Este zumbido permanente, esta tristeza,
Esta voz empastada, esta insónia,
Gato atento a fincar as unhas no nervo
Do olho, esta dor passiva, cada vez mais.
Esta curva apertada, esta incógnita
Do que é ser gente, esta cerveja
Morta da sede nunca gasta, este rir
E não rir, esta arrogância chegando
À boca como vómito, este braço
Dormente, este braço inútil, esta casa
Enterrada, este chão. Este sono, esta
Morte, este fogo que não queima esta ânsia,
Este insecto, esta moeda que não chega
A este anseio de comprar. Este sal pisado,
Estes dias e dias, outros dias sucessivos,
Cheios deste sangue, sanguessugas.
Este rastro de merda, este golpe, galope,
Nas têmporas, este engano,
Caminho inverso para não chegar, este
Ócio, esta pena suspensa cá dentro,
Este quase assombro que não basta.
Esta sombra, esta candeia apagada
Pelo vento, este vento, frio
Demais para trazer sementes, esta dor
Pequena, este vício de falar, esta toada,
Ladeira abaixo, ladainha, sem fim, cá
Dentro, noite fora. Este ser coisa e não
Ser mais do que este ser bem menos
Do que não ser nada. Este riso forçado
Pela espinha atravessada na garganta, nesta
Prosa, neste falso verso, neste fosso
Cheio de água parada, neste lodo
De palavras, pobres sons tomados
Às vozes alheias, essas vozes sem
Sentido, este não saber que mais dizer,
Este resquício de sabor. Esta inveja.
Poema do Rui Almeida