Correspondência especial de S. Petersburgo – Helena Golubeva – a menina, o destino e a constante partida para uma nova viagem

Helena Golubeva, uma das maiores especialistas em língua e literatura de expressão portuguesas na Rússia, faz esta terça-feira, 21 de Setembro, 80 anos. Filóloga, tradutora, professora de línguas e literaturas espanhola, romena e portuguesa, chefiou desde 1972 até 1996 a Secção de Português da Cátedra de Filologia Românica da Universidade Estatal de São Petersburgo (até 1991 Leninegrado), a primeira na Rússia onde se começaram a formar especialistas em Língua Portuguesa e Literatura de Expressão Portuguesa, e da qual foi co-fundadora em 1962. Em 1995-1996, foi eleita membro académico correspondente estrangeiro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, tendo posteriormente contribuído para o boletim daquela academia com dois detalhados artigos sobre a história da divulgação e do ensino das letras luso-brasileiras em São Petersburgo no século XX.

É, desde o início, vice-presidente do Centro de Estudos Lusófonos da Universidade Estatal Hertzen, inaugurado em 1999 e apoiado pelo Instituto Camões. No decorrer da sua visita de Estado à Rússia em Outubro de 2001, o então Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, prestou pública homenagem à Professora Helena Golubeva no início do discurso que proferiu na Universidade Estatal de São Petersburgo, frisando o valioso contributo que a Secção de Português tem dado para a divulgação da língua e da cultura portuguesas. Hoje, Helena Golubeva continua a traduzir e a dar aulas a alunos finalistas e mestrandos, tanto dos cursos de Português como de Romeno.

Chegou à língua portuguesa pelas mãos da perpétua curiosidade pelo Novo e do destino que nos vai revelando como tudo está inextricavelmente ligado. “Ainda criança, ficava muito impressionada pelas conversas que ouvia sobre a Guerra Civil em Espanha, e aquele país parecia-me muito romântico e heróico, um país que luta pela liberdade… (…) A  minha Mãe comprou um manual de espanhol, um dicionário e o primeiro volume do D. Quixote. Eu acho que foi um signo do destino.” Depois, já adolescente, o romance, traduzido para russo, de Ramón María del Valle-Inclán “A corte dos milagres”, despertou o seu interessse pela Galiza, que se viria também a reflectir mais tarde nos seus estudos de Filologia Galega. Um dia, ao arrumar os seus livros, encontrou o manual de língua espanhola esquecido, e começou a estudar. A autora desse manual, Olga Vassilieva-Schvede (1896-1987), espanhista e lusista muito conhecida, viria a ser sua professora, orientadora e amiga até ao fim da sua vida. Helena Golubeva formou-se em Filologia Espanhola pela Faculdade de Filologia da Universidade Estatal de Leninegrado, onde começou a trabalhar. “Mas eu tenho uma particularidade. Eu não posso ocupar-me muito tempo com a mesma coisa!” E começou a estudar romeno. “Um amigo dizia-me que era preciso aprender romeno, porque nós vivíamos na União Soviética, e os países onde se falavam línguas românicas eram para nós inacessíveis. Mas a língua romena e a língua moldava praticamente são a mesma língua, e a Moldávia era um país onde nós podíamos ir, viajar, falar com as pessoas”. Mais tarde, quando foi inaugurada na cátedra a Secção de Filologia Romena, foi convidada para ensinar língua romena. “Entretanto, as nossas relações com a Roménia melhoraram tanto que eu recebi a proposta de participar nos cursos de Verão de língua Romena, na Roménia.” É aí que trava conhecimento com o filólogo, linguista e professor português Venâncio Peixoto da Fonseca (1922-2010), que lhe oferece o seu livro “História e situação da Língua Portuguesa no mundo”. “Regressei a casa com este livro e comecei a estudar português. E o destino também me ajudou nisso. Porque entre os nossos estudantes da secção de Espanhol do primeiro ano daquele ano apareceram alguns repatriados da América do Sul, entre eles um brasileiro, Anatólio Gach, e eu pedi-lhe para me dar lições particulares de português.(…) E depois, Olga Vassilieva-Schvede teve a ideia de inaugurar na nossa cátedra uma Secção de Filologia Portuguesa, com Anatólio Gach, que entretanto se tinha formado em Filologia Espanhola, e comigo. Porque tínhamos já secções de Filologia Francesa, Italiana, Espanhola, Romena – mas não tínhamos Português! Isto foi em 1962. E desde então sou lusista.” Helena Golubeva publicou um manual de Fonética da Língua Portuguesa para estudantes russos (1981). A sua tese é dedicada à Gramática Histórica da Língua Portuguesa: a forma Futuro do Conjuntivo desde o século XIII ao século XX.

Começou a traduzir literatura portuguesa nos anos 60, a convite de Valeri Stolbov (1913-1991), da editora “Literatura Artística” de Moscovo. “Olhe com atenção o livro que tem nas mãos. É um livro histórico. É a primeira tradução de literatura portuguesa depois de uma pausa de muitos anos. E todos os autores que nele figuram são publicados pela primeira vez em russo.” Este livro de contos de escritores portugueses, entitulado “Escura era a noite”, foi editado em 1962. E as primeiras traduções de português de Helena Golubeva  aparecem nesse livro. “Traduzi um conto de Aquilino Ribeiro, “O soldado que foi à guerra”, e alguns contos de um escritor que então era muito jovem, José Augusto França, “Três contos de África” e “Um homem feliz.” Tive muita sorte. Não foram escritores quaisquer! Grandes figuras.” Em 1968 surge “Sob o Céu do Cruzeiro do Sul”, antologia de novelas brasileiras dos séculos XIX-XX, organizada e parcialmente traduzida por Anatólio Gach e Helena Golubeva. Nela aparecem, pela primeira vez em russo, Bernardo Guimarães, Machado de Assis, Tristão de Alencar, Lúcio de Mendonça, Garcia Redondo, Artur Azevedo, Aloísio Azevedo, José Veríssimo e Valentim Magalhães. Em 1974, aparece a antologia “Poesia Portuguesa do Século XX”, organizada e prefaciada por Helena Golubeva. “O livro já estava pronto, e saiu em 1974, foi uma coincidência.” Aqui aparecem pela primeira em russo Fernado Pessoa e Sophia de Mello Breyner Andresen, traduzidos por Helena Golubeva, e ainda José Terra, Miguel Torga, Papiniano Carlos, José Gomes Ferreira, Álvaro Feijó, José Régio, António Gedeão, Tomaz Kim, Mário de Sá-Carneiro, Daniel Filipe, Luís Veiga Leitão, Egito Gonçalves, Jorge de Sena, Carlos de Oliveira, Raul de Carvalho, Eugénio de Andrade, João Apolinário, António Borges Coelho, Sebastião da Gama, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Mário Cesariny, Herberto Helder, Fernando Namora, Alexandre O’ Neill e Óscar Lopes. Como escreveu o professor e tradutor William P. Rougle em 1975 na revista Colóquio/Letras, “(…) com tiragem de 25 000 exemplares, [esta é] uma das mais amplas antologias de poesia portuguesa moderna jamais publicadas em tradução. (…) Nenhuma outra nação, ao que supomos, demonstrou ainda tão grande e sincero interesse pela poesia do século XX dum país cuja literatura passada e presente tem sido longamente ignorada no Ocidente.” Entre outros trabalhos, Helena Golubeva também prefaciou e traduziu parcialmente “Retalhos da vida de um médico” de Fernando Namora (1968) e contos de Alexandre Herculano (1974), co-organizou a primeira antologia de poesia dos trovadores Galaico-Portugueses e escreveu o posfácio da mesma, tendo traduzido D. Dinis e Mendinho (1995), traduziu poesia de Casimiro de Brito e Fernando Pinto do Amaral na antologia “Poesia Portuguesa Contemporânea” (2004), “O homem duplicado”, de José Saramago (2006) e “O pequeno livro do grande terramoto. Ensaio sobre 1755”, do jovem historiador Rui Tavares (2009). Aguarda publicação uma antologia de contos de escritores portugueses contemporâneos, já praticamente pronta, de entre os quais traduziu Lídia Jorge. Mas, dos planos futuros não gosta de falar.

Com os portugueses partilha o gosto pela liberdade e pelas coisas novas.“Eu acho que nisso sou parecida com os portugueses – os portugueses gostam tanto de coisas novas que descobriram meio mundo. Eu gosto de ver coisas novas, de conhecer coisas novas. Nisso, sinto algum parentesco espritual. E também no fatalismo.” Grande admiradora do Brasil, vê com grande entusiasmo a possibilidade de aproximação que começa agora a esboçar-se entre aquele país e a Rússia. “Eu acho que a Rússia e o Brasil – embora nós sejamos um país do norte e eles um país tropical – têm muitos pontos em comum. Por exemplo, a floresta Siberiana e a floresta Amazónica são pulmões verdes do nosso planeta. Também o carácter russo, bastante pouco disciplinado, é parecido com o carácter brasileiro. Eu acho que nós, os russos, somos pessoas de talento, mas nem sempre o sabemos aproveitar. Os russos são pessoas interessantes, são sonhadores, gostam de fantasia. E os brasileiros também.”

Todos aqueles que amam a língua portuguesa estão-lhe gratos, e desejam deslumbrantes e sempre renovados horizontes.

A. L. Simões Gamboa, em São Petersburgo