Categories: Poesia

As mãos vazias | Lídia Borges

 

 

As mãos vazias de temporais,
de tragédias, de grandezas,
regressam da cidade
sem promessas de paz ou abundância.

Nos campos, a ondulação do pão
perdeu-se do vento e nas casas
portas e janelas batem
umas atrás das outras.

Tremulam borboletas de frio e sombra no silêncio
e os homens espalmam-se
contra as paredes a fumar e a navegar
azuladas ondas de fumo,
enquanto os cães vadios
devoram tudo ao longe.

A terra pesa debaixo dos pés
e a prosa, contra a minha vontade,
ganha limos e lodos como um bote carcomido
à beira de se afundar.

Arranco da poesia
um ramo onde canta um rouxinol
e com ele faço uma jangada para atravessar
o novo dia que já lá vem.

Lídia Borges, “Sementes Daqui”

Das Letras

Share
Published by
Das Letras

Recent Posts

Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à "originalidade da sua obra…

7 anos ago

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada de carne palpitante… com neurónios, comandada puro arbítrio, caminhante… Permeável, errante… de louca,…

7 anos ago

Marcos Barrero, poeta de coração paulistano | Adelto Gonçalves

I A exemplo do que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) disse do poeta argentino Rodolfo…

7 anos ago

Em homenagem a Cassiano Nunes | Adelto Gonçalves

                                                    I         Primeiro de uma série de cinco volumes, Poesia - Obra Reunida (Brasília: Universidade de Brasília/Thesaurus Editora,…

7 anos ago

Desvão de Almas, Miicrocontos, Editora Penalux, SP | Silas Corrêa Leite

O professor Silas Corrêa Leite, jornalista comunitário, conselheiro diplomado em direitos humanos, ciberpoeta e blogueiro…

7 anos ago