«Aqui, o céu negro e fixo. Março pelo meio. O vento frio lá dos lados do rio: um introito. Assim, evitando detalhes. Que se fosse contar, só olhos vermelhos e choro desamparado. Que também, nem era hora de morrer! Onde um deserto? E revejo o antigo casarão de frente para a avenida ladeada das centenárias tílias. Os escaninhos da memória devolvendo-me inteira, nítida, a casa paterna que deixara ainda jovem e a cidade natal que a marcara para sempre: Braga. Não esquecer: também e sempre, o seu desejo de outras terras. Uma errância que lhe caíra como uma sina. A Inglaterra, a França e a Escócia onde estudara e trabalhara na sua juventude. E aí, então, os lares alheios. As marcas indeléveis. Mais tarde, Angola, Goa, Macau. Pequim depois. Uma vida dedicada a escrever, a traduzir. A lecionar. Em Macau, no antigo colégio de freiras onde também ocupava um quarto – um cubículo, separado de outros por biombos – na casa destinada às professoras, atrás da igreja do convento. Alta madrugada e ouvia-se o ressonar das companheiras. Tão próximas. Irmanadas no sono, no ofício e no salário pouco. A sua vida de recolhimento. De exílio. E que também muito dada ao silêncio. À solidão. Às vozes dos seus mortos. Um cotidiano povoado de personagens misteriosos, sedutores. As filigranas do seu texto, o seu sentir. Isso o que lhe sobrara, o que lhe ocupara, atendendo a um apelo interior, antigo, desde a infância. A infância. Esse território. Territórios.
Aquela manhã envolta em brumas e o seu retorno à cidade natal… Uma senhora. O xale negro. Os ombros arqueados, um rosto de sombras. Até a missa na igreja de São Lázaro.Depois, o cortejo. O cemitério dos Arcos. Um silêncio. Tanto.»
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Ernane Catroli do Carmo nasceu em 1953, em Sant’Anna de Cataguases, Minas Gerais, onde viveu a infância e adolescência. Formado em Farmácia e Bioquímica, UFRJ (1976). Funcionário público, reside no Rio de Janeiro onde trabalha na área da saúde. Publica regularmente em alguns blogues destinados à cultura