— Procurei-o em casa dos Cartago, mas não estava. Tenho um recado para si. Estou certo que vai ouvir e ponderar.
— Um recado? Você veio de Lisboa, de propósito, para me transmitir um recado? Sinto-me desvanecido. Mas sabendo que eu me hospedava em casa dos Cartago, podia ter poupado na despesa e nos esforços telefonando-me ou enviando um telegrama. A época não está para gastos supérfluos.
Indiferente às minhas palavras, “Sebastião, Sebastiana” transmitiu-me a mensagem que alguém o encarregara de me fazer chegar; alguém que só podia ter sido o coronel Pereira, esse outro polichinelo bem mais perigoso.
— Afaste-se da família Cartago e esqueça essa estúpida investigação. O caso já foi resolvido pelas autoridades competentes, em devido tempo. Isto aqui não é a América dos crimes e dos detectives, que os filmes mostram no cinema. É um país pequeno, que respeita a ordem e a justiça. Deixe as famílias cristãs em paz e preocupe-se antes com caloteiros e adúlteros. Não ponha o seu futuro em causa. Podemos ser generosos se desistir do processo.
Senti um inesperado formigueiro no corpo e não era urticária, ou algo semelhante, mas o sangue a pedir-me que depenasse aquele pavão sem cauda. Dominei-me para não lhe atirar um soco directo aos queixos. Apeteceu-me desfazer-lhe aquele trejeito sinistro que o fino bigode sublinhava como se fosse um erro na espécie humana. Foi muito difícil conter-me.
— Se já transmitiu o recado, saia da minha mesa para a qual não o convidei. Porte-se como um homem e não como um pombo-correio.
Não replicou, mas deixou-me um aviso:
— Não se esqueça que podem cassar-lhe a licença profissional. Seria lamentável.
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Caetano pediu desculpa e levantou-se, de novo, para ir atender um fornecedor. Na sua esteira seguiu o cão, balouçando o corpo pesado como uma traineira em mar agitado. Era velho e doente. Fiquei a pensar nas palavras de Caetano, que aprofundavam o que me contara o rendeiro Silvestre. Ao fundo da rua surgiu Caixinhas contornando o pelourinho, como se estivesse de volta desde o último dia, quando o vi afastar-se em sentido contrário. Caminhava pela sombra em passo miúdo, cumprimentando quem com ele se cruzava. Reparou em mim e logo se aproximou da esplanada. Pediu licença para se sentar.
— Uff! Está de assar perdizes na charneca — comentou, abanando-se com o chapéu. — O que nos vale é a sombra das árvores.
— A sombra das árvores e uma bebida fresca.
— Como vai a sua investigação? Tem novidades?
António Garcia Barreto