Você vai chegar atrasado, fez saber uma voz feminina. A luz, interceptada pelas grades da janela, fatiou o corpo de uma mulher nua. Fitou o corpo zebrado pelas sombras dos ferros sem perceber o rubor no rosto dela. As grades nas janelas estavam ali por precaução, preocupava-o a estranha atração que sentia ao se aproximar delas. Ouviu muitas histórias de colegas solitários que se atiraram no asfalto e ele morava no quinto andar de um prédio situado no centro comercial. Nunca abriu a porta que dava para a varanda. Você não ouviu?, já passam das sete, assim vai perder a hora, insistiu a mulher. Tem razão, dormi pesado, respondeu pegando o casaco. Beijou-a sem entender os olhos castanhos, pareciam azuis no dia anterior. As lentes de contato são azuis, confessou a mulher ao percebê-lo surpreso. Pareceu-lhe conviver com ela há anos. Ficou a segurar a maçaneta sem vontade de girá-la. A companheira ajudou-o suavemente com as mãos. Se você ficar tem comida e bebida na geladeira. Por que dizer dessa forma?, poderia ser mais objetivo, usar o imperativo afirmativo, por que não?
(continua)