Ele gostava de matutar coisas inúteis. Elas vinham e iam como os insetos que voejavam o lixo. O que mais poderia fazer um pobre morador de uma vila esquecida pelas autoridades? Água, algumas horas por dia. O córrego em frente mais parecia um esgoto ao ar livre. Sem aviso, cortavam a energia elétrica. Daí manter uma vela em lugares estratégicos na casa. A luz no rosto, esboços de objetos e o negrumoso imitavam um quadro à Oitocentos. Nessas horas, a palavra morte entrava em seu circuito. Arrepiava-se todo ao pensar na possibilidade de ser enterrado vivo. Avisou a mulher para colocar uma vela e uma caixa de fósforos no caixão quando partisse. Ela brincou com a seriedade dele, perguntou-lhe se queria alguns livros e revistas. Para quê?, pensou. As palavras ajuntavam-se em sua cabeça sem o mínimo esforço. Sua história de vida mudou tanto que não sabia mais o que era real e o que era imaginação. O velho álbum de fotografia trazia-lhe à lembrança uma infinidade de passados. Apesar disso, nunca o agradou escrever. Letras possuíam alma? Palavras pensavam? Duvidava… Sabia que elas nasciam, morriam e ressuscitavam… Cristo é uma palavra…
(continua)