1. – O estatuto da disciplina de Filosofia no ensino secundário reside em duas grandes características:
1.1. – LUCIDEZ: pela lucidez que transmite a adolescentes, abordando temas existencialmente vividos pelos alunos, mas não reflectidas no seio da família e no interior das restantes disciplinas;
1.2. – UTILIDADE: pela sua suprema utilidade, iniciando o adolescente no caminho dos valores morais, da reflexão sobre o conhecimento, a religião, a arte, a reflexão sobre o estatuto da ciência e da tecnologia, sobre o que significa pensar…
2. – DAR SENTIDO À EXISTÊNCIA: a Filosofia permite que a mente do aluno escape a um raciocínio exclusivamente técnico de manipulação de conceitos para se elevar à ponderação sobre o valor, o alcance e a utilidade dos conceitos no interior de uma reflexão sobre o Homem, a História e a Humanidade;
3. – CONTRA A METODOLOGIA QUANTITATIVA OU POSITIVISTA: Com efeito, a Filosofia é a única disciplina obrigatória do ensino secundário que se subtrai à
metodologia positivista e documental, de carácter técnico e da objectivação da aprendizagem através de modelos quantitativos e materialistas do saber, isto é, de modelos tecnocratas do saber, onde dominam a Matemática e o Inglês, como disciplinas de vasto alcance social;
4. – HUMANIZAÇÃO: A Filosofia não está contra este modelo quantitativo do saber, onde são suspeitas palavras como «Espírito» e «Metafísica». A sua responsabilidade histórica, sempre, é a de abertura de novos horizontes na mente dos alunos no sentido de uma autêntica humanização da consciência e na compreensão e elevação ética dos seus comportamentos. Foi o objectivo de Sócrates há dois mil e quinhentos anos face aos seus discípulos. É o grande objectivo do actual professor de Filosofia do ensino secundário face aos seus alunos.
5.- NECESSIDADE ONTOLÓGICA DE RENOVAÇÃO: Com efeito, em nenhuma outra disciplina o aluno apreende que a renovação é permanente, que a vida e as instituições sociais precisam de se esgotar para se inovarem e que a Filosofia morre em cada filósofo para renascer em um novo filósofo;
6. – NECESSIDADE DE TEORIA: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende que o que mais inútil parece do ponto de vista social – «pensar», «meditar» – é o que mais profundamente anima a totalidade do tecido social e mais forma a mente dos cidadãos, isto é, por detrás de cada acção prática existe uma teoria a conformá-la e a orientar-lhe o sentido;
7. – ALTERNATIVA À RELIGIÃO E À IDEOLOGIA: Nenhuma outra disciplina transmite ao aluno um equivalente reflexivo e lúcido para a religião e para a ideologia política, não negando estas mas fundamentando-as, positiva ou negativamente.
8. – NECESSIDADE DE PENSAR O TODO: Neste sentido, em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a necessidade de elevação da sua vida existencial ao Todo – religioso, político, social, económico, estético – que a fundamenta.
9. – NECESSIDADE DE PENSAR O TODO DE MODO ARTICUALDO: Deste modo, em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a necessidade de explicitar e concretizar um sentido sistemático, ou pelo menos articulado, para a vida, para o conhecimento, para a sua história biográfica.
10. – Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a necessidade de desconstruir as insuficiências do senso comum do seu mundo familiar, interpondo um espaço de reflexão entre a consciência, a linguagem e a realidade. A Filosofia exige que cada aluno pense por si próprio, desdogmatizando a realidade exterior e as ideias-feitas que lhe enformam a mente. Este o grande, grande objectivo da Filosofia no ensino secundário: não a apreensão de matérias, mas a apreensão de uma atitude crítica face à realidade, à sociedade e à história.
11. – PENSAR A LIBERDADE: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a diferenciar a liberdade social e política da liberdade ética, ontológica e antropológica como fundamentação das suas escolhas de vida, não as pulverizando em opções sociais circunstanciais, mas fundamentando a liberdade como explícito sentido da sua vida.
12. – PENSAR O PENSAMENTO: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende que o Pensar é um exclusivo humano, diferenciando-o do «pensar» electrónico e informático e do «pensar» dos animais, determinando-se assim como a grande característica da humanidade do homem.
13. – PENSAR A CIÊNCIA: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a interrogar as certezas dogmáticas da ciência, questionando os processos e os resultados do conhecimento.
14. – TRANSFORMAR AS CERTEZAS DA CIÊNCIA E DO SENSO COMUM EM “PROBLEMAS”: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende a problematizar
todo o conhecimento recebido como definitivo, elevando este à categoria de «Problema», pelo qual o conhecimento e o saber se questionam, progredindo.
15. – ABRIR-SE AO FUTURO: Em nenhuma outra disciplina o aluno apreende que existem sempre alternativas sociais para a existência, e que todas as sociedades são portas abertas para novas sociedades, ainda hoje não pensadas.
Miguel Real