A cidade tem outro calor

A cidade tem outro calor. As ruas enchem-se de uma forma estranha e há burkas e miúdos com piercings e coisas do género. A mulher não arrasta a adolescente pela mão porque não existe isso entre elas: o verbo arrastar, o dar as mãos. Dão as mãos à noite, antes de dormir. De resto estão uma com a outra, lado a lado, uma mais à frente, a outra ao telemóvel, uma a ver um livro, a outra a jogar numa consola portátil. Uma adolescente e uma mãe ou duas mulheres, depende do entendimento. Há coisas, pequenos gestos, em que são iguais, mas isso não lhes é evidente. Não são o espelho uma da outra e encaram-se com pensamentos secretos. Cada uma pensa: a cidade tem outro calor. Mas não dizem nada uma à outra.

Patrícia Reis