HISTORINHA – AS FLORES E O VENTO | Soledade Martinho Costa

 

 

– Quem é a mais bonita? Vamos, digam lá. Quem é a mais bonita?
– Sou eu! Sou eu a mais bonita!
– E a mais perfumada?
– A mais perfumada sou eu!
– E a mais garrida?
– Eu, eu! A mais garrida sou eu!
O vento agita o corpo que não se vê mas que se sente.
– Estouvadas. – resmunga ele. – Muito estouvadas são as flores! E vaidosas? Nunca vi. Passam o tempo todo nesta lengalenga. A quererem saber qual é a mais bonita, a mais perfumada, a mais garrida…Bem gostava eu de não as ouvir. O pior, é que passo por elas constantemente. Que remédio tenho, se não escutar aquilo que dizem. Mas quando me zango…Ah! Quando me zango a sério, sopro nas suas pétalas com tal fúria, que todas se calam e estremecem com receio da minha zanga e da minha força!
– Fazes mal. – responde-lhe, loiro de Sol, um campo de trigo. – Não deves zangar-te nem mostrar às flores a tua fúria. Repara que também tu és falador. Raramente te calas! Sou eu quem to diz, pois sou eu quem escuta a tua voz a toda a hora. E estouvado também o és. Porque, sem me pedires licença, fazes ondular o meu corpo de espigas como um mar revolto. Além disso, tens vaidade da tua força. A prova é que dela te ufanas. Tanto, como as flores se orgulham da sua beleza, do seu perfume e da sua cor. Pensa primeiro nos teus próprios defeitos, amigo Vento. Pensa primeiro neles, para melhor saberes compreender e desculpar os defeitos dos outros…
E o vento, gira que gira, numa roda-viva, vai esmorecendo, vai esmorecendo, vai calando a fala. Até que deixa de se ouvir. O vento está a meditar. E a seara de trigo torna-se então plana como uma estrada aberta.

Soledade Martinho Costa

Do livro «Histórias que a Primavera me Contou»
Ed. Publicações Europa-América