49º Episódio – Folhetim (II sequência de novelas) – O MÊNSTRUO MÁGICO DAS ORQUÍDEAS GRÁVIDAS – Folhetim em Setenta Episódios por Carlos Pessoa Rosa

O mundo ao redor mudou, poderia arrumar outro companheiro, oportunidades não faltaram, a gravidez mudou meu corpo, tornou-me mais mulher nos gestos, mas quando o medo tem sua raiz na infância há muito pouco a se fazer… É o passado repetindo-se infinitamente, em cada botão de camisa, em cada orgasmo, como se afirmasse a fragilidade da mãe, da fêmea que neguei pela falta de reação. Sei que meu terceiro período sofrerá poucas modificações, não desejo a experiência de outro homem, o amor conhecido apenas a Samael, mas é dúbio o que sinto, algumas vezes me lembra o irmão, outras, o marido, tem o nariz aduncado como o dele, a mesma sobrancelha, os pelos vazantes nas orelhas e no nariz. Sei que Samael é especial, sensível, tem um jeito muito particular dirigido às mulheres, as empregadas em casa sempre se deram bem com ele, até demais, acredito que Samael não saiba que conversei com Da Graça quando dispensada, o pai havia flagrado-o com a empregada.

Agora não sei o que será de nós… Samael falou qualquer coisa de preparar-se para concurso público, acho que não suportaria, mas ele nunca foi muito convicto das coisas que diz ou faz, parece sempre haver uma sombra ou fantasma ao lado dele, com quem conversa quando não há ninguém por perto, é assim desde criança, não precisava de parceiros de rua para se divertir, criava-os, tantas vezes trouxe o André para brincar com ele, mas Samael não suporta o vizinho, não sei se é ciúme, filho único, parece-me que não, nasceu para ser estrela, observar a lebreia vindo na direção da casa, ali tem o olhar do pai, mas introspectivo, Samael é mais pensamento, seu abraço é de mistura, tem o olhar dos símios enjaulados, a timidez própria dos animais maltratados, não quero dizer isso, mas sinto pena dele, como sentia de meu irmão, não suportaria ver um filho optar pela renúncia de viver. Daqui, ouço Samael teclando na velha Remington Rand, não por saudade de quem o gerou, está lá registrando suas histórias, tem as palavras somente para si, sem as críticas do pai, mas me preocupo, sempre em casa, sem amigos, sem namorada, não fosse o que aconteceu com a empregada pensaria no caminho de Anastácio, mas meu irmão já me disse que conhece um gay desde o nascimento, que Samael foi apenas um menino retraído e tímido, diz que sou muito preocupada com ele, o que é verdade.

Estou feliz… Agora posso até escrever o que sinto sem medo de ter minha intimidade invadida. Dizer que anulei tudo pela família seria hipocrisia, eu é que não fui capaz de superar o pai violento, agi como a mãe, covardemente, e continuei assim no casamento, o sujeito me apodrecendo por dentro, corpo e alma, e eu sem me posicionar, aceitando suas regras, pelo menos o pai não disfarçava, não usava de uma delicadeza safada e policialesca, não exigia de nós aparência. Perguntasse a Samael, também deve estar feliz, durante toda a doença do pai percebi que mudava, trazia de dentro alguém zombeteiro e que irritava o pai castrado de movimentos, percebi, mas não disse nada, nenhum comentário, para vencer a si próprio deveria enfrentar o pai, mesmo que fosse um pai impossibilitado de se defender, percebia-se no olhar o ódio dirigido ao filho teclando em sua máquina de escrever. Ainda me lembro da expressão de Samael ao ouvir o pai dizer Ninguém vive dessas besteiras… ao lhe entregar um escrito, todo feliz, mas o pai amassou o papel e saiu tão irritado que tropeçou no tapete, caindo de rosto no chão, o menino fugindo dali, sempre acreditou que provocou a queda do pai, não adiantava dizer-lhe que não, acho que ele precisava acreditar nisso, ter conseguido derrubar o gigante todo poderoso causava-lhe medo e prazer

 

 (continua)