Reginaldo Pujol Filho*

1- No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?

Olha, às vezes parece que esse mundo quer nos levar a crer que não. Mas vou dizer o seguinte: talvez seja justamente nesse cenário que a importância e o sentido da literatura crescem. Não estou dizendo que isso seja uma percepção geral. Acho que é de poucos, mas é minha. Quero dizer assim: se é tudo cada vez mais imediato e instantanista, tudo o que não é assim deveria ser valorizado e ganhar um sentido maior. Ao responder esta pergunta começo a ver a literatura como uma ilha de pausa, de reflexão e de imaginação em um mundo de estímulos é-pra-já, de respostas prontas, de ansiedade e Google. Sim, a literatura, tem sentido e muito. Me parece que hoje nossas mentes estão ao mesmo tempo tão agitadas e anestesiadas por tantos e tantos e tantos estímulos. E a leitura concentrada de um bom romance, ou o simples pensar sobre um poema, por estarem tão na contramão disso tudo, podem ser, ao mesmo tempo, o repouso das mentes agitadas e o beliscão que vai acordar nossas cabeças que acreditam que todas as respostas estão no Google.

2- Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Por quê?

Essa é uma pergunta difícil. Mas pensando sobre o final dela, “que mais lhe tocou”, penso em sentimento, em fortes emoções, e aí o que me vem à lembrança é a participação do Lobo Antunes na Festa Literária Internacional de Parati de 2009. Não sei se isso se classifica como acontecimento literário. Mas Lobo Antunes, naquela ocasião, expôs tantas verdades íntimas dele sobre a literatura e, ao mesmo tempo, demonstrou um amor, uma paixão tal pela escrita, pelo que ele faz, que me abalou. Passei uns bons dias lembrando de frases dele, questionando minhas verdades sobre literatura e escrita. Aquela hora e pouco assistindo o Lobo Antunes foi daqueles momentos que parece que te colocam em um outro lugar na vida, te deslocam do centro e te fazem olhar para esse centro. Sei lá, acho que basta dizer que chorei.

3- Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.

Bom, não sei exatamente de que livro falar. Estou terminando um. Mas sobre o último publicado, tem o Azar do personagem – que é também minha estréia. É de contos. Costumo dizer que são 13 contos mais 1. E só lendo para explicar o que é isso, que não gosto de estragar o significado desse “mais 1”. Mas é um livro em que passeio por diversas formas e estilos de narrar com uma alta dose de humor. E é aquela coisa: em geral, se há humor, há alguém se dando mal, alguém tem que escorregar na banana para que a piada aconteça. E já que o livro tem tanto humor, o que acontece é que, nesses textos, pobres dos meus personagens, não tenho pena deles, me divirto às suas custas, de um modo que se pode dizer que, se o personagem caiu na minha mão, azar do personagem.

Mas tem também um outro livro que não é só meu, que saiu no ano passado no Brasil, e este ano em Portugal, o Desacordo Ortográfico. É uma antologia que organizei, reunindo 20 autores de língua portuguesa de Angola, Brasil, Moçambique, Portugal e São Tomé. Uma gente que só tem em comum o fato de escrever diferente, de ter um texto que não entra em acordo com acordo nenhum. Boa literatura, essa é a regra máxima ali. Não é o último livro que escrevi, mas é o meu último trabalho em livro, pelo qual tenho um carinho muito, muito grande.

4- Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?

Não sei. É claro que literatura e internet coexistem, vão coexistir, isso é inevitável. Internet é um meio muito poderoso, isso é óbvio. Mas o que se quer dizer com “destino comum”? A internet vir a ser O meio da literatura? A literatura se modificar em função da internet? Haver uma literatura de internet? Sobre tudo isso não sei, sempre que surge a primeira pergunta sobre assuntos desse universo já me vem outras três ou quatro. Mas acho que “destino comum” talvez seja forte demais pra se pensar a relação da literatura e da web no futuro. Pressupõe uma união em muitos sentidos. Às vezes parece que se pensa na internet como um buraco negro que vai sugar tudo, não é? Que tudo nessa vida vai ter um destino comum que é a internet. Claro que ela vai abalar e está abalando uma série de coisas do nosso presente, modifica estruturas várias, mas espero que ela não venha a ser o centro do mundo, não quero que tudo esteja na internet. Gosto muito também do que a vida e a literatura podem ser no mundo off line, tátil, do contato real. Espero que nem tudo na vida venha a ser mediado apenas por computadores. Não acredito, por exemplo, que a internet possa criar rituais coletivos poderosos, como ir a uma sala de cinema, viver uma catarse coletiva, isolar-se do mundo durante duas horas, no escuro, envolvido por som e imagem. Tá, já deixei há horas de responder a pergunta e comecei a divagar. Paro por aqui.

5- Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.

Vou referir três:

– Luis Fernando Veríssimo com o Analista de Bagé (poderiam ser outras obras dele, mas o Analista é simbólico do todo);

– Gonçalo M. Tavares com o Senhor Henri;

– Amílcar Bettega Barbosa com Os lados do círculo.

BREVE NOTA BIOGRÁFICA

Reginaldo Pujol Filho nasceu em 30/03/1980 em Porto Alegre, no sul do Brasil. E lá vive e trabalha como redator publicitário. Publicou Azar do Personagem pela Não Editora em 2007 e tem contos em antologias, sites literários do Brasil e de Portugal, assim como em jornais, revistas, cartazes e no youtube. Reginaldo também organizou a antologia Desacordo ortográfico (Não Editora, 2009/Livrododia, 2010) e prepara seu próximo livro para o final de 2010. Mantém a duras penas o blogue Por causa dos elefantes.

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