Lagosta suada em crepes doces
Frango na púcara
Coelho desossado com puré de legumes
Vaca gourmet
Salmão no forno com batatinhas
Atum com salada russa e maionese
Refeição light
Leite creme sem açúcar
Leite creme com açúcar
Pastéis de nata felinos
Pastéis de nata caninos
Ora aí está! À escolha do freguês! Basta ir ao supermercado, deambular uns minutos pela zona da alimentação dos animais domésticos e é o que se nos depara. Comida variada, alguma a preços exorbitantes, comida fina, cuidada e escolhida na qual um “sem abrigo” canino ou felino nunca porá um olho, quanto mais os dois olhos! Mas está bem! São os nossos bichinhos de estimação ou de companhia ou como lhes queiramos chamar. E merecem tudo! São atentos, amigos, protetores cuidadosos; comem à mesa, dormem nas nossas camas, aos pés da cama porque são muito quentinhos; exigem tudo de nós porque, muitas vezes, aqueles olhinhos tão fiéis e serenos são melhores que o olhar de um ser humano.
Ná! Para os “meninos”, só do melhor! E uma visita à loja dos animais? Lá há de tudo! Coleiras de todas as cores e de todos os comprimentos, ossos de borracha, ratos de peluche, cadelas insufláveis, gatas de peluche, mantinhas, telhados de plástico para gatos com cio, camas redondas, quadradas, ovais, mata pulgas, águas de colónia com cheiro a leão, outras com cheiro a tigre, pó de talco, capas de invernoso xadrez para cobrir os seus lombos já de si peludos, latinhas de comida gourmet com especialidades francesas, molduras, brinquedos, música até!
E também há os hospitais e as urgências hospitalares e os psicólogos de animais e os serviços funerários. Até missas deve haver! Tudo em silêncio, sem grandes divulgações, mas deve haver! Cemitérios animalescos cheios de campas e flores frescas, há-os, que bem sabemos onde.
É mais que a conta!
Dantes, muito dantes, no tempo em que os animais falavam, os gatos comiam os restos dos pratos e lambiscavam, quando muito, um pires de leite. E era bela, essa imagem do gato a lambiscar o pires de leite! Estava certa, essa imagem. Um homem é um homem, um gato é um gato. E para o cão cozia-se-lhe um tacho de arroz com aparas de carne trazidas do talho. E também roía uns ossos a sério, ensanguentados, com pedacinhos de carne agarrada e levava um dia inteiro a roer o osso. Satisfeito! Um animal satisfeito!
Ou eu estou a ver mal, ou a vida toda levou um grande avanço! Um grande e bom avanço! Hoje, tudo lhes faz mal. Espinhas, ossos, pescoços de frango, peles, ratos, ratazanas, passaritos, lesmas, nem pensar! Ficavam doentes, de certeza absoluta. Unhas? Cortadas mensalmente para não dizer, quinzenalmente. Um chinelo roído? Nem pensar! Há bonecos de borracha próprios para roer e remoer as saudades dos instintos, quando por 1 euro e meio poder-se-ia comprar um belo par de chinelos no loja dos trezentos e satisfazer aquele gosto antigo.
Dantes, muito dantes, “mundo cão” designava a nossa triste condição humana. Tudo o que de mal nos fazem, nos desejam, nos obrigam a fazer; tudo a que o ser humano está sujeito, todas as humilhações, todas as injustiças, toda a precariedade desta nossa existência.
Talvez ainda hoje seja este o real significado da frase “mundo cão” que traduz esse tal meio inóspito, rude, incompreensível que é o mundo onde vivemos. Mas só mesmo para os humanos, porque para os cães, gatos e outros fiéis companheiros, pelos vistos, não é assim.
Nem todos.
CRISTINA CARVALHO
Crónica de Março de 2012