Andas sempre com as mãos a esgravatar na terra. Olha para as unhas, António. Não venhas para a mesa sem limpares as unhas, ouviste?

Olho a minha mão direita no movimento banal de dar uma, duas voltas à chave.

Os ossos salientes parecem querer furar a pele. Em tempos, eu carregava os ossos do ofício, levava-os para casa, enrodilhavam-se comigo na cama. Chegavam a formar montinhos pela sala onde era raro receber uma visita.

A mão, que me parece alheia, roda a chave para a direita, no buraco da fechadura, numa morosidade aflitiva, depois detém-se num gesto impreciso, suspenso. Não tenho pressa de entrar. A pressa ficou estilhaçada no consultório, com o médico afadigado em compor um ar que se encaixasse no momento.

A mão empurra a porta. Sinto o olhar fixo do vazio a cair sobre mim e vejo o reflexo do meu olhar. O desejo tardio de ter um cão, à minha espera, bate-me na mente, em pancadas secas.

Julieta Ferreira

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