Todos os dias, a meio da tarde, num ritual que se acomodara aos ossos e à carne, ele deixava a casa e tomava o caminho para a taberna da viúva Mariquinhas. Não que procurasse o aconchego do vinho ou das amenas tertúlias com os velhos companheiros; não era isso que o fazia subir aquela rua estreita e íngreme, de calhaus gastos pelo tempo: apenas desejava encontrar os olhos da Mariquinhas, deliciar-se com o seu riso, as suas maroteiras e o chiste na ponta da língua, numa apaixonada formalidade, cortejando-lhe a presença e graça. Mulher ladina, a Mariquinhas ainda era bonita e mantinha uma jovialidade de fazer inveja às outras da sua idade. E ele — tal como ela — estava só. Embora a vida declinasse, ele teimava em não se deixar vergar pela idade e pela soledade, subindo todos os dias aquela ladeira. E aquela subida, qual metáfora, transformara-se no seu combate particular, no seu campo de batalha: fizesse chuva ou fizesse sol. Pouco falava, quedando-se em silêncio, a contemplar. No secreto do seu espírito sabia que um dia ainda conseguiria conquistar o coração da taberneira. E então sim, os seus dias teriam outro brilho, outro calor e a morte, enfim, seria derrotada, pelo menos desta vez, às mãos do amor.

Paulo Moreiras

Paulo Moreiras

Share
Published by
Paulo Moreiras

Recent Posts

Gonçalo M. Tavares vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2018

Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio Literário Vergílio Ferreira devido à "originalidade da sua obra…

7 anos ago

Gente Lusitana | Paulo Fonseca

Cornucópia rosada de carne palpitante… com neurónios, comandada puro arbítrio, caminhante… Permeável, errante… de louca,…

7 anos ago