ABRIR AS ASAS | Soledade Martinho Costa

O tempo teima
Em derramar sobre o meu corpo
As horas que se tornam dias.

Mas não rejeito o tempo
Rejeito, sim, o que me traz o tempo
O tempo que se desfaz no tempo
Sem que me traga a quietude que me ofereço.

Ata-me os braços
Tolhe-me o pensamento
E não tenho forma de alterar o tempo
O tempo que me prende e onde permaneço
O tempo ido
Perdida neste labirinto
Onde esqueci meu nome
E não me reconheço.

Só conheço a demora que se esconde
E adormece de mágoa em meus ouvidos
E a lágrima que nunca me obedece
Que desliza em minha face e não responde
Por saber o quanto sei o seu sentido.

Só conheço no poema que se despe
E que o meu punho escreve com firmeza
O pesar de não ser mais como era dantes
Um tempo feito de paz e comunhão
Onde brilhava a esperança sempre acesa.

Tempo de datas e nomes e surpresas
Feito de beijos e risos e abraços
Onde nasciam os sonhos e a certeza
De haver na mesa a frescura do pão
E na lareira o ciciar das brasas.

Porque o afecto era o elo, era a magia
Era tudo o que se tem e se deseja
Sem mácula, sem dano, sem agravo
A unir as mãos sob a ternura
Sem sombra ou amargura nas palavras.

Pudesse
Dentro de mim abrir as asas.

Soledade Martinho Costa

Do livro a publicar «Bragal»

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