No seu tempo de universitário, exibia uma índole rebelde e proclamava-se ateu e anarquista. O que, nos seus círculos, lhe granjeou popularidade. Adulto já, e atenta a evolução da vida, começou a sentir-se próximo da social-democracia. Não o assumia publicamente, pois gostava de reiterar a sua condição de independente, com sólidas convicções de esquerda. Após um bom jantar, uns whiskies, costumava partilhar com os conhecidos lembranças dos excessos da juventude. E terminava, nostálgico: «Bons tempos…». Cultivava, mesmo assim, a tirada anarquizante, que em ocasiões sociais lhe assegurava, em troca, alguns sorrisos. Noutras conversas, mais sérias, afirmava-se agnóstico.
Em matéria de transcendência, assim se manteve largos anos, bem entrado já na chamada maturidade. Com uns acidentes morais de percurso (nada de mais, achava), conquistou emprego estável, adequadamente remunerado – um dos sonhos que no fim da juventude acalentara. Olhando à sua volta, começou então a sentir-se um liberal, um pouco céptico porém em relação aos destinos da humanidade. Viajou, refinou gostos, ganhou mundo.
Não obstante a estabilidade económica, chegou a avô mergulhado em receios e perplexidades. Amigos e familiares estranhavam-lhe, agora, as inclinações místicas. Acautelando o fim, arrancou à família uma promessa: antes de soltar o derradeiro suspiro, teria garantida a extrema-unção.
Olhar atónito, arquejando, acabou por morrer nos braços da igreja. Ainda o padre não dera por concluída a administração do último sacramento, era já cadáver.
João Pedro Mésseder