O Livro de Eros de Casimiro de Brito

O Livro de Eros de Casimiro de Brito está ser publicado no PNETliteratura praticamente desde o seu início. A edição está agora muito perto de atingir os seiscentos aforismos (embora, segundo informações do autor, a obra se cifre já em 2698 fragmentos!). Nem sei, sinceramente, se a designação “aforismo” corresponderá à substância do discurso iluminado que Casimiro de Brito projecta ao mesmo tempo nas estrelas e na terra, colocando de braço dado a contemplação apolínea e a nocturnidade dionisíaca. Há neste vasto e belo texto poético um metatexto sem fim e há neste vasto e intrincado ensaio uma liquidez poética também sem fim. Um corpo que se diz a arder e que merece constantemente ser lido e relido..

O discurso que explode em Livro de Eros não inibe nem esconde um ‘eu’ e um ‘tu’ que se disputam e que se alcançam, ainda que a alteridade seja o grande precipício da saga evocada. Trata-se, por outras palavras, de um discurso que vinca e salienta o sexo como aquilo que ele é: uma carne que evola e que rompe, um grito que derrama e que dá ao clímax o seu gesto, um alento que faz da pele a sua glória e do aquém imediato o paraíso mais vivo e irremediavelmente mais único. Um corpo que arde ao dizer-se.

Mas esta poética muito singular de Casimiro de Brito também convoca o mito, o logos e o longo intertexto literário. E o outro. O outro e a outra. E revolve todas as palavras que se prendem à árvore da grande membrana do ser. O desejo surge, nesse interface de narrativas, como algo que é declarado, mas também como algo que sempre encarnou nessa declaração: uma imagem que ascende até ao que mais nos poderá silenciar e que simultaneamente nos segrega e alimenta. Querer o outro, entrar na outra, perceber o rio que se une. E que é a própria falésia do fogo que enuncia o poema de ponta a ponta.

Em Livro de Eros, o prazer entende o pasmo como uma lama, mas deseja-a mesmo assim. Para que o fogo continue sempre a semear a distância entre os amantes que não se sabem ainda como amantes. Personagens do pasmo, pretextos do poema que se reproduz como estrelas a meio da noite de onde nunca saímos. Nem sairemos. Tocar a pele: entrar no corpo, dar a carne ao mar como uma areia fina que se quer continente. Um continente sem idade e ainda assim sabendo-nos – todos e todas – jovens, velhos ou a meio curso do olhar que vive na carne que rasga a outra carne. E que geme. Como a tal falésia que nunca sacia, que nunca basta, que nunca nunca.

O Livro de Eros de Casimiro de Brito está a ser publicado no PNETliteratura há quase dois anos e meio. Estamos a viver com essa publicação uma espécie de aventura e de alegria maior que merece todo o destaque. Não apenas pela fecunda obra e viagem e vida do poeta – densidade que este editorial não conseguiria de modo nenhum explorar –, mas também pelo que este Eros muito particular acrescenta a tudo o que já foi dito sobre o amor, o desejo e o sexo que quer sexo. De facto, o aceso magma desta aventura permite-nos reverberar o sentido do nosso ponto de partida mais elementar: Ser para o Eros. Eis a divisa que uma filosofia do desejo ilimitado poderia recolocar como sua. Pela sua verdade e pela sua abismada – e informe – beleza.

Nota: Os primeiros fragmentos de O Livro de Eros de Casimiro de Brito foram editados numa revista do Porto ligada à Fundação Eugénio de Andrade. Mais tarde, os primeiros fragmentos foram editados em Itália numa revista de poesia e espiritualidades e, logo a seguir, em Espanha. No entanto, Casimiro de Brito encontrou no PNETliteratura o espaço adequado para uma publicação gradual e contínua. De referir ainda que, neste mês de Abril, vai ter lugar um acontecimento poético em Santo Tirso a que foi dado o belíssimo título erótico de “Nove semanas e meia” (curioso intertexto fílimico). Casimiro de Brito irá participar no encontro para falar do seu “Livro de Eros” e também do “Amar a Vida Inteira” (volume de poesia que sairá a público muito em breve).

Luís Carmelo