Uma viagem à índia – 8

“Viajar não faz bem apenas aos homens, também é bom para os próprios percursos ter homens que os percorram. Um caminho é como uma casa, é preciso abrir a janela de vez em quando para que o ar circule. Precisa de ser arejado o caminho e os homens que o percorrem são os que utam esse ofício. São os homens e as mercadorias que conservam a estrada.”

Canto V, 10

“No campo de batalha – qualquer livro de estratégia o diz – ou se avança ou se foge muito rápido, hesitações demoradas transformam-se habitualmente na última ação de um soldado.”

Canto V, 46

“Mulheres insultadas são capazes de causar fendas num país, eis o facto.Mulheres com raiva levantam-se mais cedo que os galos e outros pássaros e preparam a vingança introduzindo-a na gastronomia do meio-dia dos seus inimigos. As mulheres conhecem bem o que é essencial no humano: comer, dormir, ver: e é aí que atuam. Envenenam a comida e os sonhos, e por vezes, terceira alternativa, cegam os homens através da sedução ou utilizando armas ainda mais cortantes.”

Canto V, 47, 48

“Em cálculo estatístico rápido [-disse o velho-] metade das guerras têm origem na invasão concreta a um compartimento mobilado de um país enquanto a outra metade devido à invasão do tédio. Eis, pois, por que razão a paz é praticamente no mundo um estado absoluto.”

Canto V, 49

“O homem [-disse o velho-] devia aprender a imitar o ímpeto lento das árvores que sem serem vistas e jamais parando, sobem sempre.”

Canto V, 53

“Cada homem tem, de modo telegráfico, as duas faces: tem medo e mete medo Um homem unilateralmente corajoso não existe, a não ser que seja unilateralmente pouco inteligente. É que o raciocínio começa no abc de estar vivo: quando vês o abismo, deves afastar-te cuidadosamente.”

Canto V, 55

“Só há um instante em que se tem realmente os sapatos apertados: é quando o corpo balança enforcado numa árvore; o resto são pequenos incómodos. As extremidades incham, como o próprio nome indica, apenas em situações extremas, e uma vida tranquila e burguesa não tem, ao longo de setenta anos, nenhuma extremidade: é feita de centro e esse centro é feito de nada.”

Canto V, 56

“Sozinho, um homem ganha espessura, em grupo, perde-a – e ganha apenas companheiros.”

Canto V, 57

“Quem vence nas armas, vence ao mesmo tempo na moral. E deixe-me ainda falar-lhe do papel da Natureza nisto tudo: o mundo natural não é bem-educado, é uma criatura semelhante a nada, não seleciona: uma porta que foi arrancada e deixou vazio o seu lugar: todos passam. Não contribuiu com um único diploma legal que equilibre as forças – eis a natureza. Uma fábrica muito poluente é mais civilizada que o rio límpido.”

Canto V, 67

“De vez em quando fazemos interrupções para que o ouvido descanse e o resto do corpo actue, mas nascemos para ouvir contar histórias, tudo o resto são profissões.”

Canto V, 69

“O sítio essencial de um corpo é o sítio por onde se começa a morrer ou por a doença é inaugurada. Cada morte diz qual o bocado do corpo que afinal deverias ter defendido..”

Canto V, 70

“Ninguém de facto se reconcilia com uma parte que lhe foi amputada e a natureza foi amputada aos homens.”

Canto V, 78

“Ninguém varre o que ama, e a natureza está a varrer a cidade.”

Canto V, 82

“Uma pedra incompreensível, se adormeceres tranquilo, ao lado dela, e se ao lado dela tiveres pesadelos, fica 100% humana; de carne e osso quase.”

Canto V, 95

“Hábitos satisfazem o que em ti não é forte.”

Canto V, 96

“Se te vires obrigado a parar, não recomeces na mesma direcção. Tropeça, levanta-te, fecha os olhos e avança. No mundo, o sofrimento ensina mais do que cem professores bem-intencionados. Fugir do sofrimento que impede o recomeço, sim, mas não dos outros. Os sofrimentos não são todos da mesma espécie animal: de uns sais aperfeiçoado, […] de outros canino e obediente.”

Canto V, 97

“[…]quem acumular, não escava. O solo sobe (nunca desce) quando amontoas experiências, como se cada acontecimento fosse uma peça de roupa suja que ficou suja.”

Canto V, 99