KARAKARIOKA (VI) – Carnaval no Pão de Açúcar

Olhando daqui do alto do Pão de Açúcar, só vejo pontinhos coloridos aglomerados ao redor do que, suponho, devam ser os trios elétricos. Faz-me lembrar os quadros pontilhistas que a professora de história da arte mostrou no ensino médio: Seurat e Signac, impossível deletar da memória – só que agora transplantados ao Rio de Janeiro, e bem no meio do carnaval.

No caso, não é que a realidade seja representada em pontinhos, cujo sentido precise ser restaurado pelos olhos, refazendo-se a percepção original. Ao contrário, os pontinhos simplemente são a própria realidade que os olhos conseguem captar, sem tirar nem pôr, e qualquer formação imaginada a partir da visão do conjunto não passa de uma – quem sabe interessante – ilusão de ótica. Sei que o mesmo fenômeno se daria em qualquer multidão apreciada do alto, mas neste momento quero crer que tudo isso é especial ao carnaval, e que ele é que faz o pontilhismo manifestar-se assim de cabeça pra baixo. Representação versus representado. Representado versus representação.

Alguém disse pro meu amigo canadense que ele deveria pendurar uma máquina de fotografar no pescoço, colar uma nota de um dólar na testa, vestir uma blusa florida, e com isso ir pular num bloco. Claro que assim, fantasiado de turista, turista é que ele não poderia ser! Ninguém iria chamá-lo de gringo, perguntar se desejava comprar um mapa, ou interessar-se demasiadamente por seus bolsos vazios. Aí ele questionou: E se alguém perceber o meu sotaque? Como sair dessa? Mas ora, sotaque? Quem falou em sotaque? Expliquei-lhe imediatamente que se ele quisesse seguir aquele conselho – fabuloso, diga-se de passagem – e ambicionasse preservar o anonimato, tinha mesmo de ir até o fim: e portanto, só falar em inglês o dia inteiro, representando o papel como deve ser!

Daí porque “O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente” deveria ser lema de carnaval, se já não é! O negócio é confundir máscara e pessoa, até que não seja viável estabelecer um limite. Fernando Pessoa e seus heterônimos… Será que Pessoa ousaria fantasiar-se de seu próprio mestre, o Caeiro, o próprio mestre sendo ou quase sendo ele mesmo, numa re-invenção de si?

Percebo que enquanto observo a cidade apinhada, estou sendo ininterruptamente fotografada e filmada por máquinas, celulares, iPhones e iPads aqui em cima.

Pensei que ficando nas alturas conseguiria um tipo de isolamento mágico; seria uma observadora imune à observação dos outros. Enganei-me. Creio que possa ser porque durante o carnaval todos, ainda que não fantasiados, ainda que fora dos blocos e distante dos desfiles, todos sem exceção estejam à merce da curiosidade alheia, passando pelo escrutíneo geral, quer assim o desejem, quer não. Ou talvez pode ser culpa do pequeno abacaxi que usualmente levo equilibrado sobre minha cabeça, como uma marquinha de estilo básica.

Diana Menasché