12º episódio – O BOM LADRÃO – Folhetim em setenta e cinco episódios

A calcinha da mãe no varal! Não responderei a suas provocações, e saia daí, vamos acordar a moça. Você quer dizer salvar o texto… Não, cara! Que Totem?! Ato falho… Que texto?! Vamos recolher os fragmentos que permanecem vivos dentro de nós, como os fantasmas que habitam a casa e que se repetem em outros lábios, outras panturrilhas… E não estamos no escritório, mas no quarto vagabundo de um hotel de terceira, próximo da repartição, hoje é feriado, o marido dela está internado, vai amputar uma perna, o cacete já perdido pela doença, ela nem aí, é o que parece, mas deve estar cansada de sofrer, o sujeito quando impotente agride a mulher, chama-a de puta, vadia, ela acaba aceitando o papel, como se dissesse Agora pode ofender que é verdade, sou puta sim, dou para quem bem entendo, poderia escolher qualquer um, e nós somos esse qualquer um escolhido, ela sabe de nossa falta de apego às pessoas, cansados de perder, ainda bem sem filhos, melhor acordá-la, não tenho coragem, o cara pode estar morto sobre uma maca no hospital, eu a excitá-la, o que o velho fazia com a garota, trinta anos mais jovem, ele de cueca samba-canção e meia soquete no lombo da jovem, a fungar como um cão preso na cadela, e não tinha nada a dar à moça a não ser jóias e dinheiro, ela não tinha cara de quem se conformava com gestos fraternos ou filantrópicos, a mãe nas costuras e nas sombras, pespontando a tristeza… E lá vinha a lebreia enfurnando tudo em seu ventre. Nós na janela apanhando nuvens, a luz vinda do fundo, de alguma dobra da memória… E os pássaros com seus três cantos, delimitando território, sem esperanças de novas cartografias, novas harmonias, contrapontos e polifonias. De quem falo? Você tem razão, sempre teve razão, sou o idiota que acredita ser possível alguma consistência e persistência além das tatuagens desenhadas na pele. Quantos desses jovens que se repetem na impotência chegariam até aqui? Nada é pré-verbal neles, apenas estrutura da linguagem dos pássaros… E o velho sabia de meu fracasso capitalista. Quem vai ler essas porcarias! Hoje sei que ninguém… O que deseja com isso? Acha que conseguirá ressuscitar os terreiros e a invenção da roda? Não respondi ao editor, você rindo me dizendo que li demais Guattari, Deleuze e Derridá… Verdade! Tudo inputs e outputs… Simples como a mulher adormecida no leito de um hotel vagabundo, sozinha, como a “A criação do mundo” de Courbet, figura feminina que um bom observador quer se misturar, recriar, e não apenas identificar a repetição, há cheiro e suor, vísceras, nessa pintura, assim gostaria as inclinações e associações das palavras, como ímã, mas o tempo humano avança no reducionismo, e logo ela se levantará, irá ao banheiro, no banho lavará a vulva até o desaparecimento do último indício de algum gozo, não se lembrará mais do homem que a penetrou até o grito, a não ser em alguma conversa com amigas quando o assunto será o tamanho do órgão do cara, alguma frase de efeito que ouviu, e ninguém mais no quarto, a janela aberta à rua, aos ruídos de carros, o prédio em estilo gótico, a mulher entrando na enfermaria, você ao meu lado sem dizer nada, sempre estranhou esse meu lado literário, mas ela diante do marido, cor de palha, dizem ser a cor dos diabéticos com os rins perdidos, pensa que poderia ter morrido, seria mais justo, mas não, o sujeito ali deitado, Onde você estava? Como se desconfiasse, mas ela foi dizendo O trânsito, você sabe… Dói?

 

(continua)