I
Se não é o principal filósofo brasileiro hoje, José Maurício de Carvalho (1957), sem dúvida, está entre os mais respeitados não só no Brasil como em Portugal. Por isso, a homenagem que os professores Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz, Adelmo José da silva e Paulo Roberto Andrade de Almeida lhe fizeram, ao organizar o livro Uma Filosofia da Cultura: escritos em homenagem a José Maurício de Carvalho (Universidade Federal de São João del Rei-UFSJ, 2016), é mais do que justa. A obra reúne ensaios sobre aspectos de sua extensa obra, além de textos do próprio homenageado e recensões de seus livros.
Filósofo, psicólogo, pedagogo, pesquisador e articulista, José Maurício de Carvalho, nascido em São João del-Rei-MG, tem se destacado por sua disposição de tornar pública a reflexão filosófica no Brasil, o que o levou naturalmente a se enveredar pelo pensamento filosófico de Portugal. Por isso, seus escritos encontraram sempre grande receptividade na imprensa portuguesa, especialmente no suplemento semanal Das Artes Das Letras, do diário O Primeiro de Janeiro, do Porto, que, extinto em 2008, teria continuidade em maio de 2009 com o quinzenário As Artes entre as Letras, igualmente sob a direção da jornalista Nassalete Miranda.
Mestre e doutor em Filosofia, com estágio de pós-doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Nova de Lisboa, Carvalho aposentou-se recentemente como professor titular de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da UFSJ. Atualmente, é professor do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves (Iptan), membro do Instituto Brasileiro de Filosofia, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Mantiqueira de Letras. Publicou 30 livros e capítulos em outras l5 obras, além de mais de uma centena de artigos em revistas e jornais.
II
Um dos mais instigantes ensaios deste livro é “Sampaio Bruno e o Brasil mental”, do próprio homenageado, redigido para o congresso A Obra e o Pensamento de Sampaio Bruno, realizado na Universidade Católica Portuguesa, no Porto, entre os dias 4 e 6 de novembro de 2015. Nesse texto, Carvalho lembra que o filósofo portuense Sampaio Bruno (1857-1915), considerado o fundador da Filosofia portuguesa, autor do livro O Brasil Mental (1898), apesar de seu esforço na tentativa de reaproximar a intelectualidade portuguesa da brasileira, não “enxergou as novidades nem viu valor nas considerações filosóficas da Escola do Recife que ele avaliou com o mesmo desdém com que condenou a ignorância de seus compatriotas do quadro intelectual brasileiro”.
Para Carvalho, as críticas de Bruno a Tobias Barreto (1839-1899) e aos seus continuadores da Escola do Recife acabaram não sendo exatas, porque Bruno parece entender as posições de Silvio Romero (1851-1914) como uma continuação de Tobias, sem notar a inflexão que o culturalismo sociológico de Romero representou em relação à herança do mestre. Segundo Carvalho, havia na Escola do Recife outros pensadores importantes como José Soriano de Souza (1833-1895) e João Mendes Júnior (1856-1922), que não foram contemplados nas análises de Bruno.
O volume traz também o ensaio “Sampaio Bruno e o Brasil culto”, do professor doutor António Braz Teixeira, da Universidade Autônoma de Lisboa, que, a exemplo do trabalho de Carvalho, foi escrito para o congresso em homenagem a Sampaio Bruno, o que significa que, ao tempo, cada autor desconhecia o texto do outro e, portanto, não constitui uma contestação ao que o filósofo brasileiro escreveu.
Neste trabalho, Braz Teixeira preferiu destacar a preocupação de Bruno em chamar a atenção da “gente culta de Portugal para as obras literárias, filosóficas, históricas, políticas de nossos irmãos brasileiros”. E para a benevolência do filósofo portuense em relação à extensa crítica com que Euclides da Cunha (1866-1909) reagiu ao livro O Brasil Mental em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, nos dias 10, 11 e 12 de julho de 1898, pois, um decênio mais tarde, não se recusaria a prefaciar a penúltima obra do autor de Os Sertões (1902), o volume de ensaios Contrastes e confrontos, publicado por uma editora portuguesa em 1907, dois anos antes da morte do escritor brasileiro.
Já o professor doutor José Esteves Pereira, da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, em “José Maurício de Carvalho e os caminhos da moral moderna: notas breves”, reconhece que homenageado é hoje “um dos mais lúcidos intérpretes da realidade político-cultural luso-brasileira”, observando que suas reflexões sobre o tradicionalismo, tomando como referência Pascoal José de Melo Freire (1738-1798) e José da Gama e Castro (1795-1873) ou ainda o mineiro José Severiano de Resende (1871-1931), vieram a abrir novos campos de pesquisa sobre o tema.
III
Na impossibilidade de se referir aos demais ensaios sobre a obra do filósofo mineiro – de autoria de Antônio Paim, Ricardo Vélez Rodríguez, Paulo Roberto Andrade de Almeida, Adelmo José da Silva, Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz e Selvino Antônio Malfatti –, ressalte-se o texto “José Maurício de Carvalho e a pesquisa do pensamento luso-brasileiro”, de Anna Maria Moog Rodrigues, da Academia Brasileira de Filosofia e do Instituto Luso-brasileiro de Filosofia, que acompanha a trajetória do homenageado desde os idos da década de 1980, quando este se apresentou como candidato ao curso de doutoramento no Departamento de Filosofia da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. Na abertura desse texto, diz a professora Anna Maria que “inteligente, diligente, determinado, eficiente e objetivo são características que se podem atribuir sem exageros a José Mau ricio de Carvalho enquanto estudioso e pesquisador das ideias”.
Diz ainda a filósofa que Carvalho foi introduzido no estudo do pensamento português pela obra do historiador de ideias Joaquim de Carvalho (1892-1958), sobre o qual escreveu o livro História da Filosofia e Tradições Culturais: um Diálogo com Joaquim de Carvalho (Porto Alegre, ediPUCRS, 2001). De Joaquim de Carvalho, o filósofo disse que foi quem o ajudou “a perceber o filosofar como um diálogo com o passado”.
Delfim Santos (1907-1966) foi outro pensador que se tornou um guia para Carvalho no estudo do pensamento português. Foi tema de sua tese para o concurso de professor titular, que resultou no livro A Filosofia da Cultura: Delfim Santos e o Pensamento Contemporâneo (Porto Alegre, ediPUCRS, 1999).
Conhecendo profundamente a trajetória do pensamento português, através da leitura das obras dos escritores moralistas portugueses da chamada Segunda Escolástica, Carvalho, segundo Anna Maria, pôde entender a contribuição da Contra-Reforma católica na cultura luso-brasileira para, a partir daí, elaborar um novo esquema interpretativo do desenvolvimento temático da moralidade luso-brasileira desde a Renascença até o século XVIII.
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Uma Filosofia da Cultura: escritos em homenagem a José Maurício de Carvalho, de Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz, Adelmo José da Silva e Paulo Roberto Andrade de Almeida (organizadores). São João del-Rei-MG: Universidade Federal de São João del-Rei, 312 págs., 2016. E-mail: segra@ufsj.edu.br Site: www.efsj.edu.br
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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga(Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br