o homem no palco
não o homem é o palco
e o uivo da morte
que rasteja boca
e chove humanidade
lodo merda esperma
e chove mais humanidade
sarjeta pus dinheiro
rodos de dinheiro
o uivo a lacerar-te a carne
a boca a comê-la
choras e lavas-te
e baptismo nenhum te purifica
lobo solitário
o uivo que desce a montanha
faz o vale estremecer
as trancas nas portas
os pedreses nas janelas
o uivo a penetrar
cada frincha cada aberta
como se te violasse
num ermo
e não te livras dele
como as putas se limpam
depois de aviar mais um
sim a morte chega
para te foder
e prostrado só a humanidade
do amor te pode salvar
como a loucura a redimir-se
abraça-te a mortalha
daquele sorriso que te encandeou
no êxtase
de orgasmos múltiplos
procuras o leito
e o trilho para a margem do rio
segue-te a lua
cheia no fim da gravidez
acolhes a morte
como a pele da água o esplendor
e geras o universo
o homem já não é o homem
encarnou-se gesto
de loucura e redenção
metamorfose do sangue nas veias
dirão que morreu
digo foda-se
e tudo se acaba
e tudo tem o seu princípio
no uivo voz de abismo
o deus a nascer
pelos olhos do homem.
(ao actor Daniel de Macedo Pinto e ao Uivo de Allen Ginsberg)
Helder Magalhães
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