30º episódio – O BOM LADRÃO – Folhetim em setenta e cinco episódios

Entre nós, só os contornos são semelhantes, um contagiando o outro, mas aos olhos de Carol não há distinção, ela admira a resultante da loucura, um sujeito dentro de uma armadura, protegendo-se dos contatos e dos afetos, criar podia ser uma saída, desconstruir, dar forma e consistência a novas representações, identidade na loucura, único modo de o não-sentido apressar a viagem final, mas ainda restam os delírios alimentados na esfera do absurdo, equilibrar-se na tênue linha que nos separa do desvario, como em Paul Klee, em O Saltimbanco, somos mais linhas que planos ou patamares, fina casca onde rupturas ocorrem a um simples sopro, e nós, eu e o outro de mim, sentados diante da tela, em crise criativa, resta muito pouco a representar, todos se foram, e não, de um modo ou de outro. Aqui o não-lugar, nem dentro nem fora, as janelas sempre fechadas. Não vivi Balzac… Terminar a obra é morrer e enterrar-se. O livro será obra nunca terminada, nunca definitivamente, ponto final será a última viagem do autor, depois que todos não mais presentes, a porta com animal no frontão, escancarada, o cheiro de podre nas narinas de quem matou tio Anastácio, cheiro mortiço a desvendar o segredo que habitava aqueles aposentos, não haverá herdeiros, apenas fantasmas, o outro de mim a testemunhar e endossar tudo que escrevo, quero o corpo cremado, as cinzas deverão ser jogadas debaixo de uma jabuticabeira, quero atapetar de sorriso negro o tronco da árvore, ser luto suculento e atraente, dizer às crianças que a morte é um fato, mas não um fim, como a obra.

 

(continua)