1. – O que é um bom texto narrativo?
1. – Quando o texto une inteligência e sensibilidade, vibra contra o racionalismo na arte, o academicismo, o eruditismo, a retórica balofa, o estilo pedante e pomposo, a literatura livresca e moralista, a total vinculação ao estudo do passado literário sem compromissos estéticos actuais;
2. – Que critério pode ser detectado no texto que identifica a sua “boa qualidade” narrativa?
2. Quando o texto, como pulsão de desejo estético, munido de suficientes portas e janelas por onde corre o ar fresco da criação nova, interpenetra conhecimento e criação;
3. – O que um texto narrativo deve ser?
3. – O texto ganha a sua própria legitimação quando se estatui como espaço estético contra a cultura como efeito de propaganda e contra a cultura como forma de imbecilização de massas;
4. – A quem se dirige o texto narrativo?
4. – Ao leitor. Neste sentido, o texto não deve tratar o leitor nem como idiota nem como génio, e celebrar o paradoxo em detrimento do ortodoxo, a contradição em desfavor da uniformidade, a multiplicidade em desabono da unidade;
5. – O que um texto narrativo deve conter?
5. – Suficiente criatividade para fugir de perspectivas culturais mecânicas, abstractas, descarnadas, presas a cadáveres teoréticos, ausentes dos nervos e do sangue da vida, isto é, das emoções e afectos humanos que, na sua diversidade, compõem o coração da cultura e da história;
6. – Os diálogos são fundamentais num texto narrativo?
6. – Sim, o texto deve aspirar a promover o diálogo, não a tagarelice; o debate, não a cristalização dos argumentos numa fortaleza ideológica;
7. – Defeitos que não devem ser praticados?
7. – O argumento duplicado, a explicação mil vezes explicada ou mil vezes aplicada, o nome da personagem principal mil vezes repisada;
8. – Como encara o predomínio do romance de mercado ou romance “light”?
8. – Um bom romance deve desmascarar a cultura “descartável”, confeccionada para ser vendida, consumida e deitada fora como um par de sapatos velhos, e desconstruir a cultura de massas sem ideias a alimentá-la, ideias originais, fortes, sólidas, que possam iluminar a realidade e perturbar a vida do leitor – um artigo, como um romance, um poema, um ensaio, deve ambicionar a mudar a vida (ou parte da vida) do leitor, abrindo-lhe um outro plano no horizonte da sua vida;
9. – Um texto narrativo deve ser apolítico?
9. – Um romance deve furtar-se à política, mas não ao Poder, e reclamar uma exigência de rigor ético cujo objectivo último reside na maior amplidão da lucidez humana, isto é, da capacidade crítica da razão humana;
10. – Qual o grande objectivo quando escreve?
10. – Tornar os meus textos um espaço de transgressão estética, de desmando cultural, de provocação analítica.
Miguel Real, Azenhas do Mar, Sintra, 10 de Novembro de 2011.