1– No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?
Não creio que as artes percam sentido. Poderão passar por entusiasmos diferentes, mas exercerão sempre fascínio. Fala-se muito na hipótese de morrer o romance. Em Portugal, quando se começou a levantar essa questão, apareceu o Saramago, o Lobo Antunes, o Mário de Carvalho, a Lídia Jorge e tantos outros, alguns dos quais dignificaram e popularizaram o género como nunca antes. O instantâneo está a criar uma literatura mais instantânea, uma boa e outra má. A maior parte talvez seja má, mas na história também não ficaram a maior parte dos escritores.
2- Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Porquê?
Várias coisas literárias ou para-literárias me emocionaram nestes últimos tempos. Saber do estado de saúde de Agustina Bessa-Luís foi um choque. Ver, no sempre imprescindível youtube, o José Saramago sensibilizado depois de assistir ao filme que adapta o seu livro foi muito belo. Ler “A Sala Magenta”, de Mário de Carvalho, foi mais uma grande recompensa por gostar de livros.
3- Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.
o apocalipse dos trabalhadores conta a história de um grupo de pessoas que, sem muito se consciencializarem disso, encostam a democracia para o lado de lá da vida, para o momento em que são pedro abre ou não as portas do paraíso. É um texto feito de uma boa dose de ironia, com algum humor, que pretende, acima de tudo, chegar aos valores mais básicos do que será isso de se ser humano.
4- Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?
De alguma forma já vão tendo. Muitos escritores fazem-se hoje nos blogues e há cada vez mais livros, inclusive inéditos, disponibilizados online. O futuro do livro é virtual, no sentido em que acredito que rapidamente deixaremos de usar o papel para imprimir textos e imagens a uma escala mirabolante como se faz agora.
No dia em que toda a gente começar a ter uns belos ipods, iphones ou produtos idênticos e os livros forem bem produzidos para leitura nesses ecrãs de luz, não vejo como não caminharmos, e a passos largos, para um mundo em que os livros se multiplicarão aos milhões com o esforço de cliques e não com o abate de árvores e toda a indústria pesada que depois disso se segue.
5- Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.
Quando li “A Metamorfose” de Franz Kafka era miúdo ainda e não estava à espera que se pudesse criar um universo tão visível só com palavras e, ao mesmo tempo, falar de coisas tão sérias com aquele aparato global de historinha da carochinha. Fiquei para sempre fascinado com Kafka e admito que toquei na porta dele com profunda emoção, quando a sorte me levou a Praga com o Jorge Listopad há uns anos.
Num aniversário ofereceram-me “O Medo”, do Al Berto, eu teria dezassete anos. Foi uma revolução na minha cabeça e, na verdade, foi onde encontrei, pela primeira vez, uma permissividade formal que me descomplicou muitos constrangimentos académicos. As minúsculas que hoje uso nos meus livros são todas devido às minúsculas que o Al Berto usa em tantos dos seus textos. Se é de marcas no meu percurso que se trata, esta é uma muito incontornável.
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