1.
Os poetas do desassossego tingem as palavras
Nas tílias dos jardins e escrevem-nas no rosto dos deuses
Que passeiam nos canteiros com sabor a chá de maresia.
Vestem vocábulos de inquietação e penteiam as frases
Com fios de lua que ousaram vaguear pela cidade do frenesim.
São fermentados por expressões que se agitam na cúpula
Do pensamento e se desintegram na chuva da ausência das ruelas
Por onde o mar se esgueirou em versos de espuma.
2.
Fazem da palavra o vulcão sem tempo de eclodir
Porque a lava da agitação se derramou na demora dum poema
Sorvido em goles quentes onde se bebem marés de alvoroço.
Os poetas do desassossego regressam por entre o sobressalto das horas
Convidam os dias por inventar, reclinam o pensamento na poltrona das descobertas
E prolongam os caminhos onde os sonhos são madrugada em ebulição.
3.
Os poetas do desassossego vivem na cidade feita ausência
Pensam na insegurança das manhãs que se desenham timidamente dentro dela
Porque as aves se confundem entre os gestos e as madrugadas.
Sentem o fumo do cigarro que se mistura no reboliço dum oxigénio fragmentado
E a respiração adensa-se nas escadarias da tosse trémula que vai persistindo.
Afinal o fumo que ingerem vem repleto de horas divididas
Entre um sopro e uma palavra retalhada.
Fragmentos de vida que se inalam no abandono duma sociedade pasmada. (…)