Melhor sair, dar uma volta. Mostrar à plateia que estou bem. A chave na fechadura. O ruído seco. A porta destravada e aberta. O céu carregado. Atravesso a rua na faixa. O bar aberto. O caixa pergunta como estou. Não posso lhe dizer que o vejo em branco e preto. Respondo, então, estar bem, só me falta o cigarro, digo, pegando o dinheiro enquanto ele um maço de cigarros e uma caixa de fósforos. Ainda bisbilhoto o fundo. Frustração. Não está lá. No lugar, uma mulher com seus cinquenta anos. Ela sorri. Não é hora para isso, digo a mim mesmo, mas três meses não é pouco, mesmo anestesiado pelos remédios, volto-me para a rua, acendo um cigarro, trago profundamente, o sujeito comentará com os fregueses meu retorno, procuro afastar a ideia de que alguém me segue, atravesso a rua na faixa, com a luz verde acesa para pedestre, paro diante da porta de casa, observo o animal no frontão, retiro a chave do bolso, encaixo-a na fechadura, dou uma volta, ouço o ruído do destravar, sinto um bafo quente no pescoço, não pode ser Carol nem Clara, nem o outro de mim, o efeito do choque demora semanas, abro a porta, entro, ao me voltar a figura feminina que estava no bar me empurra para dentro, pega a chave de minha mão e tranca a porta. Você não se lembra de mim? Em branco e preto não… Ela ri com o que ouve. Acenda a luz… Não há energia, cortaram. Então vamos para um lugar mais claro. Não tem… Vamos abrir uma janela… Estão emperradas. Ela segue pelo corredor apalpando a parede. Gosto deste lugar… Encontra a porta do quarto, faço menção de não deixá-la entrar… Quando vejo está esparramada na cama, zebrada pela luz que atravessa a veneziana, em branco e preto, as pernas abertas, atiro-me sobre seu corpo, preciso apalpá-la, perceber o volume, o cheiro, lambê-la, o pescoço, os seios, o sexo… Três meses. Enfiar o pau no corpo sem cor até o gozo, não o meu que nada sinto além atrito, somente o dela, depois tocá-la diversas vezes, verificar se não é um surto, não tenho certeza, mas ela é carne, mesmo sem cor, um pouco volumosa nos seios e nas nádegas, silicone, ela me diz, quatro, dois nos seios e dois nas nádegas, continua, apalpo um pouco mais, não sinto diferença, estranha meu modo, como se fosse um cego, é a falta de luz, digo, sem ao menos saber quem é, não usei camisinha, ninguém mandou me seguir, vai ver também é portadora… O banheiro? No fundo, respondo, mas não tem água… Paciência, me limpo com papel higiênico. Não sei se tem… Pelo menos foi bom, melhor que da outra vez… De que vez falava? Melhor não perguntar. Arrumou-se e saiu sem se despedir. A luz cortando o assoalho do corredor. Fecho a porta. Amanhã providencio a ligação da água e da luz. Quem seria? Nem vaga lembrança… Por que teria feito referência ao marido morto? Gosto do brincar irresponsável e infantil, da ausência de regras, desse estilo aberto aos acasos e à morte.
(continua)