Da Graça começou a me olhar como um homem, até o dia em que me convidou a dormir com ela, papai e mamãe saíram para compromissos sociais, você me empurrou para lá, não se omita, vivia me dizendo que gostaria de conhecer a floresta da empregada, o quarto apertado, ela abriu as pernas e enfiou a minha cabeça entre suas coxas, não parava de se movimentar, segurou o clitóris entre os dedos e pediu que eu o lambesse, nunca vi mulher gozar mais alto, a figura de São Jorge na parede acima da cabeça da empregada tremulava, tudo se repetiu durante meses, até… Obra do santo você disse rindo. O velho chegou antes da hora, não ouvimos a sineta, Da Graça nua, eu perdido em seus pentelhos, o velho puxou-me pelo braço, saí correndo e me prendi no quarto, ele não apareceu, não saí nem para jantar, vi quando a empregada fechou o portão e olhou na direção de meu quarto, soube depois que a dispensara, deixou que pegasse apenas as coisas mais pessoais, nunca mais a vimos, a mãe nunca soube, acho que não, você duvida, eu sei, mas ele não contaria, acreditava que não seria coisa para falar à mulher, justificou dificuldades para pagar a empregada, a mãe nunca questionou decisão dele, só não aceitou o caso que teve com a jovem. A gravidez teria chegado ao final? Sempre penso nisso, talvez um irmão ou irmã… A mãe nunca mais a mesma com ele, o que também o afetou, envelheceu rapidamente, para nós nada mudou, ou melhor, mudou sim, mulher passou a ser uma necessidade, lembra-se? É como se elas olhassem para nós e descobrissem o quanto éramos experientes. Não parou nunca, vizinha mal amada nunca faltou, marido alcoólatra, machão corno, e um vazio que não termina e que continua conosco, neste escritório empoeirado, túmulo sem cadáver ainda, mas um quase, quase morto, de sexo morto faz tempo, ninguém quer entrar neste labirinto, você seria a única solução, trazer alguém da repartição, mas também não tem vontade, passada a fase de afirmação resta encarar o fim próximo, a estranheza e o mistério da morte, nem o Diabo nem Deus, tudo incomoda, a próstata, o estômago, o cheiro, o aprisionamento na própria sombra, apareceu um rato por aqui, tem papel roído no chão, é só o que faltava, precisamos de um gato, mais um, todos os outros se foram, não esse animal escondido na prateleira, está morto, é necessário um vivo, se queremos preservar os livros vamos providenciar um, a rua está cheia deles, gatos sem dono, não só, também crianças sem dono, homens e mulheres sem esperança, repetições, não há arte na corte, mas apenas artesanato, e nós aqui acreditando na salvação, caçando as articulações, os gestos e as mímicas das palavras, como se elas pudessem construir corpo e alma perdidos, ser um organismo inteiro, e a surpresa em cada canto, a estranheza e rejeição ao tocar a multiplicidade, a onda é caçar, transar e trancar as portas, como os pássaros marcam território, não mais de três cantos, três vozes, uma para marcar território, outra para atrair parceiros para o sexo e a última para avisar da chegada de predadores, ler livros biográficos e romances lineares, nada de fluxos, marés, rupturas, nem pensar ser o olhador de Duchamp, participar da atmosfera, mas tudo self-service, servido no mesmo embrulho, diante da luz hipnotizadora das telas que se multiplicam nas escolas, nos escritórios, nos quartos e nos barracos, aqui também o computador última luz, mas para incomodar, bifurcar, tatuar, mascarar e dançar, tempo nenhum, apenas instantes, a mulher perdida em alguma dobra, o tesão perdido, a repartição não mais, aposentadoria, último apontamento, aguardar o furor uterino da mãe natureza, retornar à vagina primordial, há um vácuo-extrator a cobrar o retorno ao início, não há fim, apenas um tempo-espaço que procuramos preencher, mas dia menos dia estaremos diante da única possibilidade verdadeira: a morte.
(continua)