CONJECTURAS EM DIA NUBLADO | Ercília Pollice

De repente neste meu dia, depois de ter feito uma porção de coisinhas, algumas prazerosas e outras nem tanto, sentei-me aqui no escritório e liguei o rádio numa FM que só toca música linda, enquanto punha ordem em alguns papéis.
Sabe, que me bateu uma tristeza tão grande, um aperto no peito, uma coisa estranha, assim sem mais nem menos.
Isso é inusitado em se tratando de mim.Sou sempre bem com a vida e alegre por temperamento.
Acho que estou precisando de um brilhozinho. Muito sem emoção minha vida no momento. Emoção de amor, claro. Porque de resto tudo vai indo muito bem.
Hoje pela manhã, ainda na cama escutei um médico, psicólogo, falando sobre a educação das crianças hoje.
Dizia ele dessa pressa que os pais têm, que os filhos aprendam outra língua, fora de um contexto, quando ainda nem aprenderam a própria. Claro , disse ele, que isso não se aplica à crianças que moram fora de seus países em outro contexto.
Também dizia o Dr. que faz bem às crianças conviverem com primos , tios, avós, em vez de ficarem confinados apenas aos pais e amigos da escola. Essa interrelação os ensina a viver em família, a entender os laços familiares e a hierarquia familiar, que os preparia para a vida.
Engraçado que sempre pensei assim, nunca entendi mães que ficam em casa , terem pressa de colocar os filhos na escolinha ou na creche.
Também percebo, com tristeza, que a vida moderna acabou com os almoços em família aos domingos. Quase que nem conseguimos nos reunir com todos no Natal. A vida separa as famílias e isso para as crianças é uma lacuna que nunca mais se preencherá. Faz bem a convivência em família, com risadas, brincadeiras, segredos, e até brigas. Faz parte da formação emocional de uma criança.É uma etapa importante que não deveria ser pulada.
Tenho lindas lembranças das reuniões tanto em casa de meus pais , como na minha, com demoradas conversas em volta à mesa.
Não consegui manter isso, nos últimos anos, pois os filhos mudaram pra longe, e o trabalho os absorve, sem possibilidade de reuniões constantes. Também os filhos se casam e têm de se dividir nas festas, entre 2 famílias e assim , a coisa vai se complicando.
Talvez essa conversa com esse Dr. logo pela manhã, tenha despertado em mim alguma saudades ou sentimento de perda, sei lá…que aflorou quando comecei a ouvir as músicas.
Músicas sao ferramentas danadas para extrairem da nossa alma as coisas mais escondidas . Sentimentos, assim, podem estar camuflados, mas estão lá, firmes, apenas aguardando uma chancezinha para tomarem forma . Você me diria, tristeza e saudades por acaso têm forma? Eu lhe diria, tem forma , sim.Forma de aperto no peito, lágrimas nos olhos, sorriso triste, voz mais rouca, e por aí vai…
Ney Matogrosso canta neste momento, nesta FM que liguei, …EU QUERO MESMO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA… e a música vai revelando da necessidade da gente por as emoções pra fora.
Aí a gente se defronta com outro problema; as pessoas não sabem mais ouvir, querem só falar, contar, dar opiniões…e você que estava louca pra contar o que lhe vai no coração, mostrar suas emoçòes, acaba se calando, porque percebe que suas palavras vão cair no vazio do egocentrismo que tomou conta das pessoas.
Penso , cá comigo, que foi por isso que comecei a escrever e me tornei escritora. Falta de ouvidos atentos às minhas palavras.
Tenho ótimos amgos, gente boa, gente pronta a acudir, mas não tenho ninguém pronto a ouvir. Conheço 2 mulheres que sabem ouvir: Paty, minha nora, e Wanda , minha amiga.Ambas estão longe.
Nesta hora, e não só nesta, sinto falta do ombro onde me abriguei no passado. Mãos que acariciavam o cabelo quando percebiam tristeza em minha voz, ou em meu olhar.Tanto um como outro, são terríveis pra me delatar. Quem me conhece sabe pela minha voz ou pelo meu olhar se estou triste ou não.
Outra coisa, rara hoje em dia; as pessoas não enxergam você, elas apenas a olham.Olham, mas não vêem.
E estamos todos tão faltos de atenção, de afeto, de pessoalidade. Esta vida nossa de cada dia tem uma tônica tão grande de impessoalidade, que até me angustia.
Talvez por isso mesmo é que o Face Book teve tanta aceitação entre as pessoas deste séculoXXI. Todas falando de si mesmos pra ninguém em especial, apenas falando …Diria, falando ao vento, apenas para terem a sensaçãop de que estão sendo ouvidas.
Isso é muito triste, de se constatar, mas é um fato.
Numa época em que a comunicação é tão fácilitada e que nos ligamos com o mundo, as pessoas são extremamente tão sós e isoladas
Paradoxal o ser humano. Paradoxal a vida.
Saudades da conversa em frente um cafezinho. Deixar recado no Face Book e tomar café sozinhos, coisa mais esquisita.
E não adianta você ter tempo para as pessoas , elas não o têm para você.
Não vejo como vamos reverter esse processo de isolamneto a que as pessoas estão se impondo.
Aconteceu comigo uma coisa interessante; enquanto estava longe, fora de minha cidade, e do Brasil, um homem daqui da minha cidade, deixava recados todos os dias e até duas vezes por dia, no FB só falando em me conhecer e me encontrar. Pois foi só eu retornar, e avisá-lo, pra ele tomar doril e sumir.
A virtualidade está tornando os homens ( sentido genérico) covardes, inseguros. iludidos , mentirosos, O pior estão mentindo pra si mesmos. brincando de faz de conta, sem necessidade de se expor, de mostrar as fragilidades e sem precisar de viagra, se for o caso.
Será que vai haver um ” turning point” pra essa situação, que se não abrigasse tanta tragicidade dentro de si mesma, seria cômica.
Nas grandes cidades, as pessoas não abrem mais as casas aos amigos. marcam encontro nas cafeterias. E o prazer de partilhar a mesa, um pedaço de bolo, ou simplesmente um pãozinho quente com manteiga, tão comum no interior de minha infância e juventude?
Quando me casei, minhas amigas continuaram a ir à casa de mamãe às 3h da tarde, porque sabiam que lá havia uma mesa posta com café, bolinho de chuva e muito afeto. Que bem fez isso à minha mãe…
Não rínhamos nem sentíamos a síndrome do ninho vazio, porque dificilmente o ninho ficava vazio.
Sabe que escrever tudo isso me fez um bem enorme?
Minha tristeza deu lugar à uma sensação boa de desabafo. Não tem amigos pra lhe ouvir? Escreva, minha querida, escreva. Além de fazer bem, não corre o risco de sofrer juízo de valor.
Brincadeirinha meio irônica…Amigos que têm ouvidos são necessários de mais da conta, como diriam os mineiros.

Ercília Pollice