As partes interessadas estavam sentadas, aguardando sua chegada. Ao redor da mesa de mogno todos riam, um igual ao outro. A diferença estava nele, detestava piadinhas de mau-gosto, preferiria estar em casa, ao lado da mulher que lhe trouxe algum sentido para continuar vivo. Pela primeira vez, as idéias escorreram antes do desejo da carne, falaram antes de o corpo gozar. E não é obra de arte, não!, nada de fingimento de artista que de um ponto descentrado decora e vomita o insubstituível, rouba e doa a alma ao original. A obrigação terminaria ao assinarem o contrato, enquanto não o fizessem não poderia sair dali. Tudo indicava que ainda ia demorar, havia fila para se contar piadas ou vantagens. Insuportável ter de ouvir velhos impotentes darem uma de Casanova, quem mais sairia com esses cofres vazios de valores se não as profissionais? Passava das onzes quando o assunto foi colocado em debate. Na verdade, interessava a todos, abriria a possibilidade de grandes investimentos. Para ele, seria o último, aplicaria o dinheiro em alguma atividade que lhe restituísse a liberdade. Enojavam-no aquelas bocas empanturradas de obscenidades e comida. Livre e selvagem, sem guerras, não dá para distribuir as diferenças em um mesmo espaço. Depois do almoço, preparou o relatório final e discutiu os acertos finais com o cartório. Suspirou aliviado quando tudo terminou. Deu uma última olhada pela janela, ficaria livre daquela macaquice toda, da ecolalia reinante, do hábito e dos tiques, das linhas monótonas de uma modernidade em fim de viagem, da necessidade de recriar com craque ou heroína.
(continua)