Maria Toscano, natural de Campo Maior (Alentejo), Doutorada em Sociologia pelo ISCTE e atualmente Professora Universitária em Coimbra, vem desenvolvendo uma longa e abrangente actividade no campo das mais diversas áreas: teatro, canto, leituras encenadas, etc. Aliás, é forte a ligação de Maria Toscano à música, já que começa a estudar piano e acordeão em 1969 e mais tarde, em 1983, recebe mesmo aulas de canto. Apesar deste intenso labor, é na escrita que se tem vindo a afirmar, quer como colonista do semanário virtual “Incomunidade”, quer como colaboradora de várias Antologias de Poesia das quais destaco “O Prisma das Muitas Cores” que tive a honra de organizar, quer ainda na sua regular publicação poética: Maria Toscano tem, até ao momento, oito livros de poesia publicados.
Esta autora propõe-se apresentar-nos agora um ambicioso e original projeto intitulado “Poemas Do Sul”, obra que consta de cinco volumes correspondendo cada um deles a um Canto determinado e dotado de uma cor específica atribuída pela própria poeta. Convém aqui enfatizar o extremo bom gosto e o equilibrado design que subjaz a todo este projeto, que se ordena numa sequência de cinco “Cantos/Volume”: “Canto I. Da Terra”, ”Canto II. Das Marés”, “Canto III. Dos Sóis”, “Canto IV. Da Fala”, “Canto V. Do Branco”.
No primeiro volume destes “Poemas do Sul Em Cinco Cantos” predominam os poemas longos de verso curto, que é, aliás, uma das características da produção desta poeta, e onde esse mesmo verso curto chega, por vezes, a não ter mais do que uma palavra (Cf. pp 35-36 e pp 86-88). As estrofes, que podem chegar a alongar-se por uma/duas páginas, são, em certos momentos, entrecortadas por monósticos, dísticos ou tercetos, que nem sempre – e este é um dos aspectos interessantes desta tessitura poética! – desempenham, na estrutura poemática, um papel idêntico, assim, poder-nos-á surgir: um terceto com função enfático-conclusiva (p 20), um monóstico como reforço ou mero momento de respiração da leitura (p 10 e p 53), dois monósticos como momento introdutório à estrofe longa que se avizinha (p 52), enfim, são múltiplas as opções de Maria Toscano quanto a este recurso estilístico.
Esta poesia, apesar de possuir uma assumida tónica no sentido, recorre com frequência a jogos alicerçados na repetição de palavras ou até mesmo de cariz anafórico, como modo de adensar a musicalidade do poema:
das vezes que vos falei insisti
insistindo na pureza do sentir.
mãos brancas
passos firmes desbravando
o caminho insisti insistindo
na leveza do viver.
ombros amplos tronco erguido
insisti acolhendo os opostos
insistindo na sageza do ceder
insisti
insistindo na verdade do amor simples
do simples ser.
(p 21)
E aqui reside alguma da originalidade da obra de Maria Toscano, que advém do facto de ela conseguir uma voz própria mediante uma conjugação bem doseada de uma poesia “engajada” e de olhos postos no social (Cf. 124), pois é difícil ler-se este livro sem nos lembrarmos da poesia de Manuel da Fonseca ou, até mesmo, de outros poetas que permaneceram na sombra como Sidónio Muralha e Eduardo Olímpio, mas, e ao mesmo tempo, esse legado é inserido em procedimentos e olhares assumidamente modernos (Cf. pp 113-116, pp 121-125). Daqui resulta uma escrita circulando entre o enternecido peso da memória (são vários os poemas onde se fala de presépios, do pai, do musgo…) e o de um futuro almejado, muitas vezes geminado com uma certa veemência do dizer, não é, pois, por acaso que um dos versos alude a Natália Correia. No entanto, e convém ressalvar, o social de que se fala aqui não é o das grandes urbes com os seus rituais e desilusões, mas antes os pequenos aglomerados populacionais, as pequenas cidades, os montes semeados a eito, é de toda essa gente que- para além de falar de si própria – fala a poesia de Maria Toscano numa mescla de assunção e inconformidade:
falar-te, longamente, das brancas coisas do Sul…
começar pelos marcos a dar nome
às vilas a largos a ruas.
ou começar pela fachada lisa
caiada a preceito bordejada
de amarelos e, mesmo, de azuis
partilhando-se como preto de ferros
puxadores varandas e janelas.
abrir a meia-porta e confirmar
a cal perseverando lá dentro.
deixar-te, então, passar à frente
amiudando os cobres e os estanhos
brunidos areados luzidios
(…)
( p 105)
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