Soneto das Horas | Domingos da Mota

 

 

aos queridos mortos

Durs Grünbein

E manda-o também esperar a hora
de dar à luz a sua própria morte (…)

Rainer Maria Rilke

Por tardia que seja, é sempre cedo
que se faz a viagem sem regresso,
não sei se aliviada, se com medo
da crença de que a vida tem um preço

a pagar no além, depois da morte.
Mas pior que a triste despedida,
seria apresentar o passaporte
da alma face a ausência doutra vida.

Outra vida haverá, havendo o ciclo
do carbono que muda e transmuda,
e mesmo que o faça em contraciclo
com a essência das coisas, talvez surda

um ácido, uma base – uma semente
que fecunde a matriz dum novo ente.

Domingos da Mota