A Margem

O que é que está à margem da poesia? A prosa? A mentira? A verdade? A honestidade? Talvez se soubéssemos o que se encontra à margem da poesia assim pudéssemos descobrir o que é a poesia.

Eu não sei. Nem o que está à margem nem o que ela é. Sei apenas que a leio, que sobre ela escrevo e penso. Que me delicio. Não é pouco, convenhamos.

Sei também que não consigo dissociar de um texto o seu formato, suporte, existência física. Sei também que isto vai contra tudo o que ensinam nos Estudos Literários. Mas que eu, biólogo, não quero saber de Estudos Literários nestas crónicas.

Por isso, quando falo da margem falo de um dos primeiros livros que comprei. Foi na Leitura, ainda a Leitura era a Leitura sem palavras inglesas a acompanhar-lhe o nome. E não foi barato. Mas foi preciso.

É “Margem da Ausência”. E é poesia sem sê-lo. É um conto – depois o autor até veio a reuni-lo numa colectânea de contos – mas é poesia. Escrito por Urbano Tavares Rodrigues, editado pela ASA em 1998, com lindíssimas fotografias de Fernando Curado Matos e Carlos Melo Santos.

Sempre o senti poema. Sobre a ausência e sobre a chegada, sobre um escritor que encontra o amor juvenil numa jovem, quando esse escritor já é adulto e sapiente e caminhando para a velhice. Perdoar-me-á o Urbano esta leitura tão simplista, mas em cada palavra sinto a Ana Maria e imagino o seu rebento, agora com seis ou sete anos, acho. Terá sido este conto o relato de um passado que trouxe este futuro? Acho que sim.

Está escrito como Urbano Tavares Rodrigues sempre soube. Mas também em verso, mesmo que em prosa. E acrescentado pelos mares dos fotógrafos, tem um ar de álbum, pomposo, arrogante, simples, humilde, verdadeiro, que muito me agrada. Que sempre me agradou. Já o tive no meio dos versos, na estante. Trouxe-o um dia para a prosa, lá ficou até voltar a pegar nele hoje. Mas vai de volta para o seu primeiro sítio. Este livro é um poema e não merece ficar longe dos seus, assim como o Urbano não merecia a ausência da Ana Maria.