«(…)
Não há o desplante de uma grande frase
Quando somos bichos roedores, de barriga cheia,
A quem não importa a chuva, o vento, o frio, a tempestade.
Ela ali está, do lado de fora, mas não nos atinge,
Já que andamos assim, como esquilos regalados.
Tudo pode ser até mais do mesmo, a vida,
Os frutos que já tínhamos na mão sem vontade de comer,
Sem ver; e é agora um pequeno manjar, um doce paraíso crocante,
O corpo leve, no torpor, na protecção de uma fina cúpula
Que a felicidade tece à nossa volta.
É dia 5 e ando nisto.
Tenho a casa do avesso e a alma organizada,
No desarrumo de gavetas e salinhas invisíveis,
No festim dos sentidos, na celebração de um lado luciferino
E narcisista que não permite o desconforto da consciência.
Essa, a consciência, anda algures, soterrada
Num montículo de nozes descascadas e,
Se não se acautela, o diabo ainda a come também.
(…)
As horas não cabem na cova de um dente.
E, na beatitude destes dias, escuto, ao longe,
O eco dos queixumes mais patéticos –
– Não da verdadeira miséria humana, que essa,
Sendo pobre, não tem voz – e fujo
A enfiar a cabeça no conforto da minha toca…
Porque ando assim, como bicho,
E os bichos não mordiscam o caroço às filosofias.»
(Vera de Vilhena in “Fora do Mundo”, Poética Edições, Dez 2014)
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