A mulher abriu a bolsa e retirou um lenço embebido em perfume. Pedaço de espelho expõe os lábios vermelhos. Trêmulas pela falta do pó branco, mãos limpam a navalha. Rosto do macho e da criança, como irmãos gêmeos. Puta não é mulher; puta é qualquer coisa, menos mulher; puta não pode parir filho de homem que ama. A velha de pescoço grosso e unhas impregnadas de nicotina só quis saber se tinha o dinheiro. Houve época que pontapés bastavam para expulsar embrião. A parteira enfiou qualquer coisa lá dentro. Escapou uma ponta de remorso que retornará nos momentos mais impróprios. Não seria a primeira cicatriz a carregar. Nem a última. Sangue escorreu junto com mais alguma coisa direto para a lixeira. Saiu com prescrição em papel higiênico e o rosto de longos cílios negros manchados de rímel.
Um carro parou ao ver a profissional de lábios suculentos e vermelhos acenar no meio-fio de alguma rua entre a avenida Paulista e Peixoto Gomide. Puta não se dá ao luxo de viver de tristezas. Subiu.
Fim
(a partir de 17/11, o novo folhetim de Carlos Pessoa Rosa, em Seis Episódios intitula-se – Os Dentes Como Marfim Pediam Fogo)
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