Écrã

Quando o ecrã do computador está em repouso

Vão sucessivamente aparecendo, por programação da máquina,

Imagens que lá pus, e que se sobrepõem aleatoriamente.

Cada uma surge como uma folha trazida pelo vento,

De um lado qualquer, a partir do negro sideral do fundo,

Como se viajasse daí até vir tapar outra; e atraindo-me

Por breves instantes… desfolhando o passado em fragmentos;

Convivem então nesse estranho encontro os rostos, as situações

Mais diferentes, as paisagens longínquas ou os objectos vulgares,

As coisas fulgurantes e as perguntas mais antigas do olhar.

E depois de súbito o ecrã apaga-se, e fica um rectângulo

De novo negro, fechado sobre si próprio, encerrando o passado

Como se este me tivesse dito adeus, e fossem precisos os dedos

Para accionar as teclas e de novo voltarem à vida as imagens

Esquecidas; uma espécie de cegueira se abate sobre mim.

O ecrã é de novo uma noite sem estrelas, nem nuvens,

Como se tudo desde o fundo do universo me tivesse abandonado.

E nesse espelho, que volta a reflectir a minha impaciência,

Só pode aparecer o meu rosto, sorriso benévolo da morte, alma

Que espera dentro da máquina o crepúsculo breve da despedida.

Vítor Oliveira Jorge