Caminhávamos sempre de mão dada ao começo da manhã e a cada final de tarde.
Havia uma estrada de terra que atravessava todo o parque e que rodeava o lago. O meu pai dizia sempre que me ia mostrar coisas nunca vistas: cabelos de árvores, animais extravagantes, lagostins da terra, pássaros com voz humana e ao longe, se parássemos a escutar poderíamos até ouvir o rei Lumumba que vivia lá na África mas que tinha uma voz tão poderosa, tão poderosa que chegava até aqui ao lago plano e metálico do parque da Curia. E assim parávamos e assim escutávamos, eu e ele, olhando-nos nos olhos, incrédulos, eu por uma razão, ele por outra. A voz profunda de Lumumba ouvia-se distintamente no meio do lago da Curia quando ao fim da tarde, aqui neste canto ignorado do planeta, os jovens casais de namorados pedalavam nas gaivotas, entrelaçando as pontas dos dedos das mãos, deixando um rasto de beijos a desenhavar amores líquidos.
Assim passei muitos meses de Agosto, eu e o meu pai, a caminhar, a caminhar de mão na mão por infinitos chãos de terra, num sonho verde sem fim, atravessando uma linha de pensamento que nos conduziria, incansavelmente, a um espaço secreto e intransponível.
Eu e ele fomos, muitas vezes, um só.
Cristina Carvalho