Eu nunca nasci vivo
eu nunca amei tanto quanto a mim nunca me amei
e por isso vivo morto
cabisbaixo – aquele contente descontentamento
As vidas dos outros parecem-me flores na areia
no sangue e no frio que há em ti
e eu vivo sempre morto
com o olhar ao relento
coriscas no chão; saudades ao vento
com a vida no pulmão.
e o teu nome não é mulher
e o teu nome não é fêmea
e eu sou quente
e eu sou gelo
sou pestana inquieta; sou prostituta
despida de sorte, virgem de fortuna
Tenho em mim a dor da ansiedade
aceite? Aceito!, perto de mim
no meu leito
e se tu, doce caminho, me pregares partidas
eu deixo de ser carne, passo a ser angústia, a ser ferida, cicatriz, a ser nuvem, a ser sexo e passo a ser vida em ti…
porque hoje eu deixei de ser cavaleiro
porque hoje nasci vivo – e vivo, vivo morto em ti
Rui Sobral