a entrada no Ministério da Educação de Simões Filho (1886-1957), respeitado intelectual, via a oportunidade de cavar para si e para o colega de trabalho no Santa Cordélia uma colocação no grupo que haveria de preparar um livro encomiástico sobre a trajetória de Vargas. Um seria assessor do outro.

Como se vê, a exemplo de Machado de Assis, a visão que Helio Brasil tem de seus personagens não é sentimental, mas realista. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de reconhecer no autor um tom saudosista do tempo que ele mesmo viveu no bairro de São Cristóvão. Tudo isso faz deste livro um dos lançamentos mais auspiciosos da Literatura Brasileira neste começo de século XXI.

IV

Helio Brasil (1931), nascido no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, é formado em 1955 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, hoje BNDES), entre 1955 e 1984, tendo realizado projetos para as instalações da instituição. Projetou edifícios comerciais, industriais e residenciais no Rio de Janeiro e em outros Estados. Foi professor da disciplina Projeto de Arquitetura, durante vinte anos, na Universidade Santa Úrsula, na UFRJ e na Universidade Federal Fluminense (UFF).

É autor de São Cristóvão – memória e esperança; O anjo de bronze e outros contos (Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 1994); A última adolescência; Tempos de Nassau: um príncipe em Pernambuco, ficções, com vários autores (Rio de Janeiro, Bom Texto, 2004); Cadernos (quase) esquecidos (crônicas autobiográficas, edição de autor) e Pentagrama acidental (novelas, Editora Ponteio, 2014). É co-autor com Nireu Cavalcanti de O Tesouro – O Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Pébola Casa Editorial, 2015) e com José Rezende Reis de O Solar da Fazenda do Rochedo e Cataguases (memórias, Synergia Editora, 2016), em segunda edição. Participou ainda de coletâneas de contos das editoras Uapê, Bom Texto e 7Letras.

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Ladeira do Tempo-Foi, de Helio Brasil, com texto de apresentação de Gustavo Barbosa. Rio de Janeiro: Synergia Editora, 220 págs., R$ 40,00, 2017. Site: www.synergiaeditora.com.br

E-mail: synergia@synergiaeditora.com.br

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(*) Adelto Gonçalves é mestre em Língua e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entr e outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Centro Lusófono russo traduz | contos de 32 autores brasileiros | Prof. Vadim Kopyl

SÃO PETERSBURGO – Os professores-tradutores do Centro Lusófono Camões, da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, já traduziram contos de 32 autores brasileiros contemporâneos que vão figurar em edição impressa russo-portuguesa a ser publicada pela instituição com o apoio da Embaixada do Brasil em Moscou.

Segundo o diretor do Centro Lusófono Camões, professor Vadim Kopyl, responsável pela publicação, a edição será dedicada à memória de Dário Moreira de Castro Alves (1927-2010), ex-embaixador do Brasil em Portugal (1979-1983), e do padre Joaquim António de Aguiar (1914-2004), fundador e diretor do Colégio Universitário Pio XII, de Lisboa, e presidente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, considerado co-fundador da instituição.

Castro Alves exerceu postos na Embaixada do Brasil em Moscou e foi chefe de gabinete no Ministério das Relações Exteriores e presidente do Conselho Permanente da Organização de Estados Americanos (OEA), em Washington. Sócio-honorário do Centro Lusófono Camões, traduziu o romance em versos Eugênio Oneguin, de Alexandr Pushkin (1799-1837), publicado em 2008 pelo Grupo Editorial Azbooka-Atticus, de Moscou, em edição russo-portuguesa, e pela Editora Record, do Rio de Janeiro, em 2010.

Em 2006, com o apoio da Embaixada do Brasil em Moscou, o Centro Lusófono Camões publicou o livro Contos e, em 2007, Contos Escolhidos, ambos de Machado de Assis (1839-1908), em edição russo-portuguesa, com prefácios de Adelto Gonçalves, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e autor das biografias Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999) e Bocage: o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003).

Desde a sua fundação em 1999, o Centro publicou também em edições bilíngues os livros Guia de Conversação Russo-Portuguesa Contemporânea, Poesia Portuguesa Contemporânea (2004), que reúne poemas de 26 poetas portugueses, e Vou-me embora de mim (2007), do poeta português Joaquim Pessoa. Em 2013, a Embaixada do Brasil em Moscou apoiou a publicação da segunda edição revista do livro Contos Escolhidos, de Machado de Assis.

O Centro Lusófono Camões, que hoje abriga 18 estudantes russos que estudam a Língua Portuguesa, mantém uma biblioteca com mais de dois mil livros editados no Brasil e em Portugal. As instituições e autores do mundo lusófono que quiserem enriquecer o acervo do Centro devem enviar os seus livros para:

Prof. Vadim Kopyl

CENTRO LUSÓFONO CAMÕES

Moica 48 – UNIVERSIDADE ESTATAL PEDAGÓGICA HERTZEN k. 14

São Petersburgo – Rússia

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Legenda da foto:

Reunião da direção do Centro Lusófono Camões na Universidade Hertzen, em 2003: o embaixador Dário Moreira de Castro Alves (ao centro) entre o professor Vadim Kopyl, diretor, e a professora Helena Golubeva, vice-diretora

ÁGUAS DO MEU BATISMO | Ernane Catroli

As cores da manhã e o ruído crescente das ondas na areia. Baixa temporada agora. Seguia pela aleia de cascalho que levava ao casarão de dois andares. Pensão do Farol. Ao abrir a porta, Dona Jovita, o semblante rijo. Mais magra. Cabelos ralos.
Mas é Milena quem emerge do ambiente. Muitas vezes. Milhares de vezes.
Toda a nossa louca juventude e aquela gravidez atropelando os dias.
– Faremos, então, o combinado.
***
O lado do quarto onde permaneço mudo e a voz imperativa de dona Jovita. Milena deitada na cama de solteiro. Os olhos aumentados.
Sobre o criado mudo, a infusão de ervas para ser ingerida aos poucos, conforme recomendação. A pequena maleta aberta sob a luz do abajur.
O início. O meio.
A noite antiga. Azul.
Ouvia-se o mar.

Nome: Ernane Catroli é mineiro (Sant’Anna de Cataguases). Há muitos anos reside no Rio de Janeiro. Publica em alguns blogs dedicados à cultura.
ernane