“À sombra do sol” | Lídia Borges

 

 

sou agora toda em ti, Poesia

e se tanto fica por dizer

é porque me é pouca a fala.

e se alguma coisa fica por viver…

quem disso há de querer saber?

 

já mal sei enunciar um fruto

uma fonte, uma asa, um seixo

árduo se faz o gesto de abeirar

a palavra ao objeto.

todas as coisas o são

inteiramente em ti, Poesia

plenas e puras e naturais

sem precisões nem aspirações.

 

ermos são os nomes e os luares

chegado ao fim o inverno…

já não sofrem de frio

as sebes de folhas novas e breves.

 

desfeita a trança despida a túnica

já não sofre de sede a musa.

já não sofrem de assombramento

os barcos no meio do vento.

 

rescendem a trevo e a claridade

as grainhas neste chão

feito lavra, flor, eternidade.

 

[ficarei em ti enquanto ácido e fétido

for o ar respirado na cidade.]

 

Lídia Borges