Agora até parece mentira, mas naquela altura ele ainda não sabia o que era isso de bookcrossing. Num golpe de linearidade linguística, calculou que se tratasse de uma forma apurada de ler. De atravessar um livro em todas as direcções, folheá-lo, revolvê-lo até ao âmago dos sentidos, persegui-lo até ao fundo das entranhas. Mas não passaram muitos dias que o assunto não ficasse esclarecido. Em vez de se atravessar o livro, era o livro que atravessava o espaço, andando de mão em mão. Então, conta ele, a ideia pareceu-lhe romântica e resolveu pôr-se em acção. Acabava de escrever um livro com 538 páginas, o que pode acontecer até aos menos incautos, e resolveu fazer uma experiência. Um dia de manhã, depois do pequeno almoço, avançou pela avenida afora, com o tijolo debaixo do braço e procurou um banco de jardim onde deixá-lo. Não foi necessário muito tempo. Por ali passavam pessoas a caminho da Universidade, alguns a caminho de cafés, outros a caminho de casa, outros a caminho de rixas, outros a caminho das árvores, tanta era a variedade de transeuntes que fácil seria alguém reparar no objecto. Assim foi. Ele conta que apenas deu uma volta ao quarteirão, espreitou e o livro já lá não estava. Então começou a imaginar por quantas mãos iria andar o seu livro. Na primeira página, havia simulado um leitor – Faça bookcrossing, não deixe este livro parar, uma data e uma assinatura. Estava lançado o desafio, e assim passaram sete anos. Por onde andaria o livro? Teria saído da cidade, teria viajado para outros países? Em que mãos longínquas se encontraria, agora? Na semana passada, aconteceu o improvável – O correio trouxe o livro de volta. O livro havia sido esquadrinhado, apresentava notas por todos os cantos, insultos, troças, desenhos das personagens, resumos, comentários, sinónimos, interrogações. O livro havia estado todo aquele tempo nas mãos de um único leitor.
Lídia Jorge
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