Vocação

O médico, o cura e o professor eram as pessoas mais importantes, durante os anos em que cresci e outros que se seguiram, até o 25 de Abril ter chegado àquela aldeia beirense. Levou o seu tempo, mas acabou por chegar. Tudo levava  o seu tempo a chegar à aldeia.

A bitola para aferir esses homens era o grau da sua vocação. Cuidavam, com zelo, dos corpos,  das mentes e dos espíritos, não deixando de largar neles o verme de um disfarçado despotismo.

O cura usava o poder nas dobras da batina, engomada a preceito pela Gracinda, moçoila rechonchuda, que comungava todos os domingos. O Padre Dionísio arregaçava a batina  de pregas vincadas para sentir as nádegas frescas e macias da filha  do Rufino contra a sua barriga flácida. E o Rufino badalava o sino,  durante a eucaristia, muito sisudo, na envergadura de sacristão, orgulhoso da sua prendada Gracinda. O professor usava o poder no ponteiro e na régua que deixava descair, quando menos esperávamos, e nos punha as  palmas das mãos e os traseiros a escaldar ao rubro. O meu pai usava  o poder no bastonete polido, que ele empunhava com nobreza, na curta  caminhada diária de casa ao consultório, e servia para enxotar os  indesejáveis.

Todos eles eram homens bem vocacionados.

Julieta Ferreira