UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM – AS FIGUEIRAS | Soledade Martinho Costa

 

 

As figueiras, despojadas de folhas, erguem, como braços apontados ao céu, os troncos esguios, num protesto. Ao verem as laranjeiras agasalhadas na copa redonda da rama verde-escura, sentem, com maior tristeza, a nudez cinzenta que lhes veste o corpo.
O Outono cobiça e rouba as suas folhas e o Inverno não lhes devolve o adorno com que se embelezam. Por isso, saudosas do bem que perderam, segredam entre si: «Que sorte a das laranjeiras. Sempre bem vestidas, sempre perfumadas, enfeitadas de frutos no Inverno!» E têm razão. Viajantes de mares longínquos desde a China, lá estão elas, as laranjas, entre a saia rodada das laranjeiras, a lembrar marés e caravelas no primeiro pé de laranja doce.
À sua volta, as outras árvores quase pararam por completo a dádiva cíclica dos frutos. Mas as laranjeiras, árvores de folha perene – como as nespereiras ou os limoeiros –, orgulham-se de oferecer nos ramos os gomos sumarentos durante a estação fria do Inverno. As figueiras, árvores de folha caduca – como os pessegueiros ou as cerejeiras – terão de esperar um pouco mais. Até à chegada da Primavera, altura em que começam a vestir de novo o aconchego dos seus vestidos verdes. Tão verdes, como, por vezes, a cor do mar que banha os países onde, roxos ou brancos, amadurecem os seus frutos.

Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Inverno me Contou»
Ed. Publicações Europa-América