A minha única reacção (os meus pais ensinavam-me a pensar que é a reacção possível, em certos casos a reacção necessária, até), neste momento, é ficar a ouvir o chuveiro onde ele se lava há mais de meia-hora e olhar para os joelhos encostados, passar a mão esquerda por entre as pernas e roer as unhas da mão direita. Não entendo esta sua obsessão com o banho, sinto-me mal, preferia que fumasse um cigarro, como fazem todos os outros homens, ao menos enquanto fumasse podia-me dar colo e podia abraçá-lo. Foge para o banho, como se o meu corpo estivesse sujo e tivesse doenças, germes, vírus. Limpa-se de mim e assobia a Quinta de Mahler, o quarto movimento, o Adagietto, vezes sem conta (perdi-lhes a conta há demasiado tempo). Roo, pois, as unhas. Quase até ao sabugo, para ver se me sujo, que quando não estou menstruada preciso de roer as unhas, fazer sangue, justificar-lhe, justificar-me (“ah, então foi porque eu tenho sangue cá dentro que foste tomar banho!”) dos duches sempre depois do sexo (diz antes “fazer amor”, querida, é tão mais bonito) e arranjar uma desculpa para este facto tão doloroso, que é fugir de mim, negar-me, apagar-me.
Custa-me sobretudo que sejam sempre homens a escrever sobre nós, porque uma mulher nunca é nada disto. Vamos sendo, claro, porque a realidade ficcionada nos condiciona tanto ou mais que a nossa biologia por vezes tão estúpida. Sou o que os homens dizem que seja.
Pedro Tiago