Além das crostas, gostava de brincar com as palavras, frases e sintaxes. Elas permitiam o jogo, mantinham o pouco que restou de sua individualidade. Levavam personagens para a rua e traziam pessoas para personagem. Assim foi com a vizinha, uma húngara corpulenta, loira de olhos claros, ancas saltando do corpo. Os indícios não deixavam dúvidas: ela tinha um caso com o motorista de táxi. O homem era um nordestino calado pelo intemperismo da vida, sempre bem-trajado, gel no cabelo, com costeletas bem-aparadas e rosto arredondado. Não dispensava o sapato marrom e branco e o chapéu caído sobre a testa. Trazia uma cicatriz no lado direito do pescoço. Ficava carrancudo quando lhe perguntavam o motivo. Ele a valorizava. Poucos sabiam que foi provocada por um acidente ainda na infância. Foi estourar uma bombinha dentro de uma garrafa e um caco quase lhe cortou a jugular. Imaginavam fruto de valentia de nordestino, de algum acerto de contas, coisas da deusa Fama em seu castelo cheio de orifícios que assopravam novidades ao mundo. A mulher caiu nas graças dele. Essas coisas de paixão desenfreada, sem muita explicação, que acontecem em romances, mas também na vida. De repente, ela trocou de marido, de roupa e de sorriso.
(continua)