Square Room

Nicole Kranz é uma jovem escritora suíça-brasileira que vive em Genebra. O trecho abaixo foi extraído de seu romance inédito “Square Room”, que conta a história de um casal doente: ela, borderline, e ele, um narcisista perverso. No embate doloroso e destrutivo que se transforma o casamento, é difícil reconhecer o que é paixão, desespero e doença.


Sou borderline. Toco as bordas, vou além, supero e ultrapasso. Eu me atenho aos limites que determino à medida que minha loucura avança. Não tenho medo, não temo nada, toco a morte todo dia, eu gosto disso. A vida, eu a sobrevivo, temerosa do que ela pode me dar. Gosto de morrer a fogo brando. Calculo o que posso oferecer, cuspo na felicidade alheia. Sinto tédio, o cotidiano é insuportável. Preciso de adrenalina, de substâncias que me dão energia, luzes, barulho, velocidade, na dimensao de Manhatan. Eu me mexo, grito, danço, não paro. A inércia me mata.
Minha vida não passa de uma doença mental. Meu cérebro está em vigília, só meus olhos se fecham. Não preciso dormir, falar, dialogar, escutar me basta. Não preciso compartilhar, nem amar ou fingir amar para dar segurança ao outro. Sem lemas, sem moral, valores esquecidos para sempre: sou este monstro que vem de longe, perto de ti.
Os médicos são doidos por isso. A loucura os interessa e enche seus cofres. Infiltrar-se na mente de um louco, aprender a compreendê la, eles jamais entenderão nada. Eu manco. Um remédio não é mais que uma muleta. Mas onde está a outra muleta? Aquela que me permite caminhar ereta.

Sou um narcisista perversa. Muros de concreto. Portas fechadas para sempre. Eu vous retiro o bem, sem vos fazer mal. Eu vos conduzo diretamente ao inferno. Lá, onde a última perversão não é mais do que uma doce loucura.
Desde aquele momento, viveis numa paranóia. Viveis desde sempre orgulhosos de mim, fui eu quem vos deixou assim! Chave jogada bem no fundo da água, só por milagre vos salvareis.
Não há tempo. Não vos darei jamais a oportunidade de correr a toda velocidade através dos campos e reencontrar a paz!
Anoréxica, esquizofrênica, borderline. Eu vos aborreço. Escondida atrás de minha máscara, jamais me apanhareis. Não sou doente! Lede bem estas palavras. Não estou doente. Sou um monstro, o pior ser humano que Deus pode criar.
Não nego, o jogo de esconde-esconde, é isso que me diverte. Eu vos tranformo em otários. Somente eu conheço a perfeição do vício.
Deixo-vos as emoções. Elas não me trazem nada. Uma lágrima correria pela minha face apenas para vos comover melhor. Completamente artificial, minha tristeza não passa de outro artifício.
Dizer-vos “eu te amo” ao pé do ouvido não passa de pretexto para vos foder melhor. Por trás, pela frente, vosso olhar me facilita a tarefa.
Conseguir meu prazer solitariamente. Não são mais que objetos aquilo que me permite atingir o prazer. Minha perversão sexual? De qualquer forma porei a culpa em vós. És a puta, sou eu o santo! Fantasia do religioso. Comer uma puta. É para isso que me caso contigo.
Traço meu caminho à minha maneira, sem armadilha, sem volteios, e sem remorsos. Deixarei os mortos para trás. Cadáveres na terra, somente aqueles que compreendem o que sou sairão vivos.

Nicole Kranz